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Análise: Incertezas sobre o voto secreto na eleição para o comando do Congresso
A eleição das presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal será fundamental para definir o que será feito em resposta aos grandes problemas que assolam o nosso país. Não é condizente com a importância dessa escolha o grau de incerteza que existe acerca da modalidade de votação – se secreta ou ostensiva – que deve ser utilizado nessa decisão. Esse problema se manifestou explicitamente nas eleições de 2019, mas, quatro anos depois, persiste.
Neste artigo, discutimos o que ocorreu quando esse problema se manifestou pela primeira vez e como ele pode vir a ser resolvido nesta quarta-feira (1º), quando será eleito o novo presidente do Senado. Como a normatização regimental das duas casas legislativas é semelhante, a discussão que apresentarei também é aplicável à Câmara.
A publicidade na eleição de 2019
Em 2019, a eleição da presidência do Senado teve roteiro inédito. Parlamentares apresentaram questão de ordem argumentando que a Constituição obrigaria o Legislativo a adotar voto aberto em todas as hipóteses em que não houvesse previsão constitucional de votação secreta, como é o caso da eleição de Mesa Diretora (art. 57, § 4º).
A defesa do voto aberto teve um objetivo: a adoção de procedimento que aumentasse as chances de se obter determinado resultado. A proposta buscava constranger senadores a não votar em Renan Calheiros (MDB-AL). O voto aberto permitiria que a opinião pública pesasse na escolha dos senadores.
Posta à votação, por 50 votos a 2, o plenário do Senado acolheu a questão de ordem e seguiria com votação aberta. Muitos dos oponentes da proposta iniciaram então um grande esforço para obstruir a sessão e tentar obter um acordo para que o voto secreto fosse utilizado. Eventualmente, conseguiram a suspensão da sessão, que seria retomada no dia seguinte.
De madrugada, o STF, por meio de decisão monocrática do ministro Dias Toffoli, então presidente da corte, anulou a decisão tomada pelo plenário. Em sede da SS 5272, Toffoli entendeu que a decisão acerca da publicidade do voto caberia ao Parlamento – a Constituição não obrigaria o voto aberto. No entanto, a maneira como o Senado decidiu pelo voto aberto nesse caso teria sido inconstitucional. O regimento estabelece o voto secreto e esse só poderia ser alterado em sessões deliberativas, isto é, após a eleição da Mesa Diretora. O voto secreto, então, é que deveria ser aplicado.
Retomada a sessão no Senado, tendo recebido essa decisão, alguns parlamentares a criticaram, mas todos a aceitaram e a eleição ocorreu por meio de voto secreto.
A publicidade na eleição de 2023
Nas eleições ocorridas em 2021, o questionamento sobre a modalidade de votação não se repetiu e, entre 2019 e 2023, não houve alteração na Constituição ou nos Regimentos Internos pertinentes a esse tema. O que então pode ocorrer caso uma nova questão de ordem seja apresentada?
Neste ano, novamente, a defesa do voto aberto serve a um interesse estratégico: impedir a traição de políticos de partidos que formalmente apoiam a candidatura de Rogério Marinho (PL-RN). Sem o sigilo, será possível identificar e punir quem se distanciar do posicionamento definido pelos líderes partidários.
Internamente, a busca por esse objetivo não é claramente beneficiada pelo precedente de 2019, já que a decisão da questão de ordem anterior não é vinculante (RISF, art. 406). A questão de ordem poderia novamente ir à votação e é difícil prever o seu resultado, já que a composição política do Senado mudou significativamente. Além de novos senadores, temos exemplos como o de Renan Calheiros e Davi Alcolumbre (União-AP), adversários na eleição de 2019 que agora estão juntos em apoio à reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Esse grupo político tende a se beneficiar de eventuais traições dos partidos que apoiam Marinho, o que os incentiva a defender o voto secreto.
Para que a interferência do STF ocorra novamente, seria necessário obstrução semelhante à que ocorreu em 2019. Isso tende a ser bastante difícil de acontecer, já que oponentes da proposta poderão se antecipar a essa possibilidade com maior facilidade. De qualquer forma, ao decidir o tema, há um novo contexto a ser levado em consideração no que toca o STF: o ministro Dias Toffoli não é mais presidente da corte, e o plenário virtual mudou.
Se o caso vier a ser decidido liminarmente, seria decidido pela atual presidente, Rosa Weber. Na ADPF 378, última manifestação da ministra sobre o uso de voto secreto pelo Parlamento, ela defendeu que os únicos casos em que seria aceita a votação secreta seriam aqueles em que a Constituição traz essa definição explicitamente. Nesse sentido, a ministra poderia, assim como Toffoli, mas com fundamentos distintos, anular decisão do Parlamento em favor de votação aberta.
Outra possibilidade seria a de decisão vinda do plenário virtual, que agora funciona permanentemente durante o recesso – o que não ocorria em 2019. É difícil prever qual seria o resultado da totalidade da corte. A maioria dos votos em casos anteriores não trataram de maneira tão explícita do tema quanto Rosa Weber tratou. Recentemente, no julgamento da ADI 1057, por exemplo, o STF julgou constitucional o uso de votação aberta no caso de eleição indireta para governador, com 10 ministros aderindo à tese de que haveria uma regra geral de publicidade. Entretanto, não foi declarada a completa impossibilidade de o Legislativo instituir votações secretas nesse ou em outros casos.
Objetivamente, ou a modalidade de votação será definida pela maioria do Senado – cuja predileção não sabemos qual é –, ou pela ministra Rosa Weber – que tende a tornar a votação secreta –, ou pelo plenário do STF – cujo entendimento nós também não conhecemos. O precedente de 2019, em vez de ter sido utilizado como uma oportunidade para resolver o problema, de pouco serviu, já que resultou apenas em questão de ordem e decisão monocrática não vinculantes. Veremos se, retomada a discussão em 2023, isso irá se repetir.
Em uma democracia, essa insegurança quanto a procedimento fundamental pode trazer consequências perigosíssimas não só para as políticas do governo, mas também para a continuidade do Estado de Direito. Entre os outros casos em que a Constituição é silente e o regimento estabelece voto secreto, temos, por exemplo, a suspensão de imunidades parlamentares durante estado de sítio. Frente à minuta sobre estado de defesa encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, é conveniente trabalhar para afastar interpretações casuísticas em prol de decisões baseadas em como queremos desenhar a nossa democracia, não com base em qual será o próximo assunto votado.
(Por Bruno da Cunha de Oliveira, mestrando na FGV Direito SP, especial para o JOTA)
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