Inflação: Veja duas análises distintas, por André Lara Resende e Affonso Celso Pastore, economistas e ex-diretores do BC

A inflação persistente gera discussão entre economistas. Aprenda com eles

A natureza da inflação persistente gera controvérsia entre economistas. Confira dois pontos de vista diferentes, à partir das análises de André Lara Resende e Affonso Celso Pastore.

André Lara Resende, economista, é ex- diretor do Banco Central e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

A alta de juros é destruidora da equidade e concentradora de riqueza.”

“O aumento da taxa de juros faria mais sentido quando a alta de preços é resultado de pressão de forte demanda, o que não é o caso. A inflação atual vem de choques de oferta resultantes da pandemia, que trouxe desorganização de cadeias produtivas internacionais.

Na saída da crise sanitária, alguns setores sofreram pressão de demanda muito grande. Um reflexo disso, exemplifica, são os portos nos Estados Unidos, que encontram-se com capacidade saturada e revelam limitações logísticas globais.

Há ainda a pressão vinda de commodities e de produtos energéticos, cujos preços subiram no mundo inteiro.
Não se trata de uma clássica inflação de demanda, mas sim de alta de preços provocada por gargalos específicos. Por isso, é altamente questionável e equivocada a ideia de que se consiga combater a inflação com a alta de juros, o que deve trazer ainda custos para crescimento e investimento. Ao subir a taxa de juros, sobem os custos do carregamento da dívida pública, que é passivo do Estado e ativo do setor privado.

Quando se sobe o juro, há transferência de recursos do Estado para detentores da dívida pública. A cada ponto percentual de alta, há transferência de 0,8 ponto percentual do PIB para os agentes superavitários do setor privado que detêm a dívida.

A alta de juros, portanto é destruidora da equidade e concentradora de riqueza.”

Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central entre 1983 e 1985, durante o governo do ex-presidente João Figueiredo.

O PIB do terceiro trimestre, a ser divulgado pelo IBGE no começo de dezembro, deve dar um susto porque deve indicar retração. Vamos assistir a uma coisa dramática: a subida da taxa de juros com economia encolhendo.”

“A inflação tem muitos choques de oferta e com isso o aperto monetário perde eficácia, mas ainda assim, a alta de juros tem efeitos. Além da alta de preços de commodities agrícolas e do petróleo, há produção afetada por falta de matéria-prima em razão do rompimento de cadeias de suprimento.

Isso começa assim. Depois de algum tempo vira outra coisa. Nos últimos dois meses, houve aceleração nos preços de serviços. Embora a inflação em 12 meses no setor no setor ainda esteja em 4%, há alta na margem vinda de demanda. Certo ou errado, é esperado que o Banco Central eleve a taxa de juros.

O PIB do terceiro trimestre, a ser divulgado pelo IBGE no começo de dezembro, deve dar um susto porque deve indicar retração. Vamos assistir a uma coisa dramática: a subida da taxa de juros com economia encolhendo.

Há choque de oferta, há propagações sobre demanda também. O instrumento monetário numa situação como essa tem menor eficácia, mas não significa que não tenha eficácia nenhuma. Não porque a moeda explica a inflação, mas porque a inflação depende de um excesso de demanda sobre oferta. E estamos assistindo a um processo de contração de oferta e de expansão de demanda. A abertura desse hiato é que produz a inflação.

O BC não consegue fechar isso pelo lado da oferta. Ou deixa a inflação desancorar e faz recessão maior lá na frente ou faz recessão menor agora. Quem está no BC é que tem que tomar a decisão.

É muito provável que aumente a taxa de juros.”

Com Valor Econômico.