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Tarciana Medeiros, do Banco do Brasil (BBAS3): ‘Condições para queda dos juros estão mais presentes’
Empresas citadas na reportagem:
Primeira mulher e primeira negra a comandar o Banco do Brasil (BB) em 214 anos de história, Tarciana Medeiros, 44, faz coro – ainda que de forma moderada – aos apelos do governo e avalia que já há condições para o Banco Central começar a reduzir a taxa básica de juros, hoje em 13,75% ao ano. “Os juros não podem permanecer no patamar atual por muito tempo”, afirmou ao Valor em sua primeira entrevista exclusiva desde que assumiu o comando da instituição financeira, há cem dias, completados nesta quarta-feira. “Uma taxa de juros muito alta inibe a atividade econômica e desacelera a economia.”
A apresentação do arcabouço fiscal “trará avanços na queda sustentável da taxa de juros”, na visão de Medeiros. “A sociedade e as empresas sempre buscaram se adaptar ao patamar da taxa básica, mas esse é um esforço que tem limite e tempo de maturação”, disse.
Indicada ao cargo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a executiva é funcionária de carreira do BB, com 23 anos de casa. A executiva destacou a estratégia de sua gestão de apoiar principalmente micro e pequenas empresas (MPEs), e afirmou que não haverá desaceleração de crédito por parte do banco em um momento de preocupação por parte do governo e do mercado. Segundo ela, nos primeiros cem dias deste ano, o Banco do Brasil aumentou em 34% o desembolso de crédito para o segmento (incluindo capital de giro, recebíveis e investimentos). Em toda a carteira de empresas, incluindo o atacado (médias e grandes companhias), a alta foi de 14%, com R$ 48,9 bilhões liberados.
“Neste instante, não me preocupo”, respondeu quando questionada se há uma crise de crédito no país. Apesar disso, a executiva contou que o banco se antecipou e lançou estratégias específicas para renegociações de dívidas – com aumento de 40% nestes primeiros cem dias em relação ao ano passado (o que representa R$ 2,5 bilhões). Ela também disse que não há sobressaltos nos índices de inadimplência, nem mesmo para MPEs e pessoas físicas, áreas de maior preocupação no governo.
Em linha com a visão dos bancos privados, a executiva avaliou que é preciso fazer um estudo do setor de cartão de crédito antes de impor um teto de juros ao rotativo, desejo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Existem discussões mais profundas que precisam ser feitas antes de definições de teto ou não”, ponderou a presidente do BB.
Valor: A senhora é a primeira mulher a comandar o BB e completa cem dias na presidência nesta quarta. O que foi feito até aqui?
Tarciana Medeiros: Tenho cuidado em trabalhar em conglomerado, com todas as empresas [do grupo]. Os objetivos iniciais já foram cumpridos, e destacaria a criação de um comitê estratégico de diversidade, formal e institucional. Temos um comitê de crédito, e agora um de diversidade no mesmo nível de importância. Também houve a inclusão de mais mulheres em cargos de gestão.
Valor: E em termos de resultados?
Medeiros: Houve evoluções. Um exemplo é a agricultura familiar. Nos primeiros cem dias, tivemos crescimento de 36% em relação a 2022, com R$ 4,4 bilhões liberados. É motivo de muita comemoração e celebração mesmo. Tivemos um período com dificuldade no crédito de agricultura familiar, no Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), e os funcionários compraram a estratégia de conciliar a atuação comercial com a social. Estamos trabalhando forte em cadeia produtiva, desde o pequeno produtor até o financiamento da indústria que exporta. E crescemos sem deixar de fazer nenhum grande negócio no agronegócio: liberamos R$ 35 bilhões nos primeiros cem dias no agro, 34% de crescimento em relação ao mesmo trimestre do ano passado.
Valor: A senhora pode dar um exemplo de como é possível conciliar o social com o comercial? A percepção de alguns é a de que existe uma dicotomia…
Medeiros: Temos 2,34 mil unidades do Minha Casa Minha Vida (MCMV) concluídas nestes primeiros meses. É um programa de governo e o BB, um dos operadores. Quando entregamos essas unidades, financiamos, por exemplo, micro e pequenas empresas da região e, junto às prefeituras, a infraestrutura de transporte público. Além disso, temos a aquisição de 2,34 mil novos clientes para o banco. É possível, sim, atuar nas duas faces da economia: cuidar do social e do comercial.
Valor: Como o BB tem trabalhado frente ao atual cenário do crédito no Brasil, uma das principais preocupações da equipe econômica, especialmente para micro e pequenas empresas?
Medeiros: É um segmento que sofreu nos primeiros cem dias, e havia uma expectativa de se o BB pararia de empresar, mas pelo contrário. Crescemos 34% em volume de desembolsos. E tenho feito muita questão de, em todos os negócios que vamos fazer, que observe a mulher nesse contexto. Quando falamos de micro e pequenas empresas, R$ 8,3 bilhões foram para empresas que são dirigidas por mulheres, 36% a mais em relação aos três meses de 2022.
Valor: Há uma crise de crédito no Brasil?
Medeiros: Em relação ao banco, precisa ser levada em consideração uma gestão de capital e de inadimplência de forma muito direcionada. Quero deixar como mantra entregar um banco para cada cliente, e tenho falado em preço por cliente. Existe um piso, um teto de preço para qualquer linha de crédito nas quais podemos atuar. O BB vive um momento em que estamos colhendo o resultado. Não estamos com dificuldade para emprestar, estamos focados na estratégia de hiperpersonalizar a concessão de crédito e na indicação de outros produtos para o cliente. Conseguir ampliar a carteira de crédito nestes cem dias é fruto dessa atuação mais direcionada.
Valor: Mas essa situação direcionada não significa que o banco será mais rigoroso na hora de conceder crédito?
Medeiros: Não necessariamente. Significa que o cliente vai pagar no crédito o preço que diz respeito ao comportamento dele, com o melhor produto.
Valor: Como assim?
Medeiros: Uma microempresa pode buscar um capital de giro, mas, na verdade, ela precisa de investimento. Vamos orientar de maneira adequada, porque a destinação de um recurso de investimento é bem diferente do capital de giro.
Valor: Então não há uma preocupação com o cenário do crédito?
Medeiros: Neste instante, não me preocupo. Estamos dando andamento ao planejamento que nos propusemos para 2023. Pode acontecer para deslocar curva de resultado de um trimestre para o outro, mas nada que vá comprometer o plano.
Valor: Mas apesar de mais controlada do que outros bancos, o BB também apresentou uma alta da inadimplência no último trimestre. Qual cenário a senhora vislumbra para o ano?
Medeiros: Vislumbramos uma manutenção de gestão dessa inadimplência em patamares muito aceitáveis.
Valor: Mas o banco trabalha com algum aumento desses índices, ainda que na margem?
Medeiros: Não tenho informação de fechamento de resultado [do primeiro trimestre de 2023], mas em todos os acompanhamentos que fizemos, não houve nenhum sobressalto em nenhuma linha que mereça uma atenção especial.
Valor: Nem no âmbito de pequenas empresas e pessoas físicas?
Medeiros: Não.
Valor: Então não haverá suspensão ou freio no crédito?
Medeiros: Não é o cenário do Banco do Brasil.
Valor: O governo está desenvolvendo o Desenrola, para renegociar dívidas de até 70 milhões de CPFs negativados. Essa quantidade de pessoas inadimplentes preocupa o banco?
Medeiros: Até que saia o Desenrola, na linha da gestão responsável, não paramos de renegociar dívidas de pessoas físicas e microempresas. Houve uma ampliação de 40% em relação ao mesmo período do ano passado. Precisamos desse cliente saudável para que ele continue inserido na economia.
Valor: O presidente Lula tem falado muito em crédito direcionado. O BB estuda linhas específicas?
Medeiros: Estamos tratando de microcrédito no âmbito do Pronaf. Já no microcrédito para microempreendedor individual (MEI) estamos conversando com o governo. O Banco do Nordeste, por exemplo, tem expertise muito grande, e o governo quer exportar para os demais players, entre eles o BB.
Valor: A senhora assume o BB após uma gestão que entregou lucros recordes. As projeções deste ano são de manter e até ampliar essa rentabilidade. Isso será possível no cenário atual?
Medeiros: O BB vai dar o resultado do tamanho do banco. A estratégia e o guidance estão dados. Trabalhamos para atender o que já divulgamos a mercado. Para os próximos anos, a tendência é manter os resultados.
Valor: Mas existe uma avaliação na área fiscal do governo e entre especialistas no sentido de que as empresas estatais podem perder lucratividade e, consequentemente, repassar menos dividendos à União…
Medeiros: O banco permanecerá sendo lucrativo aos acionistas, inclusive ao majoritário. Quando olhamos para nossa política de payout [pagamento de dividendos], já há até uma discussão se o BB poderia pagar e elevar o pagamento de dividendos. Nossa estratégia está atrelada à responsabilidade da gestão. Dentro das empresas do grupo, pode até haver uma revisão na política de payout, mas neste instante ainda não é o caso do BB.
Valor: Qual deve ser o papel de um banco como o BB, de economia mista?
Medeiros: Deve competir. Somos um banco, um banco público de economia mista. Mas quando falamos de competição, ela não diz respeito a ganhar do outro em preço. Há uma noção de dar mais resultados, mas às vezes é ser mais sustentável no sistema financeiro. Quando um cliente vem ao BB e também é cliente do Itaú ou do Santander, ele mantém os negócios dele, mas também faz negócios aqui. O banco tem a missão de concorrer com os demais, e um banco do tamanho do nosso ajuda a trazer equilíbrio para esse sistema econômico. O que o cliente espera do BB mudou. É importante ter um player público que concorre no nível que concorremos.
Valor: O que o cliente espera do BB hoje?
Medeiros: Um banco com presença em todo o país: física ou digital. O cliente e o mercado esperam o BB forte no agronegócio, e a sociedade espera uma atenção voltada à agricultura familiar, proporcionando também inclusão financeira de micro e pequenas empresas, além de crédito para o empreendedorismo.
Valor: A sra. também acha que a taxa básica de juros está alta no Brasil, como dizem Lula e outros representantes do governo?
Medeiros: Não só no Brasil, mas em qualquer economia de mercado uma taxa de juros muito alta inibe a atividade econômica e desacelera a economia. Isso não é opinião, mas fato. A sociedade e as empresas sempre buscaram se adaptar ao patamar da taxa básica, mas esse é um esforço que tem limite e tempo de maturação. Os juros não podem permanecer no patamar atual por muito tempo. Acredito que as condições para que a taxa básica caia estão cada vez mais presentes. O mercado recebeu bem o IPCA de março, com indicações claras de desaceleração de preço. O petróleo, com a guerra, sofreu alta, e estamos em um momento de preços mais acomodados. Temos as novas agendas macroeconômicas, com o arcabouço fiscal que, somado à reforma tributária, trará avanços na queda sustentável da taxa de juros. Com base nessas questões, acredito em queda da Selic de forma consistente, para que a gente tenha um nível de juros básicos que estimule investimentos novamente.
Valor: O BC defende o patamar atual, sob o argumento de que uma derrubada da Selic sem credibilidade poderia gerar um efeito ruim no médio/longo prazo…
Medeiros: Não vou comentar questões do regulador nem entrar na seara da discussão do regulador com o governo, mas repito: não é sustentável por muito tempo. Em algumas situações, é necessário para que mantenha o controle da inflação, mas não é sustentável a manutenção dos patamares atuais.
Valor: A governança do banco hoje é mais robusta para evitar eventuais pressões políticas como houve no passado, como uma tentativa do governo de usar bancos públicos para reduzir taxas de juros?
Medeiros: Temos uma estrutura de governança corporativa forte e consolidada. As decisões são colegiadas e muito discutidas, dando conforto.
Valor: E qual a avaliação da sra. sobre o uso dos bancos públicos para reduzir taxas de juros, como feito no passado?
Medeiros: Esse projeto de um banco para cada cliente, com hiperpersonalização na concessão do crédito com base na necessidade, já nos leva a conceder o crédito a juros adequados no perfil de consumo. Um exemplo é o consignado do INSS: o BB já praticava uma das menores taxas do mercado, entendendo risco e capacidade de pagamento do público. Embora houvesse um teto, operávamos em um preço menor porque é uma característica do negócio.
Valor: Mas o que a sra. pensa do uso do banco público para regular preços no restante do sistema financeiro?
Medeiros: De certa forma, quando já empresto em patamar adequado ao cliente, já trabalhamos com essa regulação, colocando esse equilíbrio ao mercado.
Valor: Os bancos públicos podem ser usados para reduzir juros, como em momentos de crise?
Medeiros: A atuação do banco, em momento de crise ou não, é voltada para gestão responsável do nosso capital. Em um momento de crise, nossa gestão adequada de inadimplência, de capital e da carteira de crédito proporciona manter o protagonismo, e os números deste trimestre mostram isso.
Valor: Fernando Haddad quer impor um limite para a taxa de juros ao rotativo do cartão de crédito. Os bancos privados resistem a essa proposta. É preciso estabelecer um teto para essa modalidade?
Medeiros: É preciso estudar o tema. Estamos participando de uma comissão com a Febraban que vai encontrar soluções e realizar uma análise criteriosa. Pode até culminar em um teto, como no cheque especial, mas o sistema de cartão de crédito tem diversos outros aspectos que precisam ser estudados, como o perfil do cliente que está usando rotativo como capital de giro ou como crédito pessoal. Uma camada da população tem acesso ao crédito pelo cartão, mas talvez não seja a linha mais adequada para financiar consumo. Existem discussões mais profundas que precisam ser feitas antes de definição de teto ou não. Não excluo a possibilidade. Se houve um recuo, é porque são muitos aspectos a serem analisados.
Valor: O que falta para preencher a vice-presidência de agronegócios do banco?
Medeiros: Isso seria tratado caso o tema tivesse chegado ao conselho de administração, mas não chegou. Temos alguns direcionamentos no mercado de agro sobre uma mudança no tratamento. Pretendemos conceder crédito cada vez mais verde, como também trabalhar a cadeia do agro sustentável, expandindo a agricultura familiar. Então, há uma discussão das características para a vice-presidência. Não há um nome definido ou direcionado.
Valor: Circula que o governo estaria aguardando mudanças na Lei das Estatais para indicar a ex-senadora Kátia Abreu ao cargo. Seu nome agradaria à senhora?
Medeiros: Não a conheço pessoalmente, mas como ministra da Agricultura. E ela fez um bom trabalho.
Valor: Quais as expectativas para o Plano Safra? A antiga gestão do BB argumentava que, com a entrada da Caixa, perdeu recursos…
Medeiros: As expectativas estão no sentido de que o BB tenha recursos a proporcionalidade de nossa capacidade de entregar. No último Plano Safra, tivemos um valor bem abaixo do possível. Não é reduzir dos demais players, mas entregar o adequado para nós.
Valor: A indústria tem defendido um plano safra industrial, com juros subsidiados. Há algum plano para o setor?
Medeiros: Há uma expectativa de crédito para a indústria. Com os acordos que o presidente tem feito pelo mundo, esperamos investimentos para a indústria, e percebemos um movimento do setor tentando buscar crédito no mercado de capitais ou por financiamento direto.
Por Guilherme Pimenta, do Valor Econômico
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