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Saiba as oportunidades de investimentos no Brasil na visão de gestor americano
O mercado tem reagido de maneira exagerada à perspectiva de desaceleração econômica nos Estados Unidos, aponta o diretor e gestor de portfólio da Principal Global Investors, Marc Dummer, gestora de recursos americana com US$ 580 bilhões sob administração. A PGI integra o centenário grupo financeiro Principal, com mais de US$ 700 bilhões sob seu guarda-chuva. O profissional reitera que a economia americana mostra solidez e a possibilidade de recessão nos próximos 12 meses alcança apenas 15%, segundo estimativas da casa.
Em entrevista ao Valor, o executivo afirma ver o Brasil como barato, mas reitera que incertezas ligadas ao período eleitoral, junto com o cenário de inflação alta e juros em elevação, mantém investidores estrangeiros cautelosos com o país. Dummer, porém, avalia haver oportunidades no país no médio e longo prazos.
Segundo o gestor, a China sinaliza uma pausa em sua estratégia de transição de uma economia focada em infraestrutura para uma de consumo. Com isso, avalia, “há uma tendência de o país asiático voltar para o que sabe fazer melhor, ou seja, investir em infraestrutura”. O cenário pode favorecer países exportadores de matérias-primas nos próximos meses, como o Brasil e outros emergentes. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: Como a guerra impacta o cenário de investimentos?
Marc Dummer: Como porcentagem do PIB global, a Ucrânia e a Rússia não são realmente grandes. Li uma estatística de que o PIB da Ucrânia é cerca de metade do PIB do Estado de Connecticut, nos Estados Unidos. E a Rússia tem quase o mesmo PIB do Estado de Nova York. Apesar de não serem grandes contribuintes para o PIB global, [Rússia e Ucrânia] têm um grande impacto nas commodities, como energia, agricultura e metais. Parte desse impacto já se refletiu em alguns preços. Então nós temos visto os mercados de ações na Europa, que dependem mais das importações russas do que os EUA, sofrerem mais. Recebo um relatório toda semana que compara índices europeus [de ações] e outros como o MSCI Brasil nesse período de tempo com a própria história do indicador. Os índices caíram para perto do valor justo em 31 de março. O que descobrimos é que, por causa da pandemia criando um pico de commodities e, em seguida, a invasão da Ucrânia, prolongando o pico de commodities, agora estamos enfrentando um período em que esperamos uma inflação sustentada em vez de transitória. E é isso que realmente pesa nos mercados em geral. Agora o risco é sobre como os bancos centrais podem combater a inflação sem causar uma recessão. A economia passa por esses e, em seguida, a invasão da Ucrânia, prolongando o pico de commodities, agora estamos enfrentando um período em que esperamos uma inflação sustentada em vez de transitória. E é isso que realmente pesa nos mercados em geral. Agora o risco é sobre como os bancos centrais podem combater a inflação sem causar uma recessão. A economia passa por esses ciclos e estamos sempre tentando estimar onde estamos no ciclo, quão grande é a onda, em qual parte estamos e quão profunda ou rasa é essa onda. Assim, o mercado tende a se mover em uma linha irregular ao longo do ciclo econômico. E a razão pela qual apontei isso é que, às vezes, o mercado pode reagir exageradamente à desaceleração econômica subjacente. Achamos que estamos caminhando para um crescimento abaixo da tendência e com inflação mais elevada. Mas quando você olha para as últimas 12 recessões, o mercado caiu, no caso do S&P 500 [um dos principais referenciais da bolsa de Nova York], em média, 24%. No momento atual, do pico ao vale, a queda foi de 18%. Um relatório do Goldman Sachs diz que, quando você olha para o mercado de Treasuries, os investidores estão prevendo uma chance de 25% de recessão. No nosso modelo preditivo de recessão, em que analisamos 19 fatores diferentes, quando 10 desses indicadores atingem um certo nível, diríamos que há 50% de chance de os EUA entrarem em recessão nos próximos 12 meses. E, atualmente, só temos três, o que representa cerca de 15% de probabilidade de recessão em 12 meses. O mercado, porém, já está refletindo uma probabilidade maior. Tem sido uma reação exagerada.
Valor: O Brasil está longe de áreas de conflitos geopolíticos. Essa característica pode ajudar a atrair mais fluxo de capital?
Dummer: A China tem tentado passar de uma economia orientada por infraestrutura para uma orientada para o consumidor. E toda vez que há soluços nesse processo, eles voltam para o que sabem fazer bem, que é gastar com infraestrutura. Vimos recentemente projeções do PIB da China caírem para algo em torno de 4% a 4,5% ao ano, muito abaixo de sua meta. Qual foi a resposta a essa projeções? Bilhões de dólares em promessas [de obras em infraestrutura] se espalhando pelo país. O banco central chinês também reduziu juros. Isso é importante para as economias emergentes porque, na medida em que a China volte à estratégia do passado, que é construir mais infraestrutura, será bom para commodities. Desse modo, tende a ser positivo para as ações ligadas ou sensíveis às commodities e para as economias exportadoras de commodities. O Brasil tende a se beneficiar desse cenário. Poucas vezes o país esteve tão barato quanto agora. Um relatório mostra que, em 31 de março, o MSCI Brazil esteve apenas 2% de vezes em sua série histórica mais barato do que agora. Mas há preocupações fundamentais com o Brasil, ainda que já estejam precificadas pelo mercado.
Valor: Quais são as principais preocupações de investidores estrangeiros sobre o Brasil?
Dummer: Há preocupações sobre as próximas eleições, obviamente. Mas é menos sobre quem vence, se [o ex-presidente Luís Inácio] Lula [da Silva] ou [o presidente Jair] Bolsonaro. É mais sobre a imprevisibilidade da eleição. À medida que nos aproximamos da eleição, há menos certeza e podemos esperar mais volatilidade nos mercados brasileiros. Até saber em que direção [a eleição] está indo, nós costumamos ir embora. Outros pontos são a inflação e as taxas de juros. A inflação tem sido alta tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Aqui nos EUA o Federal Reserve [Fed, o banco central americano] errou ao não aumentar as taxas de juros no ritmo que deveria quando a inflação começou a se consolidar. Esse movimento contrasta com o realizado pelo BC no Brasil, onde eles foram muito agressivos no combate à inflação. Mas agora começamos a ouvir que o Fed aumentará as taxas de juros além de um nível neutro para garantir que a inflação fique sob controle. Isso é uma preocupação. Algumas das grandes preocupações são se o Fed reagirá de forma exagerada aumentando demais as taxas de juros, o que pode levar à próxima recessão [nos EUA]. Ao invés de uma aterrissagem suave [da economia], poderíamos ter uma aterrissagem dura.
Valor: O risco de recessão nos Estados Unidos aumentou?
Dummer: Nossas expectativas são ainda de que há uma baixa probabilidade de recessão. Mas o mercado está assumindo que temos mais oito aumentos de juros neste ano, provavelmente de 0,5 ponto percentual para cada uma das próximas duas reuniões. E talvez possa haver mais quatro elevações em 2023, de 0,25 ponto cada uma. A expectativa [sinalizada pelo Fed] é que pare de subir [os juros] em cerca de 3% a 3,25%. Agora, isso ainda é, de acordo com o próprio Fed, um cenário acomodatício [da política monetária]. [A secretária do Tesouro e ex-presidente do Fed] Janet Yellen disse há algum tempo que a taxa neutra seria um ponto percentual acima da taxa de inflação, e qualquer coisa abaixo disso é estimulativa. E, da mesma maneira, qualquer coisa além disso era restritiva. Bem, achamos que a inflação em 2022 está em cerca de 5%, o que significa que a taxa neutra seria de 6%. Achamos que o Fed vai parar o ciclo abaixo de 4%. A não ser que ocorram surpresas de crescimento para cima, e o banco central pode aumentar as taxas mais rapidamente para combater a inflação. Então, achamos que a economia dos EUA está com bases sólidas e que o mercado vendeu um pouco demais recentemente.
Valor: O Fed estaria mais inclinado a evitar uma recessão?
Dummer: O Fed, na nossa visão, tende a parar de subir os juros abaixo do que eu chamaria de política neutra porque vão ter cuidado para não causar a próxima recessão. Existe, claro, o risco de o Fed surpreender continuamente os mercados com uma postura mais agressiva. Se o Fed tivesse aumentado os juros em um ritmo de 0,75 ponto, acho que o mercado teria absorvido bem, talvez até aplaudisse e dissessem ‘sim, você está lutando contra a inflação, então vamos lá’. Há alguns fatores que estão ajudando o trabalho do Federal Reserve. A tendência geral dos preços da energia, por exemplo, é de queda. Quando você olha para o mercado futuro [de petróleo], ele continua mostrando que o preço do barril pode estar caindo. Além disso, os custos mais altos de energia estão começando a criar um pouco de estrutura de demanda, o que significa que as pessoas estão começando a mudar seus hábitos de consumo, o que também pode significar que a inflação e o crescimento [da economia] começam a desacelerar. Outra coisa que olhamos são as taxas de poupança dos trabalhadores divididas pelos estratos de renda. E o que você descobre é que os trabalhadores de baixa renda, agora que os dólares do estímulo pandêmico ficaram para trás, começaram a economizar menos. Achamos que muitos daqueles que foram desincentivados a voltar ao trabalho agora vão voltar e que isso levará a uma maior oferta de mão de obra. Isso significa que a inflação salarial ainda estará subindo, mas em um ritmo mais lento. Neste momento, nos Estados Unidos, há quase duas vagas para cada trabalhador que procura emprego. À medida que mais trabalhadores entram [no mercado], começa a diminuir a inflação salarial.
Valor: Em momentos de fim de ciclo, como o atual, qual sua recomendação aos investidores?
Dummer: Conforme entramos nessa fase de declínio do ciclo [econômico], é interessante observar como as classes de ativos se comportaram em fases anteriores de declínio. E o que você descobre é que os retornos começam a se normalizar, poderemos ver as ações nos EUA voltando para [um retorno nominal de] 6% ou 7%, e os papéis americanos [de renda fixa] abaixo do grau de investimento para algo em torno de 5% a 6% [ao ano]. Nesta fase de declínio, o que é realmente mais importante é, em vez de tentar escolher qual classe de ativos vai subir mais, proteger-se contra as oscilações e evitar concentrar os recursos em uma determinada classe. Como alocadores, o que diríamos é para aumentar sua diversificação. No período atual, o foco tem de ser menos sobre [ampliar] o retorno e mais se proteger contra as quedas.
Valor: Há oportunidades na renda fixa no Brasil, com Selic em 12,75% ao ano? Existe risco em concentrar o portfólio?
Dummer: Acho que o risco é a oportunidade perdida de tornar seu portfólio geral mais eficiente. Provavelmente suas taxas de curto prazo poderão alcançar 13,5% [no fim do ciclo de alta do BC] e depois cairão [no ciclo de baixa] talvez mais perto de 9% ao ano, em meados do ano que vem. O que as pessoas estão perdendo é que, se você puder pegar alguns dos seus investimentos e diversificá-los fora do Brasil, para poder investir em ações ou títulos de outros países com uma fatia significativa [do patrimônio], digamos de 10% a 15%, seu portfólio geral terá historicamente retorno mais alto e sua volatilidade diminuiria. As pessoas podem ficar um pouco iludidas de que isso é a coisa certa [concentrar recursos na renda fixa] e, assim, perder a oportunidade de construir o portfólio que pode navegar por muitos ciclos de mercado.
Valor: Então, quais as maiores oportunidades no Brasil em termos de classes de investimento?
Dummer: Você deve primeiro começar com um portfólio bem construído, que possa protegê-lo contra os riscos, e isso significa ser mais diversificado. As oportunidades no Brasil estão mais nas estratégias profissionais de ‘hedge’ [proteção], como ‘long and short’, renda fixa, [fundos] macro, [fundos] quantitativos e outras. São áreas em que os gestores estão sendo muito táticos. Investir na gestão profissional que pode navegar por águas agitadas vai trazer desempenho superior a apenas estar em renda fixa.
Valor: E sobre as classes alternativas de investimento?
Dummer: No caso dos ativos ilíquidos, eu os coloco em dois campos, de ativos alternativos e estratégias alternativas em classes tradicionais. Portanto, classes de ativos alternativas seriam coisas como commodities, imóveis, títulos, REITs, estoques globais de recursos naturais, que exibem fundamentos subjacentes diferentes do mercado mais amplo. Nas estratégias alternativas em classes tradicionais, podemos citar ações de longo prazo, crédito de longo prazo, fusões e arbitragem. No caso de M&A [fusão e aquisição] e arbitragem, são uma oportunidade agora, no Brasil. Acho que existem gestores ativos que podem tirar vantagem em ‘long and short’ de ações. Dito isso, meus portfólios estão mais voltados para classes alternativas de commodities, recursos naturais globais, imóveis globais, títulos e infraestrutura global. Uma das coisas que os investidores às vezes não percebem é que, quando a inflação está subindo, precisamos pensar sobre quais classes de ativos são oportunas e quais são persistentes. Assim, ações sensíveis a commodities, como ações de companhias ligadas a recursos naturais, sobem quando a inflação está emergindo, mas não têm a mesma persistência que algumas outras classes de ativos. Por outro lado, títulos imobiliários não são muito oportunos, mas têm uma persistência muito boa. A mesma coisa com infraestrutura global, ações, empresas que são monopolistas, que podem aumentar suas receitas quando seus custos de insumos estão subindo. Não são muito oportunos, porque os papéis são vendidos quando a inflação está alta, mas se a inflação vai ser mais longa, duradoura, eles têm uma persistência muito boa.
Valor: Qual é a sua visão sobre o mercado de criptomoedas?
Dummer: Pensamos em criptomoedas como parte dos ativos digitais. Isso pode incluir criptomoedas, mas também esses tokens não fungíveis [NFT]. Esses ativos melhoram [o desempenho do] seu portfólio geral. Portanto, ter uma alocação de 3% a 5% em ativos digitais pode diminuir sua volatilidade e aumentar seus retornos, em uma comparação com a média histórica. O problema é que é muito difícil acompanhar o segmento porque não há fundamentos. Mas o que nós argumentamos é ser interessante manter uma alocação nessa nova classe. O problema é a volatlidade. Em vez de tentar prever o mercado, a sugestão é ter uma fração, mas muito pequena do portfólio, porque são ativos realmente voláteis.
Valor: E qual será a importância do ESG [critérios ambientais, sociais e de governança] em termos de estratégia de alocação?
Dummer: É uma importância crescente para os investidores. Também descobrimos que as empresas que têm uma pegada de carbono mais baixa têm um custo de capital mais baixo. Assim, algumas das empresas mais “verdes” têm um custo de capital menor, e seu retorno sobre o capital é melhor. Diante disso, o mercado começa a recompensá-las. Como gestor, posso dizer que nós investimos em ESG. Mas a maior parte do mercado ainda só olha para o ‘E’ e o ‘G’. Então, criamos algumas estratégias e alguns modelos de portfólio para clientes, em que estamos fazendo uma estratégia de renda que é ESG, onde estamos olhando para o E, o S e o G e onde podemos ter carteiras que tenham mais E ou S e G do que o benchmark. A geração que está se aposentando agora pode estar um pouco menos focada no ESG. Mas a próxima geração, que ainda está acumulando sua riqueza, à medida que acumula patrimônio, volta-se cada vez mais para esses fatores. Na atualidade, há uma oportunidade. Estamos descobrindo que existem empresas que ajudam as empresas a se tornarem mais amigas do meio ambiente. E essas são interessantes para se estar [investidas] agora. Não são apenas companhias verdes, mas estão investindo em tecnologias para ajudar as empresas baseadas em carbono a se tornar melhores. Há uma oportunidade real nesse segmento.
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