Risco-Brasil aumenta e ativos locais têm piora com discussão fiscal
Medidas em discussão pelo governo para atenuar o impacto da alta nos preços dos combustíveis e jorrar dinheiro na economia em meio à tentativa de reeleição do presidente Jair Bolsonaro acenderam o sinal de alerta entre os investidores. O ressurgimento de questões fiscais e políticas fez o risco-país subir e se aproximar do nível visto no pior momento da pandemia, além de nublar ainda mais o horizonte para os ativos locais em um ambiente global já desafiador.
O impacto é visível sob diversas óticas. Uma das principais é a taxa de juros real (descontada a inflação) de longo prazo, que tem se mantido perto de 6% ao ano. Também é o caso dos contratos de CDS, uma proteção contratada por investidores contra risco de default, que servem de termômetro do risco-país. Os contratos de cinco anos marcavam, na sexta-feira, 290 pontos, nível não visto desde 2020. Embora também haja uma piora geral no CDS de outros emergentes, como México, Colômbia e África do Sul, a deterioração é mais forte no caso brasileiro. Os juros nominais de longo prazo também subiram recentemente; o Ibovespa perdeu os 100 mil pontos; e o dólar voltou a ficar acima de R$ 5,20.
A desconfiança do mercado tem aumentado com medidas estudadas pelo governo para conter os preços dos combustíveis, trazendo a incerteza sobre o rumo das contas públicas de volta à superfície.
Nas últimas semanas, as discussões passaram por isenções fiscais sobre os combustíveis, aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e a criação de um voucher para caminhoneiros. Também preocupa os investidores a possibilidade de decretação do estado de emergência, o que abriria a porta para mais gastos. Tudo isso em um ambiente já sensível pelo aperto das condições financeiras e monetárias gerado pelas medidas adotadas pelos bancos centrais ao redor do globo para debelar a inflação mais alta em décadas.
“Sem dúvida, os riscos fiscais têm aumentado. Tem muita coisa da deterioração atual das contas públicas que deixa marcas e que vai dificultar o trabalho do próximo governo, principalmente nos impostos”, afirma Mariana Dreux, sócia e gestora dos fundos macro da Truxt Investimentos. “A economia doméstica tem sido robusta, mas todos os vetores contratam uma desaceleração bem mais pronunciada à frente, com nível restritivo de juros e revisões para baixo no crescimento mundial. Vamos navegar mares turbulentos.”
O país vive um momento de arrecadação extraordinária por causa da alta das commodities, mas, quando a demanda esfriar, a economia estará exposta. Isso significa uma trajetória de dívida mais complicada à frente. Para Dreux, é possível que o Brasil volte a uma relação entre dívida bruta e PIB rumo a 100%. O crescimento potencial da economia tem se mostrado baixo e a taxa de juros de equilíbrio não é mais tão baixa quanto se imaginava, afirma a profissional.
Julio Fernandes, sócio e co-gestor da estratégia de fundos multimercado da XP Asset Management, mostra preocupação semelhante. Ele observa que o Brasil tem um problema de dívida elevada, e mesmo assim continua a discutir flexibilizações no teto de gastos. E o risco, alerta, é que o governo acabe abrindo mão de receitas de forma permanente.
Fernandes questiona qual a chance de, havendo renúncia fiscal agora, o próximo presidente já chegar aumentando impostos no ano que vem, o que teria impacto nos preços. Baixar imposto é fácil, lembra, mas pode haver forte queda de arrecadação se as alíquotas não forem restabelecidas.
“Se o rombo se tornar permanente, tende a fazer com que a parte longa da curva de juros [vencimentos de longo prazo das taxas dos contratos de juros] suba ainda mais e o real fique mais depreciado que os pares”, diz Fernandes. “A incerteza com o tamanho do buraco fiscal é o que deixa dúvidas no mercado e aumenta o prêmio de risco nos ativos. Parte da queda da bolsa também se deve à alta dos juros, que afeta as ações do setor doméstico.”
Como o aumento nos preços dos combustíveis afeta o mundo todo, investidores olham para a qualidade e a magnitude das medidas que cada governo tem adotado para aliviar os preços sem deteriorar as contas públicas, observa o estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli. “Temos um movimento global de redução de risco e mercados emergentes são mercados de risco, o que já é parte do problema. Ao analisar como cada país está lidando com a alta dos combustíveis, investidores entendem que os gastos focados e temporários são mais desejáveis que os dispersos e permanentes. O Brasil tem a sorte de ter receitas fortes em commodities, não pode usar algo que é positivo para causar dano estrutural.”
A deterioração dos ativos locais não reflete apenas fatores domésticos. O gestor Marcos Mollica, do Opportunity Total, destaca que o mercado passou a precificar um risco maior de recessão global após a decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de elevar os juros em 0,75 ponto percentual. Esse fator, junto com sinais pouco animadores da economia chinesa, tem impacto importante nos preços de commodities, ao sinalizar queda da demanda à frente.
“Isso, por si só, é um pano de fundo bem negativo para o Brasil. A bolsa sente e há uma pressão grande no dólar pela piora nos termos de troca. A Vale despencou de R$ 90 para quase R$ 70, e isso teve pouco a ver com os riscos domésticos brasileiros”, observa.
Mollica destaca que a discussão do governo para tentar derrubar os preços dos combustíveis ou mitigar o impacto deles se soma a esse contexto já difícil. “Ainda não conseguimos fechar essa fatura, com medidas que começaram na casa dos R$ 20 bilhões e vão chegando aos R$ 50 bilhões.”
Já André Kitahara, gestor do portfólio macro da AZ Quest, entende que, como outros países, o governo brasileiro busca atacar um problema exógeno com a solução menos danosa que encontrar. Segundo ele, a grande preocupação é que nenhuma das soluções apresentadas resolve o problema no longo prazo, já que não se investe há décadas para ampliar a oferta global da commodity.
“Como estamos em ano final de mandato presidencial, não dá para esperar que algo grandioso ocorra. Quanto mais pressionado o setor de energia estiver, mais acalorado vai ser o debate”, ressalta Kitahara, que, no entanto, diz não ser pessimista com o Brasil. O país, afirma, é um grande exportador de commodities, tem crescido mais do que se esperava e tem um ciclo de aperto monetário já perto do fim.
As alocações de várias casas, porém, já são afetadas pelo aumento das incertezas no cenário.
Dreux, da Truxt, afirma que a gestora reduziu recentemente a posição “tomada” [que aposta na alta das taxas] em juros brasileiros, mas ressalta que o viés ainda é de juros para cima. “A curva embute pouco prêmio”, afirma a gestora. Ela diz, ainda, que há um viés negativo em relação ao real e afirma que pode montar posição contra a moeda brasileira quando a eleição se aproximar um pouco mais.
Apesar de ser neutro em relação ao câmbio, Giacomelli, do Deutsche, afirma que o balanço de riscos é negativo no momento. Ele argumenta que moeda e bolsa são mais sensíveis a crescimento, o que inviabiliza a alocação no curto prazo. Nos juros, por outro lado, vê margem para entrada cautelosa.
Fernandes, da XP Asset, diz ter posições pequenas compradas em dólar contra o real. Ele nota que houve uma reprecificação na curva de juros americana para um cenário mais agressivo de aperto pelo Fed nos próximos meses, o que configura um ambiente difícil para apreciação do real. “Se antes nós achávamos que o dólar poderia ir para R$ 4,50, R$ 4,60 porque trabalhávamos com uma política monetária americana mais suave, agora essa queda potencial do dólar diminuiu muito.”
Mollica, da Opportunity Total, afirma que, após um ano de posição estrutural “tomada” em juros globais, o fundo recentemente ficou liquidamente “aplicado” [apostando na queda das taxas] recentemente. Ele reforça que as posições ainda são pequenas e há apostas nesse sentido até no Brasil.
“Com o Banco Central parando de subir juros e a inflação fazendo pico, o mercado pode tirar um pouco de prêmio da curva. As dificuldades são a eleição e o cenário fiscal, e não temos visibilidade sobre isso ainda. Por isso, o Brasil não é a aposta favorita. Há outros países avançados no ciclo de aperto monetário que não têm risco eleitoral”, diz Mollica, ao citar mercados do Leste Europeu. Já no dólar e na bolsa a casa não tem posições.
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