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‘Primeira reação das autoridades é negar a crise sistêmica’, diz Tony Volpon, ex-diretor do BC
Quais são as conclusões que se pode chegar com os casos SVB e Credit Suisse?
Que ambos escancaram um erro na estratégia de bancos ao não calcularem o risco de uma carteira de títulos gorda, à medida em que o Fed e os demais bancos centrais do mundo aumentaram os juros.
A avaliação é de Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central. Mas ele aponta que, em um primeiro momento, as autoridades negam que há uma crise econômica sistêmica.
Antigo diretor da área de assuntos internacionais e riscos corporativos do BC, Volpon defende que a autoridade deve ‘rever sua política monetária’ em face da crise bancária, aperto do mercado de crédito no Brasil e um possível “credit crunch”. Nesta semana, em sua próxima reunião para determinar a Selic, o Copom deveria pavimentar o caminho para uma possível queda dos juros na reunião do comitê em maio, na visão Volpon.
‘A crise começa nas bordas do sistema’, diz ex-diretor do BC
A crise no mercado financeiro está em vigor e afeta empresas com maior alavancagem, diz Volpon. O que parece inicialmente ser um conjunto de crises bancárias, contudo, é o prenúncio de uma crise sistêmica.
“A crise vai começar nas bordas do sistema, onde você tem maior fragilidade, e vai caminhando ao centro. Então quando essas crises começam a pipocar — aparecem de forma momentânea pelas beiradas —, como aconteceu nessas últimas semanas, a primeira reação das autoridades é negar que ela é sistêmica”, diz Volpon.
Apesar da inação das autoridades monetárias, Volpon explica que o primeiro ente a normalmente entrar em pânico por causa dos efeitos de uma crise sistêmica é o mercado.
Tanto no caso do SVB quanto no episódio do Credit Suisse, investidores viveram uma corrida bancária para retirar depósitos com medo dos risco de falência.
Economia brasileira vive crise de crédito pós-Americanas?
Na visão de Tony Volpon, o mercado brasileiro vive um “crunch” em seu sistema de crédito. O credit crunch é o termo em inglês que define uma queda substancial em ofertas de empréstimos feita pelo sistema financeiro por aumento de casos de calote ou risco.
“Os bancos, que estavam dando dinheiro de graça, agora não querem dar dinheiro para ninguém e estão amargando perdas nas suas carteiras. Agora, aquele cotista do fundo de crédito quer seu dinheiro de volta porque prefere comprar CDBs de bancos, ou aplicar no CDI. Ninguém quer comprar debêntures”, afirma Volpon ao ressaltar que o credit crunch ‘é um processo’ — no momento, ele pode estar na fase inicial.
Ele cita que, no mercado, alguns economistas ainda não consideram a hipótese de um credit crunch porque os efeitos “não parecem tão graves”.
Volpon fala com exclusividade para a IF
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Tony Volpon feita pela Inteligência Financeira:
Como você avalia a crise bancária?
Empresas mais alavancadas são as mais frágeis, começam a quebrar, a entrar em crise. A crise vai começar nas bordas do sistema, onde você tem maior fragilidade, e vai caminhando ao centro. Então quando essas crises começam a pipocar — aparecem de forma momentânea pelas beiradas —, como aconteceu nessas últimas semanas, a primeira reação das autoridades é negar que ela é sistêmica. Tanto na primeira reação do Federal Reserve quanto do SNB (Swiss National Bank) na Suíça, agora do nosso Banco Central.
Como acontece uma crise bancária?
A primeira coisa que acontece, dentro do padrão histórico: dizer que são problemas isolados. Dizem: ‘sim, esse banco tem um problema, aquele banco tem um problema, mas são problemas isolados, e nós devemos endereçar esses problemas de forma isolada’. À medida em que o problema, que é de fato sistêmico mas não está sendo reconhecido como, começa a progredir, outras instituições e outros setores da economia começam a mostrar sinais de crise.”
O que acontece com o mercado quando a crise é vista como sistêmica?
O primeiro ente a entrar em pânico é o mercado. Esse pânico acaba fazendo as autoridades monetárias acendam um alerta que se trata de um problema sistêmico. Portanto, que não deveriam continuar com o processo de aperto monetário. Isso sim demarca o começo do fim da crise. Tivemos o mesmo fenômeno em 2008, e em 2020, por exemplo, na pandemia. É só estudar a história. Muitas vezes o mercado piora, apesar da virada de chave por parte das autoridades monetárias.
Eu diria que a gente está naquele primeiro momento do processo que é o momento da negação, da crise. ‘Não tem não tem credit crunch, os dados agregados não mostram isso; são casos isolados, seguimos em frente’. O ICBO aumentou juros. É muito provável que o nosso Banco Central não faça grande coisa nesta semana. É provável que o Fed aumente os juros de novo. Estamos naquele primeiro momento que é o momento da negação.
A marca do fundo do poço está perto. Não acontece necessariamente no dia em que a autoridade monetária muda de ideia. Normalmente, a economia já estará em recessão.”
A crise no Credit Suisse e no SVB impactam a economia brasileira?
Eu acho que tem um paralelo, no sentido de que o que estamos vendo lá fora foi fruto de uma sobre-alavancagem de risco que foi induzida pela política monetária e fiscal extremamente expansionista que foi adotada em resposta à pandemia, de crédito barato. Houve uma enorme injeção de capital que se traduziu num enorme crescimento de depósitos no sistema bancário. O sistema bancário, como um todo, traduzido na história do banco da Califórnia, o SVB, explode com a pandemia. Teve toda aquela injeção de dinheiro, e as pessoas que receberam esse dinheiro depositam nos bancos. Os passivos crescem e o banco tem que fazer alguma coisa com aquele dinheiro.
Do outro lado, o Fed mantém os juros a zero, faz foreguidance, mais ou menos te prometendo que as taxas de juros vão ficar baixas por muito tempo. Aí o tesoureiro daquele banco pensa ‘bom, eu tenho que fazer alguma coisa com esse dinheiro, porque tenho que remunerar esses depósitos um pouquinho, 0,20%, 0,30% por ano, mas eu quero ganhar alguma grana também’. Então ele compra títulos longos, porque esses são os únicos títulos que estão oferecendo alguma taxa maior. Então ele compra uma treasury de 5 anos, 10 anos, para aumentar o spread entre o pagamento de passivos e o que ele vai receber em ativos. É montar uma mega carteira.”
O SVB não mudou a estratégia e não calculou os riscos. O que aconteceu?
A inflação sobe, o Fed começa a subir [os juros] e, por alguma razão, esse banco especificamente não fez nenhum hedge, não muda nada. Não sei exatamente o que aconteceu lá, mas a gente sabe que não é um caso isolado. O próprio regulador americano — o FDIC, que garante os depósitos do sistema bancário — alertou na semana passada — foi uma das coisas que indicou ao mercado que havia um problema — que o sistema bancário como todo estava carregando prejuízos em suas carteiras de títulos em US$ 620 bilhões. Todo o sistema estava carregando esse prejuízo.
No Brasil, Tivemos uma política monetária extremamente expansionista, com juros negativos, Selic a 2%, mas a alavancagem não ocorreu tanto no sistema bancário. Foi no sistema corporativo, com a mega procura por spread por parte do investidor brasileiro, que estava perdendo o dinheiro nos bancos. A indústria de fundos lançou inúmeros produtos de crédito corporativo. Foi a procura do investidor por yield. As empresas foram induzidas a tomar esse dinheiro porque ele estava muito fácil, muito barato. Acho que você teve muita alavancagem no setor corporativo no caso brasileiro, razão pelo qual o nosso grande evento de crédito, diferentemente de lá onde o problema está sendo mais bancário, é corporativo. Obviamente, estou falando do caso Americanas.
Como o caso Americanas pode jogar a favor de uma queda de juros?
Em ambos os casos, o que acaba acontecendo é uma retração da atividade do mercado de crédito como todo. O chamado credit crunch. Todo o sistema fica mais conservador.
Os bancos, que estavam dando dinheiro de graça, agora não querem dar dinheiro para ninguém, estão amargando perdas nas suas carteiras. Agora, aquele cotista do fundo de crédito quer seu dinheiro de volta, porque prefere comprar CDB de bancos, ou aplicar no CDI. Ninguém quer comprar debêntures. É uma interrupção súbita no mercado de crédito. Isso obviamente tem um impacto negativo sobre a atividade econômica. E tende a ter um efeito negativo sobre a atividade e, eventualmente, sobre a inflação. É um fator novo, que nosso Banco Central vai ter que opinar e levar em consideração nesta semana e nas próximas reuniões do Copom.
Mas, certamente, se havia previsões de algum tipo de crescimento econômico, diminuição de inflação e risco de recessão, tudo isso piorou nas últimas semanas. Seja pelo caso Americanas, seja por essa crise bancária. Ela não afeta o setor bancário brasileiro diretamente, mas gera uma aversão a risco global. E sabemos que isso acaba impactando pesadamente economias emergentes como a brasileira.”
Por que a economia brasileira vive um cenário de credit crunch?
É interessante que você disse ‘no momento’. São processos. Quando ele começa, não parece que as coisas estão tão ruins assim. É necessário projetar o que vai acontecer, levando em conta que existe um ambiente de aperto monetário, porque o BC não vai mudar sua política no curto prazo, e de desaceleração econômica.
Pode-se levar em consideração o aumento dos spreads. Considerar, por exemplo, a partir de dados do BC, que o crescimento de crédito para pessoas jurídicas está rodando a zero nos últimos três meses anualizado. Enquanto no final do ano estava rodando a 10%, 12%. Isso já descontando da inflação. Então há uma desaceleração que é da atividade de crédito.
Todo mundo pode ter sua própria definição do que é um credit crunch, talvez eles [economistas] acreditem que a coisa tem que piorar muito para receber o título de ‘crunch’. Eu acredito que é um processo. Em um primeiro momento, não parece tão grave. Mas é como uma doença, vai se agravando ao longo do tempo, porque, de novo, a autoridade monetária, também num primeiro momento, não reconhece isso como um problema e, portanto, não faz nada para atenuá-lo. É exatamente essa inação que faz o problema piorar ao longo do tempo e, daqui três, quatro meses, teremos um credit crunch. E aí esses economistas vão ter que admitir que a dinâmica que levou a esse credit crunch já está em curso.
Como aliviar o credit crunch?
Precisamos analisar a natureza do problema. A discussão é muito detalhada. O BC tem essa radiografia muito mais detalhada do que eu tenho. Então não cabe a mim sugerir faça A, B ou C, porque não tenho os dados.
O BC tem que ver onde a coisa está estressando e tentar fazer alguma coisa para aliviar esse estresse. Mas eu diria também, que tem que rever a postura da política monetária à frente, o que é uma grande novidade. Poderíamos estar discutindo toda uma questão de o que é que o BC deveria fazer um mês atrás — antes da crise da Americanas e dessa crise bancária no mundo desenvolvido. Esses eventos devem impactar a postura do Banco Central. Se é momento ou não de fazer alguma coisa nos juros, também é uma discussão mais complicada.
E qual deve ser a postura em relação aos juros?
Eu particularmente acho que o Banco Central deveria eventualmente fazer uma queda de juros na reunião [do Copom] de maio. Então não acho que eles deveriam cortar juros na semana que vem, mas sim preparar o terreno para um corte. Com isso, o Copom também compra tempo para o BC observar o que está acontecendo com o mercado de crédito brasileiro, com a crise bancária lá fora. Haverá também mais dados de inflação e atividade que eles podem ser analisados. É, eu diria que essa é uma resposta realista e prudente. Porque você está reconhecendo que alguma coisa mudou, sem a postura de avestruz de botar a cabeça debaixo da terra.
É o reconhecimento de eventos importantes que mudaram o cenário. E você compra um pouquinho de tempo para ver se eles afetam, vamos dizer, a dinâmica da inflação, da atividade etc. Talvez não. Talvez as coisas melhorem, né? De novo, é o track record, o histórico leva a crer que essas coisas tendem a piorar. Minha aposta é essa que as coisas tender a piorar e quem eventualmente, o Fed, o ICB e também BC vão ter que rever esse aperto monetário.”
O que falta ao PT para melhorar as expectativas?
Eu acho que o mercado, em sua maioria, pelo menos conversando com as pessoas e olhando o que elas têm dito, já está fazendo um pré-julgamento negativo do arcabouço fiscal.
Ele nem foi lançado, mas o mercado já está pessimista, cético. E acho que ele tem suas razões concretas para isso, como as críticas ao BC, a própria PEC de transição que aumentou os gastos acima do que as pessoas estavam esperando.
Por que o mercado não recebeu bem o novo arcabouço?
Tem que levar em conta que há uma questão ideológica. Parte do mercado não gosta de governos de esquerda, não reconhece a necessidade de recompor os gastos reprimidos, em alguns setores do Estado, de maneira insustentável. Acredito que isso seja verdade. Não é algo que o PT inventou. E também há a grande crítica à regra do teto [de gastos], que o mercado gostava. Apesar de ter sido burlado, relativizado, o mercado ainda tinha esse amor quase infantil, adolescente com a regra do teto. É um amor perdido, o teto foi furado várias vezes e ainda houve aquele romantismo. Então tudo isso leva esse ceticismo.
Qual deve ser o impacto do arcabouço fiscal?
Eu particularmente, independentemente do que seja anunciado, não acho que o novo arcabouço fiscal terá grande impacto sobre as expectativas de inflação reportadas no boletim Focus. Porque quem reporta no Focus é esse mercado que tem esse nível de ceticismo.
Não haverá um grande impacto positivo nas expectativas apuradas do Focus. O BC vai ter que fazer um julgamento: terá mais peso o credit crunch, o câmbio e preços de atacado estáveis, economia desacelerando, ou o Focus terá mais peso, ficando refém do boletim?
Obviamente não estou pregando que o banco deve ignorar o Focus, mas é preciso entender por que Focus está tão descolado das tendências objetivas da economia. Porque tem um descolamento. É essa visão extremamente pessimista que o mercado tem sobre a dinâmica fiscal deste governo do PT.
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