O jogo a ser jogado pelo futebol feminino no Brasil

Afinal, porque Marta não tem o mesmo salário do que Neymar?

Na próxima semana terá início a Copa do Mundo de Futebol Feminino. A competição vai ganhando interesse dos torcedores, assim como a modalidade ganha novos fãs.

Porém, ainda é muito difícil compreender completamente qual é o público da modalidade. E se fosse apenas o público, seria menos complexo. Isso porque a verdade é que ainda é muito difícil compreender todo o ecossistema do futebol feminino.

Por que jogadores e jogadoras não têm o mesmo salário?

Por mais que tenhamos evoluído no desenvolvimento da modalidade, ainda estamos muito aquém do alcance do futebol masculino em termos de audiência, interesse e, consequentemente, dinheiro.

Além disso, sempre que temos eventos de grande porte como um Mundial, o tema desigualdade na remuneração entre homens e mulheres volta a ganhar destaque.

Pois bem, sinto informar, mesmo sabendo do risco, que não dá para comparar a remuneração de uma modalidade secular com outra que apenas nos últimos 10 anos, se muito, passou a ganhar maior destaque.

Diferente de atividades que não tem suas receitas associadas a quem as executa, no esporte a remuneração está diretamente associada aos praticantes.

Salários e premiações são reflexo de quanto os clubes faturam com venda de ingressos, patrocínios, diretos de transmissão.

Logo, um atleta de 2ª divisão do Maranhão ganha uma fração da remuneração de um atleta da Premier League, simplesmente porque as competições movimentam montantes completamente diferentes de dinheiro.

Dessa forma, um atleta de futebol masculino ganha muito mais que uma atleta de futebol feminino. E, diferente de uma jornalista, uma analista de crédito, uma CEO ou CFO, funções para as quais a remuneração independe de quanto cada um diretamente traz de dinheiro para o negócio, no futebol, ao jogar no Barcelona masculino ou feminino, no Corinthians masculino ou feminino, o volume de recursos envolvido é diferente.

Nesse sentido, não há lei que mude a realidade. Se a briga das atletas é para que a goleira do Flamengo receba o mesmo que o goleiro do Flamengo, então corremos o risco de o tiro sair pela culatra. E a batalha tem que ser por outras melhorias até que se reflitam em melhores remunerações.

Copas femininas dão dinheiro?

Todavia, a Copa do Mundo feminina anterior foi um grande sucesso de audiência. A competição realizada na França alcançou bons índices de audiência, alçou à condição de estrela a americana Megan Rapinoe, e torcemos muto pela nossa seleção.

Tudo bacana, mas a próxima Copa do Mundo, que será dividida entre Austrália e Nova Zelândia, foi um fracasso em termos de venda dos direitos de transmissão. Simplesmente porque a FIFA decidiu cobrar valores incompatíveis com a capacidade de monetização das retransmissoras mundo a fora.

Direitos da competição

Estima-se que os 5 maiores mercados europeus de futebol (Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália) tenham oferecido entre € 1 milhão e € 10 milhões pelos direitos da competição.

Porém, esses valores são baixíssimos quando comparados aos pagos pela competição masculina, que ficou entre € 100 e € 200 milhões. A justificativa foi a baixa audiência, e o baixo interesse dos patrocinadores.

A partir dessa informação, é fundamental entendermos quais são as batalhas que as atletas e o ecossistema do futebol feminino precisam lutar para que a modalidade tenha o impacto financeiro que se espera.

Como funcionam as transmissões

Por exemplo, as competições de clube são, geralmente, transmitidas apenas nos mercados internos, e raramente em direitos de transmissão negociados.

Por sua vez, os clubes não abrem e destacam em suas demonstrações financeiras quanto arrecadam e investem na modalidade. Então, sem saber isso fica difícil avaliar o tamanho do negócio.

Raramente as partidas têm ingressos pagos. Até hoje, mesmo depois do crescimento de interesse pela modalidade, não foi anunciado no Brasil um plano estratégico para que se pudesse entender onde estamos, aonde queremos chegar, e como faremos para isso. Naturalmente isso indicaria o potencial de crescimento da remuneração das atletas.

Por que existe futebol feminino?

Para muitos clubes o futebol feminino existe apenas porque é uma imposição da FIFA. Desta forma, vários times terceirizam a gestão e formação de atletas, e só aparecem quando o resultado é positivo.

Portanto, forçar situações de aumento de custos sem contrapartida de receitas apenas aumentará o desinteresse pelo investimento na modalidade.

A grande luta das atletas em busca de melhor remuneração é justamente exigir que haja um plano claro, objetivo, com metas possíveis, que angarie patrocinadores, permita conhecermos o público consumidor, que tenha dados econômico-financeiros transparentes.

Concluindo, Marta não vai ganhar o mesmo que o Neymar, porque os ambientes de negócios são diferentes.

Mas ela, e todas as atletas brasileiras de futebol feminino podem e devem iniciar um movimento para que a modalidade ganhe mais robustez.

Este é o jogo que precisa ser jogado, e tenho certeza de que muita gente está pronta para abraçar essa ideia.