Família Steinbruch, da CSN (CSNA3), encerra disputa que já durava 5 anos
Quase cinco anos após tornar pública uma disputa societária, a família Steinbruch informou ontem (22), por meio de um fato relevante, que chegou a um acordo a respeito das participações dos primos Léo e Clarice, representados pela holding CFL, e Benjamin, Ricardo e Elizabeth, do lado da holding Rio Purus, na Companhia Siderúrgica Nacional (CSNA3). As ações ordinárias da siderúrgica fecharam em alta de 3,52%, a R$ 14,42, com o fim do litígio.
O acordo deixa um gosto amargo para Léo e Clarice, uma vez que Benjamin Steinbruch, presidente da CSN, manterá o seu poder e influência em uma das maiores siderúrgicas do país. O valor de mercado da companhia encerrou ontem em R$ 19,1 bilhões, segundo o Valor Data.
A holding CFL Participações passa a ter uma participação direta de 10,25% na siderúrgica, com o acordo divulgado na terça (22), mas que ainda precisa ser aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Esse ramo da família Steinbruch, contudo, não poderá vender sua fatia de uma vez, quando o negócio for aprovado pelo órgão antitruste. Há um impedimento para o início da venda dessas ações, mecanismo conhecido no mercado financeiro como “lock-up”, de nove meses. Após esse período, a holding CFL poderá se desfazer aos poucos dos papéis, apurou o Valor com fontes a par do assunto.
A siderúrgica dos Steinbruch tem como principal acionista a Vicunha Aços, que detém 50,2% do capital votante da CSN. Por sua vez, a Vicunha Aços é 100% controlada pela Vicunha Steel, que tem dois sócios: a Rio Purus, com 60%, e a CFL, com os 40% restantes.
Nos termos do acordo divulgado ontem, a CFL vai sair da estrutura da Vicunha Aços, que pertencerá integralmente à Rio Purus – representada por Benjamin, Ricardo e Elizabeth. Nesse novo desenho, a Vicunha Aços passa a deter 40,9% das ações da siderúrgica.
A Rio Iaco Participações, controlada da Rio Purus, continua a deter participação equivalente a 3,45% da CSN.
Pelo entendimento entre os dois ramos da família, a CFL também se comprometerá a acompanhar o voto da Vicunha Aços em decisões sobre composição do conselho da CSN.
Os dois ramos familiares também são maiores acionistas da Vicunha Têxtil, além do Banco Fibra, diversos empreendimentos imobiliários e do agronegócio.
O Valor apurou que há negociações em curso entre CFL e Rio Purus para definir como será a divisão desses negócios. Há seis meses, os primos entenderam que precisavam baixar a guarda e começaram a desenhar o acordo que foi anunciado ontem, segundo fontes a par do assunto.
A disputa familiar estava gerando apreensão entre os diversos acionistas do grupo, que expressavam preocupação em relação à governança corporativa de uma das maiores siderúrgicas do Brasil.
Em 2021, Benjamin Steinbruch decidiu levar a CSN Mineração à bolsa (B3). Os planos do empresário também são de abrir o capital da CSN Cimentos, que fez importantes movimentos de consolidação para expandir no setor.
A confiança dos investidores, contudo, depende de uma maior transparência entre os acionistas da companhia – e a disputa societária entre os dois ramos era uma questão importante a ser resolvida. Em comunicado ao mercado, a CSN informou que “a companhia acredita que a reforçada estabilidade e previsibilidade em sua governança resultantes do acordo de reestruturação patrimonial beneficiam a todos os seus acionistas” da empresa.
Após o entendimento de que os primos teriam de chegar a um consenso, o advogado José Henrique Longo, do escritório PLKC, passou a intermediar as conversas com o aval de Léo e de Benjamin Steinbruch desde o início do primeiro semestre, de acordo com fontes próximas.
Com o aval entre as partes e com as mudanças que foram acertadas na estrutura de controle da CSN, um novo acordo de acionistas foi assinado por 10 anos entre a Vicunha Aços e a subsidiária da CFL. A Vicunha Aços terá o direito de preferência para compra dos papéis da CFL. Representantes da holding também se comprometem a acompanhar voto da Vicunha Aços em decisões sobre composição do conselho da CSN. Foi o desentendimento sobre os rumos do conselho da CSN e de outros negócios da família que tornou pública a disputa entre os primos em janeiro de 2018.
À época, Benjamin Steinbruch disse que não reconheceria mais o acordo de acionistas do grupo e não aceitou as indicações feitas por Clarice no conselho das companhias dos Steinbruch. Em março daquele ano, Clarice e Léo entraram na Justiça pedindo a dissolução das sociedades que os ramos da família têm nas empresas do grupo.
Antes de a disputa se tornar pública, o ramo da família representado pela CFL já tinha tentado iniciar um processo de desmembramento das empresas, mas havia um impasse sobre quanto valeria participação deles nos diversos negócios do grupo. Em assembleia extraordinária, realizada ontem, o conselho de administração da CSN aprovou o pagamento de R$ 1,56 bilhão em dividendos intermediários. Esse pagamento será efetuado no dia 2 de dezembro.
Neste mesmo dia, a CSN vai depositar a última parcela dos dividendos aprovados em abril, no valor de R$ 452,2 milhões. Nos dividendos que deverão ser aprovados para 2023, os acionistas da CFL deverão receber o valor correspondente à participação que passaram a deter na siderúrgica, de 10,25%, de acordo com as fontes.
Procurados, Paulo Lazzareschi e Caio Bolina, advogados da Rio Purus, confirmam o acordo concluído entre os dois ramos da família, mas reforçaram que a vigência dessa nova estrutura somente deverá ser efetivada após o Cade aprovar a operação.
Os advogados José Henrique Longo e Fernanda Ferrari, do PLKC Advogados, que também atuaram na negociação, não comentaram o assunto. A defesa da CFL, representada pelos escritórios Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados e Cescon Barrieu, não retornou os pedidos de entrevista.
Contexto
O conglomerado da família Steinbruch foi criado nos anos 1960 pelos irmãos Mendel (pai de Benjamin, Ricardo e Elisabeth), que morreu em 1993, e Eliezer (pai de Clarice, Léo e Fabio).
Os Steinbruch também foram sócios do empresário Jacks Rabinovich, que se desfez de sua participação em 2005. Os desentendimentos entre os herdeiros da família Steinbruch ganharam força com a morte de Eliezer, em 2008.
O acordo de acionistas entre os dois ramos da família foi firmado em 1994, após a morte de Mendel.
O contrato estabelecia que 60% do capital da Vicunha e da CSN seriam de propriedade de Mendel e seus herdeiros e 40% da família de Eliezer.
Nos demais negócios, a divisão seria de 55% para Mendel e 45% para Eliezer. Esse modelo perdurou algum tempo, até que as brigas entre os primos afloraram, envolvendo principalmente a gestão e representação no conselho de administração da CSN.
A CSN, siderúrgica de aços planos localizada em Volta Redonda (RJ), foi criada em abril de 1941 pelo presidente Getúlio Vargas. Após muitos embates, e muitas greves, foi privatizada em 1993.
Ao deixar de ser estatal, tornou-se, ao longo das últimas três décadas, no ativo de maior visibilidade e relevância entre todos os negócios dos Steinbruch. No processo de privatização, o consórcio liderado pelo grupo Vicunha, sob o comando de Benjamin Steinbruch e seu pai, junto com o sócio Rabinovich, arrematou a empresa que era um símbolo da siderurgia brasileira.
O consórcio tinha como parceiros da Vicunha – uma empresa tradicional do ramo têxtil – o fundo de pensão Previ e o banco Bradesco, entre outros grupos, que anos depois saíram do bloco de controle da empresa via um processo de “descruzamento societário”. Todos eram acionistas da Vale, privatizada em 1997 sob a liderança da CSN.
Após desentendimentos, os Steinbruch e Rabinovich ficaram com a siderúrgica e os demais sócios com a mineradora. Desde 1993, até os dias de hoje, a CSN passou por muitas mudanças, indo além do aço. Começa uma nova era, com modernização das instalações, emissão de ADRs de nível I e ações no nivel II na Bolsa de Nova York, investe na geração de energia, em ferrovias (Transnordestina e MRS), em embalagens de aço, na fabricação de aços galvanizados para o setor automotivo e para a construção civil e na mineração de estanho.
Em 2001, a empresa inicia o plano de internacionalização, com aquisições de siderúrgicas nos Estados Unidos e em Portugal. Em 2012, comprou a SWT, de aços longos, na Alemanha. A partir de 2007, a CSN dá partida ao projeto de ser a quinta maior mineradora de ferro do mundo, explorando a rica jazida Casa de Pedra, em Minas Gerais.
Cria a Namisa, que depois se tornaria a CSN Mineração, vindo a abrir o capital na B3 em fevereiro do ano passado. Outro passo relevante foi a entrada no setor de cimento, com uma fábrica em Volta Redonda, em 2009. No ano passado, chegou à posição de segunda maior cimenteira do país ao comprar os ativos da LafargeHolcim, logo após assumir a Cimento Elizabeth.
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