O que é o Ozempic e por que o remédio pode afetar empresas e investimentos?

Medicamento utilizado amplamente contra obesidade muda cenário das gigantes europeias e chama a atenção dos investidores

Bernard Arnault é um dos homens mais ricos do mundo, mas o francês viu a sua LVMH ser destronada do posto de empresa mais valiosa da Europa em setembro pela dinamarquesa Novo Nordisk (NVO; N1VO34). As duas empresas seguem disputando o posto, mas como uma companhia de saúde da Dinamarca cresceu a ponto de ameaçar o domínio da gigante de luxo da França? A resposta está no “efeito Ozempic“.

Mas o que é Ozempic? por que o medicamento que está sendo conhecido como “caneta para emagrecer”, mesmo não tendo sido criado para isso? Como ele mexeu tanto assim com o mercado e até com o PIB dinamarquês? E o que você, como investidor, pode esperar de impactos para seus negócios e sua carteira nos próximos anos?

Com o objetivo de responder essas e outras perguntas, a Inteligência Financeira conversou com Mariana Campos, que é analista da Kinea Investimentos e autora de um extenso relatório sobre o efeito Ozempic, e com o médico Fábio Moura, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Ozempic para emagrecer? Procure um médico

Antes de mais nada, um alerta se faz necessário. Estamos falando do efeito de mercado provocado por uma classe de medicamentos, sendo o Ozempic o mais famoso deles.

Portanto, em se tratando de um remédio, vale destacar o que diz o doutor Fábio Moura: a automedicação é perigosa e o uso de qualquer medicação deve ser feito sempre com acompanhamento médico. Logo, se você está buscando saber como usar Ozempic para emagrecer, a resposta é: procure um médico.

“A indicação de um tratamento medicamentoso deve ser feita por médico capacitado, levando em conta indicações, contraindicações, tolerabilidade e expectativas do paciente, não se baseando apenas no IMC, mas,sim, em uma ampla gama de aspectos que devem ser tratados em consulta. Nenhuma medicação deve ser usada sem prescrição e acompanhamento médico“, dizem a SBEM e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso) em nota conjunta.

Na conversa com a Inteligência Financeira, Fábio Moura defende um maior controle da distribuição dos medicamentos. O médico explica que a faixa vermelha já significa a necessidade de receita médica, mas que isso não tem impedido na prática as vendas.

“Vemos esse uso de maneira indiscriminada com total preocupação”, explica Moura, que completa. “O uso descontrolado pode permitir efeitos colaterais que não estão nem no nosso radar.”

O efeito Ozempic sobre a economia e os seus investimentos

De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, o efeito Ozempic na economia é a soma de um conjunto de fatores. Em resumo, de três:

  1. A descoberta de que remédios pensados para o tratamento da diabetes podem ter eficácia para o tratamento da obesidade crônica.
  2. O alto número de pacientes potenciais. Ou seja, de pessoas que vivem com obesidade e que poderiam eventualmente vir a usar o medicamento
  3. O duópolio entre duas empresas. Novo Nordisk e Eli Lilly são as empresas donas das patentes dos medicamentos. A expectativa é que as concorrentes possam disputar o segmento apenas a partir de 2026.

Portanto, façamos a somatória desses fatores. Se você tem um produto que especialistas consideram eficaz, com um amplo público-alvo e que praticamente só você pode vender, você tem uma mina de ouro nas mãos. É isso que explica a valorização da Novo Nordisk.

Na bolsa de Nova York, por exemplo, as ações da empresa subiram 128,74% nos últimos 18 meses. A cotação estava em US$ 51,21 em 6 de agosto de 2022 e chegou a US$ 118,08 nesta segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024, por volta do meio dia no horário de Brasília.

Já a Eli Lilly (LLY) se valorizou em 133,66% no mesmo período, passando de US$ 302,50 para os atuais US$ 704,05 por ação.

Dados de 2022 da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que mais de 1 bilhão de pessoas apresentam quadro de obesidade. São cerca de 650 milhões de adultos, 340 milhões de adolescentes e 39 milhões de crianças no mundo.

É essa a conjunção de fatores que levou a Kinea a se colocar em posição de compra para os papéis da empresa. “O que você busca no investimento é a valorização. E temos uma demanda grande e crescente”, explica Mariana Campos à Inteligência Financeira.

Para que serve o Ozempic? Entenda efeito da ‘caneta para emagrecer’

O início desse movimento veio no processo tanto da Novo Nordisk quanto da Eli Lilly de desenvolverem medicamentos eficazes para o tratamento da diabetes tipo 2. O Ozempic (Novo Nordisk) e o Mounjaro (Eli Lilly) são feitos a partir formas sintéticas do hormônio GLP-1. O objetivo dos medicamentos é aumentar a secreção de insulina e diminuir a do hormônio glucagon. Assim, reduzindo o nível de glicose no sangue.

O uso desses remédios para a obesidade começou “off label”, que é a expressão médica para quando se usa uma medicação para uma finalidade que vai além do que a prevista em bula.

Essa recomendação, mais uma vez reforçando, pode ser feita unicamente por médicos, que vão avaliar a partir da orientação das associações médicas e das condições do paciente se é possível receitar determinado remédio a determinada pessoa.

No entanto, diante das observações que os medicamentos poderiam ter um efeito contra a obesidade, as empresas se apressaram a desenvolver semelhantes que fossem pensados para esse fim.

É o caso do Wegovy, criado pela Novo Nordisk para a aplicação contra a obesidade e que já aprovado pela Anvisa para uso no Brasil — e também do Zepbound, da Eli Lilly, aprovado recentemente nos Estados Unidos pelo FDA. Contudo, por dificuldades logísticas que trataremos adiante, o Wegovy ainda não chegou às farmácias brasileiras.

“A grande dificuldade médica com obesidade era ter um remédio eficaz e que pudesse ter uso prolongado. Por isso, essas drogas têm o potencial de serem divisores de água para o tratamento”, diz Fábio Moura, da sociedade de endocrinologia.

Como o efeito Ozempic afeta seus investimentos?

Em primeiro lugar, o efeito Ozempic naturalmente é um fator de interesse para as pessoas que investem nas empresas envolvidas. Tanto os pontos fortes, como os pontos fracos e lacunas, que detalharemos a seguir.

Por outro lado, há um movimento de suspeita de um possível impacto da adoção ampla desses medicamentos sobre empresas que produzem alimentos de alto teor calórico.

É o caso do banco britânico Barclays, que acredita que o risco da queda “da demanda pelo consumo de substâncias viciantes” não está ainda refletido nos números de algumas empresas. Por exemplo, os estrategistas da instituição citam empresas como McDonald’s (MCD, MCDC34), Pepsico (PEP, PEPB34) e a fabricante de cigarros Altria (MO, MOOO34).

“Os impactos dos GLP-1 podem introduzir uma disrupção em um número de indústrias”, escreveram os representantes do banco, de acordo com a Bloomberg.

Mariana Campos não acredita em um impacto desse tipo, ao menos por enquanto. “Ainda é cedo para afirmar isso. Mesmo que o número de pessoas que consuma esse medicamento seja elevado, ainda é pouca gente para reduzir a demanda [de empresas como Mc e Pepsi]”, argumenta a analista da Kinea. “Essas empresas serão afetadas no futuro, mas ainda é um futuro muito distante”, prevê.

O que vem por aí no efeito Ozempic?

Há algumas dúvidas que permanecem no mercado e na medicina sobre o que vem pela frente. O principal é o da capacidade de produção. Apesar da demanda, a Novo Nordisk tem enfrentado dificuldades em supri-la, busca expandir a sua condição de entregar os produtos, mas ainda não conseguiu dar uma resposta satisfatória.

“O principal gargalo da empresa é produzir para tantos que querem. Essa é a principal dúvida dos investidores. A Novo Nordisk não dá essa informação. Ela diz que vai ter mais capacidade de venda, mas não diz quanto nem quando”, explica Mariana Campos.

Outro gargalo importante é o do preço. Os remédios citados aqui são considerados caros. De acordo com a Anvisa, o preço do Ozempic hoje pode chegar a até entre R$ 661,61 até R$ 1.308,32, a depender da alíquota de ICMS cobrada por cada estado. É possível que seja cobrado menos, a depender de uma série de fatores, sendo esse o preço máximo ao consumidor (PMC) da entidade regulatória.

Vai interessar para os planos de saúde? E para o SUS?

Mariana Campos considera que, no futuro, quando for autorizado que medicamentos semelhantes sejam produzidos pelas concorrentes naturalmente o preço deve cair. Até lá, o preço será um obstáculo para que o medicamento ganhe escala, tanto no Brasil quanto em outros países, o que interessaria aos potenciais investidores.

De acordo com a Kinea, o custo passa dos US$ 1.000 nos EUA por exemplo, o equivalente a algo em torno de R$ 5.000. A expectativa da analista é uma tentativa de cobertura pelos planos de saúde, sob o argumento de que a utilização traria uma economia futura para as empresas, que deixariam de gastar com os impactos de saúde da obesidade.

Do ponto de vista médico, Fábio Moura é cético. O médico e diretor da SBEM argumenta que a economia faz sentido, mas que só seria percebida, seja pelos planos de saúde ou pelo SUS, em um longo prazo.

“Você vai precisar esperar de 15 a 20 anos para ver o resultado. Será que nossos políticos vão investir para esperar por isso? Já o plano de saúde, ele precisaria que o paciente fique anos ligado ao plano para compensar”, argumenta.

O risco do ‘uso estético’

A Sociedade Brasileira de Endocrinologia tem uma postura crítica ao uso de medicamentos do tipo para fins estéticos. A entidade defende um maior controle sobre a venda do medicamento.

“O mau uso, uso estético ou inadequado de medicações antiobesidade, além de expor pessoas a risco sem indicação de uso, aumenta o estigma do tratamento de quem já sofre com diversos preconceitos em nossa sociedade”, afirma a entidade, em nota.

Do ponto de vista econômico, uma maior rigidez não preocupa quem aposta no crescimento das fabricantes. “Nos Estados Unidos, há a exigência de prescrição e isso não tem afetado as vendas”, argumenta Mariana Campos.