Agenda de curto prazo dominou discussões em Davos, diz Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco

Preocupações com a Amazônia, ameaças à globalização e a disparada da inflação foram os pricipais temas do encontro

Desde seu início, em 1971, o Fórum Econômico Mundial todo ano reúne analistas, empresários e chefes de governo para tratar das grandes questões que desafiam as lideranças no longo prazo. Em 1992, teve como principal tema a cooperação internacional; em 1997, o nascimento da sociedade em rede; em 2007, a mudança no equilíbrio de forças entre os países.

A edição de 2022, que aconteceu de 22 a 26 de maio na cidade de Davos, na Suíça, foi diferente. O planeta está girando rápido demais e assuntos urgentes se impuseram. O desmatamento da Amazônia, a guerra na Ucrânia e a inflação global são as principais preocupações do momento e monopolizaram as atenções, segundo Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, que participou do evento. Leia a seguir trechos da entrevista que concedeu, da Suíça, à Inteligência Financeira.

INTELIGÊNCIA FINANCEIRA: Em Davos, você participou como debatedor de um painel sobre o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Quais foram as principais conclusões ou soluções que surgiram nessa discussão?

MÁRIO MESQUITA: A primeira constatação foi de que, apesar de toda a mobilização global que está acontecendo sobre esse tema, o desmatamento ainda avança, então precisamos de novos approches e ideias para combater o problema. O debate foi se governos devem partir somente para a repressão da atividade ou se devem ser oferecidos incentivos para que as pessoas não queiram desmatar, queiram manter a floresta em pé. Isso gira em torno da criação e do desenvolvimento de um mercado global de carbono. Carbono é carbono em qualquer lugar, então deveria ter o mesmo preço em todo lugar. Deve haver uma solução de mercado que dê um preço razoável para a manutenção do ecossistema amazônico e isso vai incentivar a população daquela região a preservar a floresta.

IF: Além da Amazônia, quais são as principais preocupações dos líderes globais neste momento?

MM: O foco principal foi na guerra da Ucrânia e as consequências econômicas e geopolíticas desse conflito. Houve muita discussão sobre a reorganização geopolítica mundial, os novos blocos que estão surgindo, será que vai haver priorização das cadeias produtivas geográfica e ideologicamente próximas, e consequências da guerra para a economia mundial, que, a bem da verdade, nem saiu da pandemia por completo. Normalmente, o World Economic Forum tem uma perspectiva de médio e longo prazo, mas, desta vez, como o conflito está na Europa, mais perto, migrou para esse tema de curto prazo.

IF: A globalização está ameaçada?

MM: A globalização está ameaçada. Começou a ser ameaçada por um movimento ideológico, primeiro nos Estados Unidos, e a ameaça avançou com a pandemia, quando as empresas descobriram que depender de cadeias produtivas muito longas poderia ser uma vulnerabilidade. Elas tinham uma produção voltada para a eficiência, chamada just in time, com estoques baixos, meta de comprar do fornecedor mais barato, não importando onde ele esteja. Mudou um pouco a lógica para o just in case, trabalhar com estoques um pouco maiores, comprar de fornecedores que se pode acessar com mais facilidade. E aí veio a guerra. É fato que alguns países se globalizaram mais e outros, como o Brasil, menos, então talvez a nossa vida no Brasil mude menos nesse cenário do que em outros lugares mais integrados às cadeias produtivas globais.

IF: Você já está vendo algum efeito dessa reorganização para o Brasil?

MM: Para o Brasil, menos, é um país que não se integrou muito nas cadeias produtivas globais, sempre foi um país protecionista – sem grandes ganhos com isso –, se isolou, não deve sentir tanto essa mudança. Em alguns setores a gente sente, como no automotivo: a falta de semicondutores no mundo inteiro afeta o Brasil e afeta a nossa capacidade de produção. O país é fechado, mas não completamente isolado, então sente um pouco as consequências. Foi muito discutido também no fórum o tema da segurança alimentar. A guerra levou a uma alta forte das matérias-primas, em especial do petróleo e seus derivados, mas também de produtos agrícolas, e o Brasil é visto como possível solução para esse problema de escassez de alimentos. Numa conjuntura global complicada, até que a posição do Brasil não é tão ruim, porque o Brasil é visto como uma fonte de matérias-primas importantes, uma fonte estratégica, e acho que isso deve facilitar nossas relações internacionais. Admitindo que estamos num contexto internacional pior, para o Brasil não é tão ruim assim. Desde o início do ano, temos revisto as previsões para o crescimento do mundo para baixo e do Brasil, para cima, em parte porque a economia brasileira ganha quando os preços das matérias-primas sobem. Cada 10% de aumento no preços das exportações brasileiras dá 0,4 ponto percentual a mais no PIB.

IF: Mas esse efeito positivo também tem a consequência negativa de aumentar a inflação interna, certo? Quais são as suas principais preocupações em relação ao Brasil neste momento?

MM: A guerra é uma tragédia, milhares de pessoas estão morrendo, sendo desabrigadas, sofrendo todo tipo de violência. Isso é muito lamentável. Ela tem implicações econômicas, o aumento circunstancial do preço das matérias-primas, o que beneficia o Brasil, mas o ideal, é claro, seria ter o mundo em paz e crescendo de uma forma sustentável. Minha preocupação maior neste momento é a inflação. Os preços das commodities para cima podem ajudar a atividade, mas atrapalham do lado da inflação. A gente projeta uma inflação de 8,5% no Brasil neste ano. Se a Petrobras for repassar a defasagem dos preços dos combustíveis em relação às cotações internacionais, poderia acionar mais 1,5 ponto percentual à inflação no país, que chegaria a 10%, que é bastante alto. Tem a indexação [de preços à inflação] e a inércia, que seriam afetadas. Temos visto números de atividade econômica melhores do que o esperado no Brasil, até esperamos uma desaceleração no segundo semestre. Mas, por ora, as notícias de atividade têm sido positivas. Em termos de preocupações, eu ranquearia inflação em primeiro, atividade em segundo, e eleições em terceiro lugar.

IF: Em termos de atividade, qual setor está se saindo melhor e qual está pior?

MM: Da virada do ano pra cá, chama a atenção, a recuperação do setor de serviços, que é retardatário em relação aos outros porque dependia da normalização da circulação, que está acontecendo. Até por estar ligada às cadeias produtivas locais, mesmo que menos do que em outros ugares, a indústria tem sofrido com idas e vindas, precisando parar quando falta matéria-prima.

IF: Com a renda familiar deprimida e a alta da inflação corroendo o poder de compra, qual é o limite para a recuperação do setor de serviços? Geralmente, os serviços estão no topo da lista quando é necessário cortar despesas em casa.

MM: A reabertura não acontece duas vezes. Existe a normalização, e depois a economia entra no seu funcionamento usual. Tem uma quebra por nível de renda, parece que essa retomada é mais intensa para as classes de renda média e alta do que para as classes mais baixas, que ainda estão sofrendo com a erosão do poder de compra. A gente acha que a recuperação continua, mas não se estende indefinidamente. Dito isso, um ponto que é importante mencionar é que os brasileiros acumularam poupança extra durante a pandemia, seja porque estavam com receio pela questão sanitária, seja porque não podiam circular para consumir, e agora estão desacumulando. Ainda tem cerca de 2,5% ou 2,6% do PIB [Produto Interno Bruto] de poupança acima do normal que pode ser gasta ao longo deste ano. No mais tardar, quando acabar essa poupança extra, a recuperação vai ter que andar com as próprias pernas. O efeito de consumir esse colchão constituído durante a pandemia vai passar, e até lá a gente tem que ver uma retomada do mercado de trabalho, uma recuperação mais intensa do poder de compra, para a recuperação continuar, senão ela vai perder o impulso.