O que esperar do mercado financeiro no segundo semestre?

Economias resilientes e mercados em alta animam os investidores: apesar dos perigos, curto prazo traz baixos riscos de recessão

A essa altura, você já deve ter tido a oportunidade de ler uma infinidade de comentários e análises sobre a performance dos mercados no primeiro semestre do ano, certo? Mas, ainda assim, caso queira um texto mais leve e divertido, recomendo a leitura da carta mensal da família de fundos Carteira Itaú, com o sugestivo título Show do Intervalo. Diante disso, o que esperar do segundo semestre de 2023 no mercado financeiro?

A principal mensagem em relação aos mercados globais é a de que, apesar da goleada do time dos otimistas, algumas aparentes anomalias sugerem que a situação não está tão definida assim. Por exemplo, as taxas de juros reais estão nos níveis mais elevados desde a crise financeira.

O que normalmente estaria associado a uma performance fraca de ativos de maior duration, como ações de empresas cujos lucros estejam concentrados no futuro. E o que vemos é justamente o contrário.

Outra anomalia é a grande divergência entre os indicadores de atividade do setor de manufatura e os do setor de serviços. O indicador PMI de manufatura, tradicionalmente um dos principais indicadores antecedentes de atividade e lucros das empresas, vem afundando há meses, e, no entanto, a sensação é de uma economia forte.

Uma variável que chama atenção é a taxa de desemprego em níveis mínimos em praticamente todo o mundo: Estados Unidos, Europa, Reino Unido, e até mesmo em mercados emergentes como o Brasil.

Pensando nos mercados desenvolvidos, como é possível que o mercado de trabalho esteja tão aquecido após um aperto monetário nunca visto, com o FED elevando as taxas de juros em 500 pontos-base em 10 reuniões? 

Goldilocks

A narrativa mais otimista é a dominante no momento, e se baseia na ideia de que a economia americana será capaz de passar por esse período de taxas de juros mais elevadas sem maiores percalços. A inflação já mostra sinais de arrefecimento, e se direciona para o objetivo do FED em 2%. Pode demorar um pouco, mas chega lá, segundo essa visão otimista.

Enquanto isso, a atividade continua resiliente. O aperto monetário não vai se fazer sentir como se esperava em função de um ambiente de crédito saudável. Com as pessoas empregadas e percebendo ganhos reais de salário nesse momento em que a inflação está caindo, não há razão para se esperar que os lucros das empresas caiam ou que a economia entre em recessão.

Se no início do ano o debate era entre um cenário de hard landing ou de soft landing, a mudança de humor chega a ser impressionante. O cenário goldilocks (cachinhos dourados, em inglês – da fábula Goldilocks and the Three Bears), onde tudo dá certo apesar dos perigos, tem sido a realidade para a bolsa americana desde a crise de 2008.

O Preço do Tempo

O livro “The Price of Time”, de Edward Chancellor, fala sobre a história da taxa de juros, e aborda períodos que nos fazem pensar sobre o momento atual dos mercados, como a Crise de 29. Em uma das passagens (localizada na página 94, para quem já quiser ir direto ao tema), o autor traz uma troca de mensagens entre um banqueiro suíço e o famoso economista John Keynes às vésperas do crash.

O banqueiro disse que estava recomendando aos clientes se afastarem dos mercados. Enquanto Keynes pedia recomendações de ações europeias, seguro de que o FED não iria quebrar a economia. Segundo o autor, Keynes perdeu 80% do seu patrimônio meses depois.

O fato é que mercados financeiros e a economia real nem sempre andam em sintonia, e muitas vezes não falam a mesma língua. Embora a história não se repita, ela rima. Ações dos banqueiros centrais e dos policymakers para procurar estabilizar a economia não são exclusividades do século XXI.

Apostar na ajuda do FED é tão antigo quanto a existência do banco central americano. Mas, às vezes, a corda estica tanto que a autoridade monetária chega num limite e é preciso deixar os mercados voltarem à normalidade.

Crédito e liquidez

As grandes crises têm sua origem no mercado de crédito e na liquidez do sistema. A contração no crédito faz a roda parar, o que acaba por tirar a liquidez do sistema. Sem crédito, as empresas vão contrair seus gastos, cortar despesas, demitir pessoal, iniciando um ciclo vicioso, já que o aumento do desemprego reduz a demanda e reduz os lucros das próprias empresas.

De acordo com esse racional, já era para o aperto monetário ter causado seus efeitos na economia real. Será que dessa vez será diferente? Não deveria ser. Salvo se alguma outra alavanca esteja sustentando a atividade. E o que é bem diferente dessa vez é o tamanho do impulso fiscal.

Os déficits dos governos e os balanços dos bancos centrais estão em níveis inimagináveis. Se em 2018 alguém dissesse que estaríamos vendo esses níveis, ninguém acreditaria. Da mesma forma, é difícil acreditar que os governos possam não somente manter como aumentar o tamanho do buraco. Mas, como vimos, eles podem…

Leitura do mercado

O que os preços dos ativos estão nos dizendo é que o céu parece estar sem nuvens no momento. A economia está aquecida, o consumidor continua gastando, as taxas de juros elevadas ajudam os bancos e empresas com forte geração de caixa, a inflação cedeu, mas ainda está elevada, de maneira que ajuda o crescimento nominal dos lucros das empresas.

O crédito vem contraindo, mas ainda há muita liquidez no sistema. As pessoas ainda possuem poupança acumulada dos programas de apoio do governo. E os preços dos ativos elevados contribuem para o efeito riqueza e o sentimento otimista.

Minha visão é a de que teremos um grande problema, mas não agora, pelo menos não no horizonte dos próximos dois ou três meses. Infelizmente não há como prever quando teremos um enxugamento da liquidez dos mercados, ou se algum evento inesperado poderá desencadear uma crise. O que é importante é ter ciência dos riscos e de quais dominós estão a ponto de cair.

Dito isso, manter um baixo grau de risco parece ser prudente no momento, ainda mais com o CDI nesses patamares.