Juros nos EUA: Pessimista, mercado projeta novo cenário-base

Recado do BC norte-americano foi claro e indica que autarquia quer combater inflação mesmo com recessão à vista

Os mercados acionários dos Estados Unidos levaram um duro golpe do banco central nesta quarta-feira (21). O aumento de 0,75 ponto percentual dos juros nos EUA já era esperado. Porém, os agentes não anteciparam a revisão de estimativas do Federal Reserve (BC dos EUA) para a economia norte-americana e um discurso duro de Jerome Powell, presidente do Fed. 

Depois das 15h, quando o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), do Federal Reserve, anunciou o aumento nas taxas de juros, o mercado levou algum tempo para decidir se as notícias eram boas ou ruins antes que finalmente os principais índices acionários dos EUA fechassem em queda

“Tentar entender o mercado no curtíssimo prazo é loucura”, disse William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue. O especialista aponta que as primeiras reações tiveram a influência de apostas, operações de robôs, traders e até um grau de aleatoriedade. 

Porém, no fechamento do dia, ficou claro que os investidores estão pessimistas com o recado do Federal Reserve. Em relatório, a autarquia mostrou a revisão de projeções de seus integrantes para o PIB: a expectativa é de crescimento de apenas 0,2% em 2022 e expansão de 1,2% em 2023. Depois da divulgação do relatório, Jerome Powell ainda disse que o mercado de trabalho deve desacelerar e sinalizou que o Fed vê riscos de recessão, mas o combate à inflação ainda é prioridade. 

O S&P 500 entrou na “Super Quarta” com uma desvalorização de mais de 8% no mês e 18% em 2022. Mesmo assim, investidores ainda optaram por vender ações e o índice fechou o dia em queda de 1,71%. 

“O aumento de juros prejudica a valorização de ativos de risco por afetar a decisão de consumo das pessoas – aumentando o custo de oportunidade para consumir ou poupar e elevando o custo de crédito – e elevar o custo de capital das empresas, fazendo com que o valor justo das companhias fique menor”, explica Michael Viriato, estrategista-chefe da Casa do Investidor

Novo cenário-base

Os investidores não reagiram com pessimismo aos anúncios de hoje à toa. As notícias mudam o que o mercado vinha precificando como cenário-base. Agora, a mediana das projeções dos integrantes do BC americano para a taxa de juros no fim de 2022 subiu para 4,375%, sugerindo altas de juros de mais 1,25 ponto percentual nas duas reuniões restantes do Fed neste ano.

“Em economia, escolhemos entre o ruim e o terrível. O soft landing (desaceleração sem recessão) vem sendo retirado da pauta do mercado e dando lugar ao hard landing, mesmo que com uma recessão suave”, afirma Castro Alves. 

O especialista conta que, agora, grande parte do mercado espera novo aumento de 0,75 p.p. em novembro, mais 0,5 p.p. na reunião de dezembro e fim das altas com aumento de 0,25 p.p. em fevereiro.

Foi olhando para o novo cenário-base que o mercado promoveu a primeira queda do S&P 500 após uma sessão em dia de anúncio do Fomc. Foi a quinta vez em 2022 que o Federal Reserve decidiu aumentar as taxas de juros nos Estados Unidos. Nas primeiras quatro, as Bolsas norte-americanas fecharam em alta, mostrando que o mercado já havia precificado as altas que estavam por vir. 

Quem ganha?

Em um cenário de “cobertor curto”, economistas não falam em setores beneficiados, mas em empresas que conseguem passar pela tempestade com mais tranquilidade, entregando lucratividade, mesmo que menor. Um desses setores é o de consumo básico, que conta com supermercados, farmácias, produtores de alimentos e fabricantes de itens de higiene. 

O setor de utilities e concessões públicas, que incluir provedoras de telefonia móvel, internet, água e luz, também tem um histórico de atravessar crises com mais facilidade. “As pessoas podem até diminuir a quantidade de streaming que assinam, mas continuarão pagando pelo fornecimento de internet”, diz Castro Alves. 

Quem perde? 

Por outro lado, a maior parte dos setores da economia norte-americana deve ser mais sensíveis ao impacto da alta de juros. Alguns se destacam negativamente, como empresas de tecnologia, que dependem de financiamento para crescer. “O fluxo de caixa delas está mais no futuro e isso diminui o valor presente desses fluxos com aumentos de juros”, esclarece Viriato. 

Empresas de consumo discricionário – vestuário, utilidades doméstica, lazer, hotéis e restaurantes – tendem a ser mais sensíveis aos juros. Isso porque elas precisam que as pessoas consumam para crescer e com o crédito mais caro, o consumo é desestimulado. 

Por fim, ainda é preciso ficar de olho no setor imobiliário. Afinal, é muito comum que as compras de imóveis sejam financiadas e os juros altos atrapalham as negociações.