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Análise: Depois de 2022, podemos confiar nas pesquisas novamente?
O resultado da apuração das urnas no último domingo (2) mostra que as empresas de pesquisa precisam se reinventar. A divergência dos resultados, sobretudo estaduais, evidencia uma enorme dificuldade em capturar o real sentimento do eleitor.
As consultorias de opinião pública costumam soletrar um mantra: os números aferidos são sempre uma fotografia do momento, não são prognósticos. É como se sempre estivéssemos olhando a eleição pelo retrovisor. Essa precaução existe desde o surgimento da própria indústria de pesquisas, quando alguns prognósticos foram muito ruins, como para a eleição presidencial americana de 1948.
No conjunto da eleição, os acertos foram maiores do que os erros, mas em alguns estados elas falharam, e falharam feio. O choque de realidade foi mais surpreendente ainda em estados como São Paulo, tanto pela inversão da posição dos líderes quanto pelo nível de apoio obtido nas urnas.
É muito provável que a subestimação de apoio a Jair Bolsonaro e expoentes do bolsonarismo no estado levou muitos institutos de pesquisa a subestimar o voto no presidente, inclusive nacionalmente, uma vez que São Paulo representa 22% do eleitorado do país. Devido também a essa importância, o estado recebeu o maior número de pesquisas eleitorais registradas sobre a corrida eleitoral estadual: 54 levantamentos.
A vitória maiúscula do ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), que vai para o 2º turno com sete pontos de vantagem sobre Fernando Haddad (PT), cenário descrito como improvável na maioria das pesquisas divulgadas até a véspera da eleição, acende um sinal vermelho nos principais institutos de pesquisa do país, especialmente aqueles que insistem em pesquisas presenciais como o único padrão-ouro.
O Datafolha divulgado no sábado à noite no principal canal de televisão do país e estampado em muitos sites e jornais do país projetava Haddad com 39%, e Tarcísio com 31%. Na pesquisa do Ipec (ex-Ibope), também divulgada na véspera, Haddad teria 41% e Tarcísio 31%. Na Quaest, o cenário aparecia mais apertado: Haddad 36% x Tarcísio 34%.
A situação não foi diferente na disputa para o Senado – desta vez, sem o complicador de ter que votar em dois nomes. O Ipec e o Datafolha apontavam na véspera a vitória de Márcio França (PSB) sobre o ex-ministro Marcos Pontes (PL). Na Quaest, o resultado estava indefinido. Segundo o Ipec, França teria 43% contra 31% de Pontes. Já no Datafolha a vantagem de França era ainda maior: 45% a 31%. A Quaest capturou uma disputa mais acirrada, projetando França e Pontes empatados com 39%. Ainda assim, nada próximo ao resultado das urnas: 49,7% para Pontes e 36,3% para França. Uma diferença de 13,5 pontos percentuais.
À pergunta “podemos confiar nas pesquisas novamente?” depois do que aconteceu no domingo, a resposta é um enfático sim. Mas a própria indústria de pesquisas precisa criar e cultivar uma cultura de ciência, inovação e transparência para manter boas práticas, dar mais evidência para as melhores empresas e manter algumas empresas mal intencionadas responsivas pelas pesquisas que produzem e divulgam.
Por outro lado, jornalistas e consumidores de pesquisas precisam internalizar que as pesquisas são levantamentos de opinião pública baseados em métodos científicos válidos, sim, mas não são instrumentos precisamente cirúrgicos.
Uma ou duas pesquisas ruins não fazem as centenas de outras pesquisas menos úteis. Assim, os leitores de pesquisas precisam estar vigilantes para separar o que é bom do que é ruim para encontrar o ângulo certo.
Paradoxalmente, o enorme volume e atenção da mídia dada para as pesquisas eleitorais neste ano podem ter deixado as pessoas confusas sobre o que são e como são realmente feitas as pesquisas eleitorais e para que elas servem em última análise.
(Por Daniel Marcelino, analista de dados do JOTA em Brasília, é especialista em métodos quantitativos, modelos de previsão e pesquisas de opinião)
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