- Home
- Mercado financeiro
- Em 2023, alocação de portfólio deve passar pela análise da política monetária do Fed, opinam gestores
Em 2023, alocação de portfólio deve passar pela análise da política monetária do Fed, opinam gestores
É muito difícil olhar 2023 para alocação de portfólio sem pensar no que serão as taxas de juros nos Estados Unidos. A afirmação é de Rodrigo Azevedo, sócio da Ibiúna e ex-diretor do Banco Central. Ele entende que o Federal Reserve (Fed, o BC americano) está muito avançado ao colocar as taxas referencias em 4%, com o mercado embutindo 5%. Só que a inflação respondeu pouco, os indicadores de atividade ainda crescem e, provavelmente, o Fed terá que subir mais os juros.
“Meu economista fala em 5%, 5,5%, mas eu, como gestor, acho que vai ser mais alta do que isso, entre 5,5% e 6%, que vai até março e depois fica parada muito tempo”, disse ao participar do fórum de estratégia de investimentos da Bradesco Asset Management (Bram). “De certa forma, os mercados estão relativamente preparados para isso.”
Como a política econômica tem efeitos atrasados, o “cachorro late por muito tempo e depois morde”, Azevedo brincou que começou a morder agora e que nos próximos três meses “vai morder mais”. “Quando o Fed atingir o topo, daí você sabe que é daquele nível para baixo. Em meados de 2023 para frente, o ambiente tende a ser muito mais favorável aos ativos de risco. Sob essa ótica, estão ficando baratos, mas não tenho pressa para entrar de peito aberto porque nos próximos dois a três meses vai balançar bastante.”
Para Rogério Xavier, sócio e CIO da SPX Capital, o Fed não deve ir tão longe. Em sua opinião, o Bc americano quis tranquilizar o mercado no sentido de diminuir a intensidade do passo, evitar que os agentes financeiros coloquem um monte de cortes de juros à frente. “Ele quis indicar incrementos marginais, que vão fazer uma sintonia fina para o mercado deslocar mais para frente, o que ajuda no trabalho da política monetária do Fed.”
Indefinição sobre China
A primeira reação do mercado à sinalização que a China pode flexibilizar à frente sua política de covid zero, tem um lado preocupante, assinalou o executivo da Ibiúna. “O preço do petróleo está subindo, é curioso, todo mundo vendo como uma coisa positiva a China começar a reacelerar, mas um pedaço do ganho inflacionário do mundo ocidental vem da queda dos preços das commodities.”
Azevedo mencionou ainda que a Inglaterra adicionou um elemento à conjuntura internacional, de que em países que não forem responsáveis fiscalmente os investidores vão demandar um prêmio de risco mais alto. Essa dinâmica se tornou desfuncional após os programas de estímulos monetários e fiscais depois da crise de 2008. “Voltou àquela situação, tem perspectiva de menos liquidez, com os BCs na defensiva com taxas de inflação mais alta, aparentemente a sensibilidade nos preços dos ativos voltou a ser relevante.” Vale para o mundo e para os emergentes. Isso significa ficar atento aos desenvolvimentos em Brasília em relação ao fiscal.
Para Xavier, o fato de o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ter ganho com a ajuda das forças políticas de centro e declarar que não pretende concorrer à reeleição é um ativo. “Acho que vai ter surpresa na divulgação da equipe econômica, não acho que vá ser um político. Estou convicto que vai ser alguém que o mercado vai gostar e vai dar o direito da dúvida ao Lula, pelo menos no começo”, afirmou. “Tem chance de ter um ambiente político e econômico distensionado. É óbvio que pode dar errado, se colocar as pessoas erradas.” Se for na direção certa, vai atrair capital estrangeiro.
O gestor voltou a elogiar a atuação do Banco Central na condução da política monetária – depois de ter sido um crítico de primeira hora do movimento que levou a Selic a 2%. Ao ser questionado se as taxas da inflação implícita acima de 5,5% ante uma meta de 3% para 2024 e 2025 serem um preditivo para os índices de preços, Xavier disse que tal dinâmica “não significa nada”. “O Brasil não tem condição de trabalhar com um juro real tão alto, para o bem ou para o mal, vai ser menor.”
Azevedo disse que os juros no mundo, após o fim do ciclo de aperto e reversão das políticas, vão ser mais altos do que no passado recente, e que não há hipótese de os Estados Unidos voltarem a ter taxas zero ou negativas. Se o Fed for bem sucedido, a inflação americana vai flutuar em torno de 2%, 3%, e a taxa nominal vai ser mais elevada do que se viu no pós-2008. Isso tem repercussões para o Brasil.
Em 2019, o Brasil conseguiu comprimir suas taxas reais para 3,5% nas NTN-B, em parte porque fez a sua lição de casa, com teto de gastos e criação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TLP), e em parte por causa do ambiente de taxas negativas no exterior. Como analista, Azevedo disse também não achar que inflação implícita traga muita informação. “Num cenário negativo, Ok, a inflação vai a 8%, 9% e a taxa de juro real vai comprimir. Mas num cenário positivo, a implícita muito alta não fala com a ideia de inflação controlada.”
Câmbio
Sobre o câmbio, Xavier disse que acha que o preço dólar/real está no lugar certo e que a conta corrente é totalmente financiável. Se a inflação caminhar bem, o grande “trade” tende a ser em estratégias ligadas a juros nominais. “Como não tenho segurança absoluta das pessoas que vão compor o Ministério da Fazenda e como serão as políticas, prefiro ficar protegido na inflação.”
Azevedo também acha que o câmbio está justo, talvez não haja um “dólar Disney”, embora se comparar o cenário global atual com o de 2002 haja semelhanças. Ele lembrou que por 10 anos, o dólar passou por um processo de enfraquecimento e se esse movimento voltar, o real tende a ser mais apreciado do que os R$ 5/dólar. Ele lembra que os governos do PT, durante as gestões de Dilma Rousseff e de Lula, sempre trabalharam com a moeda brasileira mais valorizada.
Isso decorreu dos mix de política econômica, disse Azevedo. Crescia muito o gasto público, o crédito era subsidiado pelo BNDES e havia pressão sobre a política monetária por causa de um fiscal mais acelerado. “O resultado era que com juros mais altos, o país atraía muito capital”, afirmou.
“Tem que monitorar se o regime será de mais gasto, teto flexível, se vai voltar a ter subsídio do BNDES. Não acho que vá voltar para o regime do governo Dilma. Mas se a política fiscal acelera, junta o primeiro [dólar mais fraco] com o segundo [cenário] e dá para ir para a Disney.”
Por Adriana Cotias
Leia a seguir