Ser trans me fez perceber o quão importante é a independência financeira

Buscar educação financeira foi essencial para que eu pudesse ser dona do meu próprio nariz e cuidar do que importa para mim

Devagar e sempre vai sendo quebrado o tabu de falar sobre dinheiro no Brasil. Aos poucos, os brasileiros vão se conscientizando a respeito da importância da educação financeira, buscando aprender o que é independência financeira e como se planejar, poupar e investir para chegar lá. A ter Inteligência Financeira.

Na minha vida, essa preocupação surgiu de uma maneira mais rudimentar, por volta dos 15 anos, quando eu não fazia a menor ideia do que poderia ser taxa Selic. Isso porque, mesmo tão nova, eu já sabia que era diferente dos meus amigos em outro aspecto.

Naquela época, eu já tinha entendido que minha orientação sexual era voltada aos homens e morria de medo que alguém descobrisse. Mal sabia a barra que viria pela frente quando a ficha do que de fato eu sentia caísse: a minha identidade é feminina. Eu sou uma mulher trans.

Você pode estar se perguntando o que educação financeira tem a ver com as lutas da população LGBTQIA+. E eu te respondo que essas duas coisas estão muito mais conectadas do que você pode imaginar.

A jovem Lívia ainda respondia por outro nome quando entendeu que só poderia ser verdadeiramente livre para ser como era quando fosse capaz de pagar as próprias contas.

Não por não ter apoio de família e amigos, o que graças a Deus tenho e me coloca numa posição privilegiada. Mas sim por sentir que eu, de fato, sou dona do meu próprio nariz e tenho as condições de tomar as decisões que me importam mais.

O que é independência financeira para mim?

O fato de me preocupar com as minhas finanças não me isentou de tomar várias decisões erradas nessa seara. De taxas que eu paguei sem ter precisado, a não entender o tamanho do problema que poderia ser não pagar integralmente a fatura do cartão de crédito.

Olhando para trás, gostaria que eu soubesse as coisas que sei hoje sobre o mundo das finanças. Acredito que isso teria me poupado muitas dores de cabeça e noites mal dormidas.

Mas também sei que nem todas as escolhas financeiras que eu tomei foram à toa ou seriam evitáveis.
Vivendo no país que há 14 anos é o que mais mata travestis e transexuais*, eu me vejo compelida a pedir um carro por aplicativo, em uma noite que talvez não precisasse, pelo medo de caminhar sozinha a pé.

Ou pagar um aluguel mais caro para morar em um apartamento que seja menor, mas fique em uma região mais segura e amigável.

Hoje, me organizando melhor financeiramente, consigo me planejar para saber onde poupar e assim poder custear, por exemplo, atendimentos médicos especializados, que na minha realidade se fazem necessários.

Vontade de gritar aos quatro cantos

Essa ponderação não me impede de concordar que o Estado e os políticos precisam ser cobrados para oferecerem os serviços que são direitos de todos. Nem de reconhecer que eu, enquanto uma mulher branca, com ensino superior e emprego fixo, falo de uma perspectiva privilegiada, ainda que seja uma pessoa trans.

Pelo contrário, quanto mais converso com fontes para escrever textos sobre finanças, mais eu gostaria do fundo do coração que todos estivessem ouvindo as explicações dos especialistas junto comigo. Especialmente os LGBTQIA+, as mulheres vítimas de violência, as pessoas negras.

Tenho vontade de gritar aos quatro cantos para dividir o pouco que descobri. E, assim, mostrar que as pessoas podem economizar aquela taxa que vai fazer toda a diferença no final do mês, negociar melhor aquele contrato, fazer um bom investimento e permitir que sonhos se realizem.

Seja esse sonho uma casa própria, uma formação ou uma festança de casamento, que há apenas 10 anos casais homoafetivos podem legalmente realizar no Brasil. A escolha é – e tem que ser – sua.

Autonomia, liberdade e independência

No saldo final, buscar conhecer um pouco mais sobre finanças não mudou os aspectos desafiadores da minha realidade. Como citei acima, continuo tendo que lidar com situações que não são as mais legais do mundo.

No entanto, vejo que é um caminho poderoso para ser mais livre, mais independente e ter mais autonomia.

Não se trata de passar uma receita de bolo do planejamento financeiro, com uma fórmula única que vai funcionar igual para todo mundo. Mas dar ferramentas para que cada um, com a sua individualidade, use o dinheiro a seu favor, por uma perspectiva melhor de futuro. Que assim seja.

*Fonte: Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra)