Como investir em meio a uma política monetária imprevisível?
Pensar no longo prazo fica ainda mais difícil neste cenário
Desde que o atual governo assumiu, o Banco Central (BC) virou alvo permanente de questionamentos quanto à sua independência e à política monetária imprevisível. O presidente Lula, ministros e integrantes de partidos da base aliada, dia sim dia também, criticam o fato de o BC ter autonomia nas decisões da taxa de juros do país.
Por que Lula critica o Banco Central?
O governo petista parte da premissa de que o aumento de gastos públicos e a queda da taxa de juros são o único caminho para o país voltar a crescer, de acordo com declarações do próprio presidente.
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Para financiar essa política econômica expansionista, o governo quer afrouxar as metas de inflação, hoje em 3,25%, na próxima reunião do Comitê Monetário Nacional (CMN), na próxima quinta-feira (16).
Contudo, mesmo que isso ocorra, o BC, por meio do Comitê de Política Monetária (Copom), ainda será o definidor da Selic, a taxa básica de juros do Brasil.
O mandato do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, vai até dezembro de 2024. Mas o governo sinalizou a possibilidade de tentar rifá-lo antes. Em declarações, Lula disse que o “Senado tem poder de tirar o presidente do Banco Central”.
O que você tem a ver com isso?
Pois bem, em meio a tanta imprevisibilidade, quem sofre é o brasileiro. Gustavo Cruz, Estrategista Chefe da RB Investimentos, explica que as incertezas provocam aumento nas taxas de financiamento, prejudicando desde o empresário até o trabalhador.
“Com a possibilidade de uma mudança brusca no BC daqui a dois anos, uma empresa tem dificuldade de captar empréstimos a longo prazo e planejar estrategicamente a longo prazo”, diz.
Ele afirma, ainda, que “o mercado vai te exigir uma taxa muito maior para te emprestar esses recursos, hoje, dada a indefinição do BC”.
De acordo com o estrategista, os impactos na economia geram efeito em cadeia. “Então, não tem investimento, nem expansão do negócio, não tem uma geração de empregos, não há consumo e a economia cresce menos”, afirma.
Aliás, a independência do BC em relação ao poder executivo é um princípio respeitado por uma série de países democráticos e grandes economias do mundo, como os Estados Unidos, a Inglaterra, os países da zona do Euro e também o Brasil.
Aqui, a medida é recente e foi aprovada no Congresso em fevereiro de 2021. O princípio da independência do BC é o controle da inflação. Isto é, reduzir a possibilidade de os governos adotarem medidas populistas que possam prejudicar a economia a longo prazo, vide crises inflacionárias recentes como na Argentina e na Venezuela.
Mas se depender da Câmara dos Deputados, tirar a independência do BC deve ser uma tarefa inglória para o governo. O presidente da Casa, Arthur Lira, já disse que o assunto não será aprovado no Congresso.
O que é política monetária?
Manter a inflação sob controle, próxima à meta de inflação definida para o ano, é o objetivo fundamental do Banco Central (BC).
A meta de inflação é estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN.) Ela é necessária para a estabilidade dos preços, preservando o valor do dinheiro e mantendo o poder de compra da moeda.
Para alcançar esse objetivo, o BC utiliza a política monetária. Ou seja, ações do Banco Central que visam afetar o custo do dinheiro (por meio da definição da taxas de juros) e a quantidade de dinheiro que circula na economia.
No caso do BC, o principal instrumento de política monetária é a taxa Selic, decidida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), colegiado pertencente ao banco.
Já o valor da Selic é a base para os juros cobrados pelos bancos em empréstimos de todos os tipos, desde a outros bancos até mesmo ao cidadão comum.
Manter a taxa de inflação baixa, estável e previsível é, portanto, a contribuição que a política monetária do BC pode fazer para o crescimento econômico e a melhora nas condições de vida da população.
Política monetária: expansionista X contracionista
O crescimento de uma economia depende de uma série de fatores sobre os quais os bancos centrais não têm controle. Entretanto, inflação alta, instável ou imprevisível prejudica o crescimento econômico e o desenvolvimento social.
Basicamente existem duas políticas monetárias, uma que coloca mais dinheiro no mercado, estimulando a oferta de crédito, mas também implicando em riscos de aumento de inflação, que é a política monetária expansionista.
Já quando o governo quer tirar esse dinheiro, para reduzir a inflação, é conhecida como política monetária contracionista.
“Atualmente, a ferramenta mais utilizada pelo BC é conhecida como open market, na qual o Banco Central compra e vende títulos públicos. Quando o Banco Central deseja contrair a economia, (política monetária contracionista) ele vende títulos públicos e reduz o fluxo de moeda, por meio do aumento da taxa de juros”, diz
E prossegue: “Se deseja estimular a economia, ele compra títulos públicos, aumenta o fluxo de moeda em circulação, por meio da redução taxa básica de juros (Selic)”, explica o diretor de Alocação e Distribuição da InvestSmart, André Meirelles.
O que faz o Conselho Monetário Nacional (CMN)?
O CMN é o órgão superior do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Cabe a ele determinar a meta de inflação e todas as diretrizes a serem seguidas pelas instituições financeiras do país. O regime de metas de inflação é adotado pelo país desde 1999.
Aliás, atualmente o CMN é composto pelo ministro da Economia, Fernando Haddad; pela ministra do Planejamento, Simone Tebet; e pelo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Com isso, as reuniões do CMN são mensais, sendo a primeira do novo governo marcada para o dia 16 de fevereiro, próxima quinta-feira.
Já que o governo deseja a redução dos juros pelo BC, a expectativa é que ocorra o afrouxamento da meta para cima dos 3,25% estabelecidos para 2023.
Vale lembrar que a inflação oficial do país em 2022 foi de 5,79% e estourou, pelo segundo ano consecutivo, o centro da meta, estabelecida em 3,5%, que previa teto de no máximo 5%.
Mas, neste ano, a meta tem tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo 1,75% (piso) e 4,75% (teto).
Aliás, no Boletim Focus desta semana, a expectativa para o IPCA para este ano subiu de 5,78% para 5,79%, na nona alta seguida, o que pode frustrar os planos do governo de queda brusca dos juros pelo BC.
O que faz o Comitê de Política Monetária (Copom)
O Comitê de Política Monetária (Copom) é um órgão do Banco Central formado pelo presidente da instituição e a diretoria. Assim, cabe ao Copom a definição da taxa Selic, a partir da meta de inflação estabelecida pelo CMN.
O colegiado se reúne a cada 45 dias para determinar se será preciso aumentar ou reduzir a Selic para perseguir a meta de inflação. Em sua última ata, o Copom manifestou preocupação quanto às incertezas na economia.
“O Comitê avalia que tal conjuntura eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo CMN. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas”, diz trecho da nota. A próxima reunião está marcada para os dias 21 e 22 de março.
Como investir em um cenário imprevisível?
Diversificação
Para Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, o caminho é a diversificação e até mesmo em outros países.
Portanto, ele diz que “a melhor forma de proteger o patrimônio em cenários como esse é a diversificação. Não só de ativos, mas geográfica também, até pelo fato do Brasil representar apenas 2% do mercado financeiro global, enquanto que os EUA representam 70%”.
Fundos imobiliários
O especialista afirma também que fundos imobiliários (FIIs) e ativos ligados a serviços essenciais são alternativas diante de uma política monetária imprevisível.
“Dado que os imóveis costumam acompanhar a inflação [os FIIs são uma boa alternativa]. Além disso, outra opção são projetos que tenham receita atrelada à inflação, como os de infraestrutura. Atrelar o patrimônio à serviços essenciais, como o hospitalar, ou a venda de alimentos, também podem ser alternativas”, explica.
“Por fim, pode-se diversificar a moeda da carteira, através da aquisição de dólar ou demais ativos dolarizados”, diz.
E mais do que isso: para ter uma carteira de investimentos de longo prazo, você depende de alguma previsibilidade. Mas como ter investimentos de longo prazo no Brasil, um país tão imprevisível?
Para Marcus Labarthe, especialista em planejamento financeiro e sócio-fundador da GT Capital, escritório de investimentos credenciado da BTG Pactual, o primeiro ponto é entender a importância de ter uma carteira a longo prazo.
Veja a conversa que tivemos com ele logo abaixo, na Entrevista da Semana:
Renda fixa atrelada a 100% do CDI
Já para Matheus Spiess, analista da Empiricus Research, títulos de renda fixa em 100% do CDI de grandes bancos e títulos públicos atrelados à inflação são boas alternativas.
“E de uma maneira alternativa também tem crédito privado Triple A, que está pagando prêmios interessantíssimos, daí precisa ter uma avaliação de crédito maior e de tolerância à risco do investidor. Moeda forte e metais preciosos são outras versatilidades que o investidor pode buscar, ou até mesmo ações de empresas que conseguem repassar preços mais previsíveis”, afirma.
E para Marília Fontes, sócia e fundadora da casa de análise Nord Research, a melhor forma de se proteger neste momento são investimentos mais conservadores. “Você tem que investir em títulos atrelados ao IPCA, preferencialmente isentos, porque o IR acaba comendo o juro real também”, diz.
Também na mesma linha é o que diz André Alírio, economista da Nova Futura. “Melhor investimento é o que protege o seu patrimônio neste cenário. Você investir em renda fixa pós-fixada seria o movimento mais óbvio, como o pós indexado à Selic ou ao IPCA”, complementa.