Análise: Diretor do Banco Central desenha juros altos para o mercado
Depois de o mercado ignorar sinais mais conservadores emitidos pelo Banco Central nas últimas semanas, o diretor de política monetária da instituição, Bruno Serra Fernandes, praticamente desenhou uma curva de juros com uma taxa Selic mais alta em 2023.
Serra foi no ponto central: considera inconsistente o mercado precificar fortes quedas de juro no ano que vem e, ao mesmo tempo, colocar uma inflação mais alta para 2024 tanto nas projeções do boletim Focus quanto nas taxas implícitas dos títulos públicos.
O pronunciamento de Serra ocorre um dia depois de o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmar na cerimônia do Valor 1000, organizado pelo Valor, que a autoridade monetária deveria manter uma “mensagem dura” e que deveria ter “perseverança” e se manter “vigilante”.
A rigor, essas mensagens não são novas – estão na comunicação da reunião de agosto do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, que indicou expressamente que o colegiado iria se manter vigilante depois de parar de subir os juros, devido aos grandes riscos inflacionários.
Há cerca de dez dias, depois da divulgação de um IPCA-15 acima do esperado, Campos Neto já havia alertado que o trabalho não havia terminado – e renovou a mensagem de BC “vigilante”. A intenção, claramente, era reiterar a mensagem da ata e procurar sustentar a curva de juros futuros.
Desde a reunião de agosto, o mercado vinha jogando para baixo a curva de juros futuros, colocando na conta quedas maiores e mais cedo na taxa Selic. Ao mesmo tempo, a inflação implícita a termo superava 6,2%, e as projeções Focus para 2024 seguiam subindo, chegando a 3,43%.
“Parece inconsistente projetar inflação acima do centro da meta, em particular para 2024, implícitas ainda mais elevadas, e discutir queda de juros”, disse Serra. “É uma coisa, no mínimo, desafiadora para quem está do lado de cá.”
Ontem, Campos Neto disse que segue em pé a sinalização de que o Copom vai avaliar uma alta residual de juros de 0,25 ponto em reunião dentro de duas semanas. Mas o ponto central do debate não parece ser se o juro vai a 14% ao ano. Uma eventual alta vale mais como ferramenta para comunicar ao mercado que os juros devem ficar altos por um bom tempo.
Isso quer dizer que o juro não pode cair no ano que vem? Serra lembrou que, na reunião de agosto, o Banco Central fez a sua projeção de inflação com base no cenário de mercado que previa queda da Selic no segundo semestre de 2023. O cenário Focus, então, levava a uma taxa de 11% ao fim do ano que vem.
Dentro desse cenário, disse Serra, a inflação fica em torno da meta “mas pela parte de cima” no horizonte relevante de política monetária. “Ou seja, pouco espaço de manobra”, disse o diretor do Banco Central. Ou seja, dá para precificar queda de juro, mas não tão cedo nem tão intensa — e considerando que o risco de o BC entregar menos é dominante.
Serra também deixou claro como esse cenário é dependente tanto da manutenção dos juros na curva Focus vigente às vésperas do Copom de agosto quanto de seu próprio cenário de uma desinflação mais acelerada do que o consenso de mercado. É esse juro real, disse, que vai fazer o serviço.
Por que o mercado estava projetando juros mais baixos? Há várias explicações. Uma delas, apontada por Serra, é que o mercado costuma concentrar as suas apostas no período de seis meses a um ano.
Mas havia outras explicações na praça. Alguns citavam a inconsistência intertemporal. O juro apertado que o Banco Central indica para 2023 não é crível, porque quando o tempo chegar, não fará mais sentido. Levaria a uma inflação muito baixa em 2024, que o BC já projeta bem diminuta, em 2,7%.
Havia também quem identificasse certa ambiguidade na retórica do Banco Central e uma função perda que, para alguns, pesava mais a atividade econômica do que a inflação. Não ajudava muito, por exemplo, Campos Neto vir sugerindo que a taxa de desemprego poderia cair bem sem acelerar a inflação.
Tinha gente também que achava que o Banco Central contava com eventuais choques positivos para baixar a inflação, como uma desaceleração da economia mundial.
Ontem e hoje, tanto Campos Neto quanto Serra reformularam essa retórica para o lado conservador. Eles disseram que o nível mínimo de desemprego que a economia aguenta sem acelerar a inflação é um ponto que preocupa e deve ser debatido pelo Copom em reunião dentro de duas semanas.
Serra disse hoje que o trabalho para desinflacionar a economia é penoso, desse ser feito com a taxa de juros e com desaceleração da economia – e que o Banco Central não pode contar com choques exógenos positivos para cumprir a meta de inflação.
Por Alex Ribeiro
Leia a seguir