Antes podres, agora estressados: conheça os ativos derivados de dívidas

Dívida que não foi paga pode ser um bom negócio para investidores

O cenário econômico atual – isto é, juros altos, inflação ainda resistente, desemprego – provoca nervosismo nas pessoas e também no mercado financeiro. Sim, há ativos estressados, que podem ser também chamados de podres. A inadimplência, que cresceu principalmente por fatores ligados à pandemia, deu força a esse mercado.

O que são os ativos estressados?

Os ativos estressados são uma classe formada por dívidas de companhias que não puderam honrar os compromissos em razão das dificuldades financeiras. Ou seja, ele é estressado porque seu valor foi impactado negativamente por circunstâncias internas ou externas.

E, já que a inadimplência não tem endereço, esses ativos podem ser encontrados em todos os segmentos. Uma dívida que não foi paga pode virar uma moeda de troca e, quem sabe, um bom negócio para quem a leva.

Um exemplo bem básico: X pega um empréstimo de R$ 100 mil por três anos. Mas, três meses depois, X perde o emprego e para de pagar a dívida. Y fica muito preocupado e com uma batata quente nas mãos. Ele, então, tenta passar a dívida para alguém – mas por 10% do que ele teria ganhado, caso X tivesse honrado o compromisso. Entra em cena o W, que compra a dívida, esperando, lá na frente, receber bem mais pelo “investimento”.

“Ativos estressados é um nome ‘bonito’ para algo que também é conhecido como títulos podres ou problemáticos”, diz Lucas Eduardo Tereska, gerente de fundos da Manchester. “As dívidas do governo com questões judiciais também são negociadas. Há pessoas que veem um bom negócio nesses ativos. Um dia receberão, e com lucro”.

Por onde começar para investir em um ativo estressado

Tereska faz um alerta: para conseguir um bom negócio, o interessado deve conversar com um especialista em cada segmento.

Se os ativos estiverem ligados a imóveis, por exemplo, um profissional da área deve ser consultado.

Quais empresas oferecem ativos estressados?

Na verdade, os ativos estressados ou podres não são novidade. Uma empresa que está quebrando tem uma dívida, e ela ganha esse “apelido”.

“Companhias que estão em recuperação judicial têm pendências que viram créditos podres. E disso nasceu um mercado. O investidor consegue comprar esse título por um valor bem em conta, já que existe o alto de risco de ele virar um grande nada. É uma aposta”, detalha Pierre Oberson de Souza, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

Qual é o papel da CVM

A pessoa física geralmente não tem acesso a esse mercado. A própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM), segundo o professor, impôs algumas restrições para “proteger” o pequeno investidor.

Isso porque apenas quem conhece o mercado sabe avaliar o risco que terá pela frente ou tem acesso a uma análise de crédito sofisticada.

Startups se especializam em ativos podres

Mas a pessoa física tem mostrado grande interesse nesse tipo de ativo. “Há um movimento para abrir a possibilidade para os investidores profissionais, que têm mais de R$ 10 milhões em investimentos, terem acesso aos ativos estressados. Por isso estão surgindo startups especializadas nesse nicho”, detalha.

As gestoras também estão mergulhando nos ativos podres.

Tanto que é possível comprar uma carteira de pessoas físicas inadimplentes de um banco e fazer o processo de cobrança dos devedores.

Gestoras desenvolvem modelos matemáticos

Algumas gestoras conseguiram até criar um modelo matemático para saber quanto conseguiriam cobrar dos inadimplentes – ou seja, qual seria o valor que eles conseguiriam pagar. E receberam diversos créditos. As assets já estão usando até mesmo inteligência artificial para saber qual ativo estressado pode virar algo rentável.

“A expectativa é de que, com as informações sendo cada vez mais propagadas, as pessoas físicas tenham acesso a esse mercado num curto espaço de tempo”, diz Oberson de Souza.

Ativos podres e o setor imobiliário

Os imóveis podem ser um bom exemplo para ilustrar esse mercado de estressados. Algumas startups, como a Solv, unidade de negócios da Incorporadora Viver, enxergam a possibilidade de bons negócios na recuperação de ativos residenciais podres no Brasil.

A empresa, em 2021, mapeou duas mil obras de edifícios paradas pelo país. Segundo Ricardo Piccinini, presidente da Incorporadora Viver/Solv, o mercado nacional de ativos estressados ainda é pouco explorado. “Muitas vezes ocorrem desencaixes do fluxo financeiro de uma obra, seja pela falta de planejamento de longo prazo e gestão financeira do empreendedor, ou pela falta de gestão operacional e comercial. Isso gera uma futura inadimplência dos clientes e gastos maiores nos custos relacionados à obra”, explica.

Parte da ideia que fez nascer o negócio veio da busca pelo entendimento sobre como mercados mais maduros se comportavam. E foram descobertas várias empresas criadas nos Estados Unidos e na Europa, na pós-crise do subprime, de 2008, para “justamente atuar no nicho de recuperação de créditos imobiliários residenciais. Essas empresas hoje valem bilhões de dólares e euros”.

A Solv tem atuação prioritária no Sudeste, mas registra mais de 2,8 mil unidades entregues em todo o país. “Quem investe nesse setor faz um diagnóstico do imóvel e aposta na continuidade da obra e comercialização do empreendimento. É preciso, no meio do caminho, adequar o projeto à realidade atual do mercado”, detalha Piccinini.