Em vídeo, Bolsonaro pede aos seus apoiadores para que desobstruam rodovias

Bolsonaro publica vídeo em que pede para apoiadores desobstruírem rodovias

Em meio a alertas de setores produtivos sobre o risco de início de desabastecimento de alguns produtos devido aos bloqueios nas estradas do país, o presidente Jair Bolsonaro (PL) pediu nesta quarta-feira (2) para seus apoiadores liberarem as rodovias. Foi a primeira vez que Bolsonaro defendeu o fim das manifestações antidemocráticas que ocupam estradas.

Caminhoneiros e outros apoiadores de Bolsonaro têm, desde então, obstruído rodovias como forma de protestar contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições presidências. Manifestantes pedem a quebra da ordem legal defendendo a imposição de algum tipo de intervenção que impeça a posse do petista em janeiro. Os bloqueios mobilizaram a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as Polícias Militares (PMs) nos Estados, que têm agido para liberar as pistas.

“Brasileiros que estão protestando por todo o Brasil. Sei que vocês estão chateados, estão tristes, esperavam outra coisa. Eu também estou tão chateado, tão triste quanto vocês. Mas nós temos que ter a cabeça no lugar”, disse o presidente em vídeo gravado no Palácio da Alvorada e veiculado em suas redes sociais. “Os protestos, as manifestações são muito bem-vindas. Fazem parte do jogo democrático”, diz o presidente.

“Agora, o fechamento de rodovias pelo Brasil prejudica o direito de ir e vir das pessoas, está na nossa Constituição.” Antes da divulgação do vídeo, Bolsonaro havia recebido o ministro Paulo Guedes (Economia) e o advogado-geral da União, Bruno Bianco, na residência oficial.

“Sei que a economia tem sua importância. Talvez você esteja dando mais importância a outras coisas agora. É legítimo”, diz o presidente no vídeo. “Mas eu quero fazer um apelo a você. Desobstrua as rodovias. Isso daí não faz parte, no meu entender, dessas manifestações legítimas. Não vamos perder, nós aqui, essa nossa legitimidade.”

Manifestações desfeitas

Nesta quarta-feira, durante o dia, o número de trechos de rodovias pelo país bloqueados já havia diminuído um pouco. Na terça, mais de 250 pontos de estradas pelo país tinham caminhões estacionados proibindo ou dificultando o trânsito de outros veículos. Nesta quarta, em um boletim das 16h30, a PRF informou que o número de manifestações em rodovias federais havia caído para 145, em 16 Estados. Essas ocorrências envolviam bloqueios totais ou parciais das estradas. A PRF informou também que 688 manifestações nas estradas foram desfeitas desde domingo, quando começaram os atos.

Em São Paulo, uma das principais rodovias do Estado, a Castello Branco foi liberada por policiais. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado, além de desobstruir a rodovia, a polícia aplicou 277 multas de R$ 100 mil.

Mas mesmo com a diminuição no número de bloqueios, o tráfego continuava afetado em muitas estradas. Ao longo do dia, diante da incerteza em relação à duração dos atos, a indústria de alimentos começou a desenhar um cenário grave de desorganização da cadeia.

Produtores em estado de alerta

Um executivo do setor de proteína animal que pediu para não ter seu nome citado afirmou nesta quarta-feira ao Valor que a partir desta quinta-feira, se a situação nas estradas não se normalizar, um alerta vermelho vai se acender entre produtores de aves e suínos.

O primeiro risco é o de falta de ração. Sem ração, os animais começam a se canibalizar e para evitar isso, produtores precisariam recorrer a abates sanitários, o que criaria outro problema: onde enterrar uma quantidade que, em algumas propriedades, poderia ser significativa de suínos e aves.

Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina são os principais polos de produção e exportação de carne suína e de frango.

Outro risco é o de dificuldade de escoamento de carne em direção a portos ou a centro de distribuição dos mercados. Sem o escoamento num ritmo apropriado, as câmaras de congelamento dos frigoríficos podem ficar sem espaço para receber novas cargas. Sem a desobstrução das estradas, o risco é que a desorganização da cadeia leve a uma situação de desabastecimento. “Não dá para ficarmos até o fim de semana com as estradas assim”, disse o executivo.

“Os bloqueios nas estradas comprometem severamente o acesso das Indústrias das matérias-primas e insumos e essenciais à produção e impedem a distribuição de todos os tipos de alimentos inclusive leite em pó e fórmulas infantis”, afirmou nesta quarta por meio de nota a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), que reúne, entre outros, gigantes como ADM, Ambev, Arcor, BRF, Bunge, Camil, Heinz, Seara, e Vigor. De acordo com um balanço citado pela entidade, mais de 30 linhas de produção estavam paradas nesta quarta.

“Se os bloqueios forem mantidos, a partir de amanhã (hoje) há risco de descarte de, no mínimo, 500 mil litros de leite por dia pelos principais fornecedores de apenas uma indústria associada — além da perda de milhares de produtos acabados.”

Risco de desabastecimento

Na terça-feira a Confederação Nacional da Indústria (CNI) havia feito um alerta para o que chamou de “iminente risco de desabastecimento e falta de combustíveis” e disse que as indústrias já sentiam impactos no “escoamento da produção” e falavam em “impossibilidade de deslocamento dos trabalhadores”, disse a confederação.

No lado do varejo, a Associação Brasileira de supermercados (Abras) chamou atenção para o risco de que as interdições nas estradas provoquem dificuldades de abastecimento principalmente de mercados menores em regiões mais periféricas.

Outro setor ameaçado pelos bloqueios é o farmacêutico. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou nesta quarta que monitorava possíveis desabastecimentos de suprimentos de saúde causados pelos bloqueios nas rodovias. Em ofício enviado ao Ministério da Saúde, a agência informou que “já preocupa o risco de desabastecimento, passível de gerar impactos na cadeia de suprimentos de saúde, caso não se efetive um pronto reestabelecimento do transporte”.

O documento foi assinado pelo diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, e foi endereçado ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

No boletim divulgado pela Polícia Rodoviária Federal o Mato Grosso era o Estado com maior número de interdições, 31 ao todo. Santa Catarina registrava 14 interdições e 20 bloqueios. No Pará, 13 interdições.

Em São Paulo, eram 2 interdições e em Minas, 7. No Estado do Rio de Janeiro a PRF informou que não havia nenhuma ocorrência desse tipo.

‘Não são os caminhoneiros que estão fazendo esses atos’, diz Chorão

Ainda por conta dos bloqueios nas estradas, a indústria automobilística também enfrentou dificuldades. Em Porto Real (RJ), onde se localiza o polo automotivo da Peugeot Citröen — do grupo Stellantis — a operação foi comprometida porque os funcionários não conseguiram chegar à fábrica. A entrega de peças também foi prejudicada.

Foi esse o quadro na segunda e na terça-feira. Nesta quarta-feira não houve produção por conta do feriado de Finados. De acordo com a assessoria da Stellantis, há uma expectativa de que a situação se normalize a partir desta quinta-feira.

Nesta quarta-feira, o caminhoneiro Wallace Landim, o Chorão, um dos líderes das paralisações de 2018, disse haver apenas uma “parcela muito pequena” da categoria que aderiu aos protestos contra o resultado das urnas. “Está parado ali porque está sendo obrigado. Não são os caminhoneiros que estão fazendo esses atos.”

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