Crise no Corinthians: desequilíbrio financeiro coloca time em risco; dívida pode ser resolvida

Crise no Corinthians: relatório detalha situação financeira do clube, que tem a maior dívida do país; situação é reversível, dizem analistas

A crise no Corinthians passa pelo excesso de gastos em diferentes linhas, aponta relatório. E, nesse sentido, o clube tem hoje uma das maiores folhas salariais do país. O time mais popular de São Paulo gastou R$ 309 milhões com pessoal em 2023, quarto maior gasto entre os clubes.

A nova gestão do Corinthians disse, no começo do ano, que a folha salarial só do futebol era próxima de R$ 22 milhões por mês. A ideia era manter gastos, mas melhorar desempenho.

Seis meses depois, o Corinthians têm desempenho esportivo pior que o do ano passado.

Dessa forma, foi eliminado na primeira fase do Paulista e ocupa a zona de rebaixamento do Brasileiro.

Por outro lado, segue gastando mais que times que tiveram desempenho melhor em anos anteriores, como Fluminense (campeão da Libertadores de 2023) e Athletico do Paraná (campeão da Sul-Americana de 2021).

Metade das despesas do Corinthians é com pessoal

Com isso, o Corinthians teve, em 2023, gastos com jogadores e equipe abaixo apenas dos principais destaques dos últimos anos em relação a títulos de expressão: Palmeiras, Flamengo e São Paulo.

Os dados são do relatório Convocados, da Galápagos.

O relatório Convocados da Galápagos, divulgado este mês, aponta que há “desequilíbrio” no Corinthians no que diz respeito ao percentual de despesas. Pessoal (basicamente, jogadores e equipe técnica) ocupam 50% do orçamento, enquanto a outra metade está relacionada a outro gastos.

Apesar dos gastos altos com salários e outras remunerações, o grande problema parece ser em “outros gastos”.

Nesse quesito, o Corinthians está bem acima das demais agremiações, inclusive as menos eficientes.

Assim, o Santos, que foi rebaixado no Campeonato Brasileiro, era o segundo com a maior participação de “outros gastos”: 44% das despesas totais relacionadas a essa rubrica.

Redução de gastos com pessoal em 2023

No lado das despesas, o Corinthians havia conseguido um avanço importante no ano passado. O clube diminuiu suas despesas com pessoal de R$ 331 milhões para R$ 309 milhões.

Assim, dos clubes que jogaram a Série A em 2023, apenas outros três conseguiram reduzir suas despesas nessa rubrica: Atlético-MG, Internacional e Athletico do Paraná.

“Nenhum dos clubes que operou com valores abaixo de 2022 foi rebaixado. Gastar mais não é gastar melhor”, ressalta o relatório da Galápagos.   

Dívida aumenta em 2024

No começo de 2024, a promessa da diretoria corintiana era de aumentar o desempenho esportivo, mantendo a folha salarial na casa dos R$ 22 milhões. A primeira parte ainda não foi cumprida. O desempenho esportivo do clube foi pior do que no ano passado no primeiro semestre.

Por outro lado, a prévia dos resultados financeiros do clube apontou que a dívida total aumentou, chegando a R$ 2,1 bilhões. Números confirmados pelo presidente Augusto Melo em entrevista coletiva em junho.

Os números apontam que o aumento está relacionado principalmente a aquisição de jogadores.

O Corinthians não renovou o contrato ou vendeu mais de um time inteiro ao final da última temporada. Assim, teve que ir ao mercado e contratou mais uma dezena de jogadores.

O Corinthians avalia que as novas despesas eram necessárias para a renovação do elenco. Além disso, confia que está mudando o perfil dos gastos, com dívidas de longo prazo, tendo em vista que as contratações foram parceladas.

Tanto a gestão financeira do ano passado quanto a de 2024 afirmavam que a grande dificuldade do Corinthians está no perfil da dívida. Dos mais de R$ 1 bilhão relacionados apenas à gestão do clube (sem envolver a Arena), entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões são dívidas de curto prazo.

Melhora do desempenho esportivo era esperança para superar crise no Corinthians

Antes de assumir como diretor financeiro do Corinthians no início de 2024, Rozallah Santoro, ex-CEO da XP Internacional e sócio-fundador da UPON Global Capital, disse que a estratégia era manter os gastos com folha salarial, mas aumentar o custo-benefício.

Na visão dele, as premiações oferecidas por boas colocações e títulos se tornaram, nos últimos anos, uma linha importante do resultado financeiro dos clubes. E sem investimento o Corinthians não teria como disputar títulos.

Contudo, Cesar Grafietti, economista, especialista em gestão e finanças do esporte e colunista na Inteligência Financeira, diz que o impacto financeiro das premiações ainda é lateral com relação às receitas totais dos clubes. E contar com esse tipo de receita é arriscado.

“A performance representa 10% das receitas totais. Não justifica gastar muito antecipadamente, e correr o risco de não reverter em resultado esportivo. E mesmo quem teve performance, como São Paulo e Fluminense, não resolveram seus problemas, ao contrário: aumentaram as dívidas”, diz Grafietti.

O economista cita os clubes que foram campeões da Copa do Brasil e da Libertadores, respectivamente, em 2023.

Paulinho, um dos jogadores mais importantes da história recente do Corinthians, anunciou saída do clube em maio de 2024. Foto: Divulgação/Corinthians

Como pagar as dívidas?

Então, Cesar Grafietti diz que “a dívida do Corinthians é pagável”. Mas não sem esforços.

“Se pegarmos 20% das receitas para pagar as dívidas, o clube levaria pouco mais de dez anos. Mas isso forçaria o clube a cortar custos para não ter problemas”, diz Grafietti.

Como um dos principais fatores de recuperação, o Corinthians têm a sua torcida. O clube está, junto com Palmeiras e Flamengo, entre o que lideram em termos de ocupação de seus estádios e maiores tíquetes médios, segundo o relatório da Galápagos.

Além disso, o Corinthians ficou com o terceiro lugar entre as maiores bilheterias de 2023, com público médio de 38.393, abaixo apenas de São Paulo (43,8 mil) e Flamengo (54,5 mil).

Contudo, o Corinthians não tem conseguido usar o que fatura com seu estádio para aumentar investimento. Isso porque o clube direciona o que arrecada com a Neo Química Arena para pagamento do próprio estádio.

Segundo a Galápagos, a dívida total do estádio estava em R$ 703 milhões ao final de 2023, maior do que em 2022. Esse aumento está relacionado ao atraso no pagamento e incremento de juros relacionados a renegociações.

Instrumentos financeiros e nova gestão podem ser solução

Por outro lado, existe a possibilidade de o clube contar com a força da sua torcida para aliviar um dos principais dramas do clube hoje, a dívida do estádio. Pedro Trengrouse, coordenador Acadêmico do Programa Executivo FGV/FIFA/CIES em Gestão de Esportes, destaca o Fundo Imobiliário da Arena como um das saídas.

“Ele está pronto para que o clube possa acessar o mercado de capitais e mobilizar a economia popular”, diz Trengrouse.

O professor da FGV também acredita que o clube pode vir a abrir capital com sucesso, caso haja uma estruturação bem realizada. “Com o tamanho da torcida e o seu potencial de investimento, o Corinthians tem tudo para fazer um belo IPO (abertura de capital na bolsa).”

Já Grafietti aponta a SAF como principal solução para resolver situações como a do Corinthians. “Ela pode adicionar algumas condições importantes, como dinheiro para reduzir dívidas, tempo para planejamento, e possivelmente profissionais qualificados em mais áreas”, diz.

Ele avalia que a gestão pelos moldes tradicionais, de clube associativo sem fins lucrativos, está excessivamente exposta ao amadorismo.

“Para um Rozallah, profissional qualificado, há muitos que não deveriam gerir um clube”, disse Grafietti ainda antes do ex-diretor de futebol do Corinthians se afastar do cargo, em junho, após a explosão do caso Vai de Bet e o rompimento do principal contrato de patrocínio do futebol brasileiro.