Obra de arte, maconha, startups. Bem-vindo ao mundo dos investimentos alternativos

Flexibilização regulatória e inovações tecnológicas permitem acesso de pequeno investidor a um universo cada vez maior de produtos

Obras de arte, fundo de maconha, startup de teste vocacional. Esses e outros produtos são alguns dos investimentos alternativos. Isto é, investimentos até pouco restritos a um grupo seleto… Mas que têm chegado a um público mais amplo no Brasil, em movimento pavimentado por inovações tecnológicas e menores barreiras de entrada.

O movimento acompanha a busca crescente de pequenos investidores de varejo por diversificação além do mundo tradicional da poupança, dos títulos públicos, dos CDBs e ações. Afinal, estão de olho na prateleira das plataformas de investimentos que não para de crescer.

Em algumas, é possível encontrar fundos de urânio e canabidiol com aplicação inicial a partir de R$ 100.

Com a proliferação das corretoras que abrem conta de investimento no exterior de forma simplificada, os investidores têm tido acesso a um universo de ativos. Por exemplo, ETFs, cotas de fundos negociadas em bolsas, com temáticas que vão de e-sports até apostas.

O equity crowdfunding

Outro movimento ocorre por meio do equity crowdfunding, uma variação das vaquinhas online mais tradicionais. O equity crowdfunding é um sistema em que plataformas especializadas captam recursos de interessados em se tornarem sócios de startups. Além disso, têm horizonte de investimentos de três a cinco anos.

Uma das maiores plataforma do tipo, a Kria, já fez quase 100 rodadas de captação e tem cerca de 40 mil investidores. Por ela passaram startups depois compradas por BTG Pactual, Grupo Pão de Açúcar e QuintoAndar.

“Juntamos um público que inclui desde presidentes de grandes empresas a pequenos entusiastas da indústria de inovação”, disse Flavio Monteiro, sócio e chefe de venture capital da Kria.

A Eqseed, criada em 2016, também uma plataforma, capta com tíquetes a partir de R$ 2,5 mil. Aliás, já levou ao mercado startups que depois foram vendidas para o Bradesco e a corretora de investimentos Warren.

Entre os atuais projetos, está o de captar para uma startup de testes vocacionais para estudantes do ensino médio.

A meta da gestora é alcançar uma rentabilidade de 30% ao ano. Isto é, num desenho em que o investidor distribua seus investimentos sabendo que, estatisticamente, um terço não vinga. Mas outro terço vai talvez devolver o valor aplicado. Por outro lado, a última fração será um sucesso que compensará o risco corrido, explica Igor Monteiro, sócio e diretor da EqSeed.

Arte para todos

Uma das precursoras nos investimentos diferentões, a Hurst Capital é especializada no que chama de ativos reais, o que pode incluir produtos tão diferentes quanto imóveis, vinhos, precatórios e maquinário pesado. Seus cerca de 10 mil clientes compram até royalties musicais.

Há dois anos, a Hurst começou a usar a tecnologia de tokens para dar acesso a investidores de varejo com aplicações a partir de R$ 5 mil ao mercado de obras de arte.

Atualmente, a empresa tem duas operações em andamento de acervo composto por 8 obras das artistas brasileiras Judith Lauand e Jandyra Waters.

Os investimentos buscam uma rentabilidade anual entre 12% e 31% em um prazo estimado de 7 a 25 meses.

“O modelo permite que um pequeno investidor seja coproprietário de um acervo de obras, disponibilizado abaixo de seu valor de mercado e com potencial de valorização”, explica Ana Maria Carvalho, diretora de investimentos de obras de arte da Hurst.

Cuidado, informação e sangue frio

O setor, no entanto, tem enfileirado histórias de investidores traumatizados com perdas significativas em ativos de risco.

1. Mais juros, mais demissões em startups

Desde o ano passado, com o aumento dos juros no mundo inteiro em resposta a uma escalada inflacionária, o volume de capital de recursos fluindo para esses ativos caiu abruptamente, provocando grande desvalorização de negócios de alto crescimento.

Como consequência, startups têm demitido milhares. Algumas encerraram as atividades e todo o investimento foi perdido. Um risco a correr para quem ao mesmo tempo viu outras startups terem a avaliação inicial multiplicada por 10.

2. Desvalorizações dos fundos temáticos

Fundos temáticos também tiveram desvalorizações importantes. Num caso, o fundo Vitreo Cannabis Ativo FIM, que investe no cultivo legalizado da maconha, como para uso medicinal, acumula uma perda de cerca de 85% desde o final de 2019.

Para especialistas do setor, esses exemplos deram uma dura lição de que o espírito de aventura não é um bom conselheiro para o poupador que tem vontade de diversificar o patrimônio.

Esses produtos exigem, como qualquer outro ativo mais convencional, disciplina, planejamento e sobretudo a ciência dos riscos envolvidos.

3. Autorização da CVM

No caso de alternativos, também é importante conferir se o veículo que oferece o produto é autorizado pela CVM, como é o caso das instituições citadas nesta reportagem.

Todas contam com equipes de análise para selecionar ativos dentre centenas de oportunidades que recebem. Ainda assim, em geral uma em cada três apostas se revelam exitosas.

4. Carência

Além disso, por normalmente se tratar de ativos com menor liquidez e com horizonte mais longos, o investidor pode ter de enfrentar uma carência de anos para ter os recursos de volta.

“Por isso, nós miramos investidores que entendem que venture capital é um investimento de longo prazo”, disse Monteiro, da EqSeed, referindo-se ao horizonte dos projetos, de 3 a 5 anos.

Em alguns casos, as plataformas disponibilizam janelas, períodos em que o investidor pode resgatar recursos antes do prazo.

No caso do crowdfunding, a CVM autorizou recentemente que as plataformas criem uma espécie de mural, em que interessados em se desfazerem de um investimento podem anunciar a intenção e vender para um terceiro.

Aposta em retomada

Com a iminência de um ciclo de cortes da Selic e o amadurecimento do público investidor, os empreendedores do setor acreditam que uma recuperação dos preços deve começar em breve, à medida que investidores aproveitam barganhas.

“O mercado passou por uma correção saudável, agora é a hora para quem tem recursos disponíveis e visão de longo prazo”, concluiu o executivo da Kria.