Gastos salariais no futebol brasileiro: o problema não está aí

É fundamental calibrar custos e despesas, buscar maior eficiência e controlar as dívidas

Um dos temas que sempre chama a atenção nas discussões sobre a condição financeira dos clubes são os salários no futebol. Há uma ideia geral de que os clubes gastam muito, e que é isto o que dificulta a vida dos clubes. Como regra geral, não é. Com base nos dados do Relatório Convocados / Galapagos Capital 2024 vamos debater sobre o tema.

Gastos no futebol

Primeiramente, precisamos reforçar que a atividade central de um clube de futebol é montar uma equipe e disputar competições, cujo objetivo é obter o melhor desempenho possível nas competições.

Logo, é mais que natural que a maior parte dos custos e despesas estejam associadas à prática do futebol.

Seguindo esta linha, os custos básicos estão ligados ao pagamento de salários no futebol, encargos e premiações para atletas e equipes técnicas.

Na sequência, temos os custos operacionais, com deslocamentos, alimentação, manutenção das estruturas.

A partir daí, obviamente que não são supérfluos, mas os custos e despesas deveriam ser controlados, pois cara real alocado na gestão administrativa, ou numa comissão desnecessária, é menos dinheiro na atividade-core.

Empresas de setores tradicionais trabalham de forma diuturna na busca por eficiência na gestão de custos e despesas, de forma a maximizar o retorno econômico.

No futebol acabamos perdendo o foco, questionando o aporte de recursos onde deveria, e ignorando o que vai para fora da atividade.

Salários no futebol

Dito isso, vamos ver como se comportaram os clubes nos últimos dois anos em relação aos custos com pessoal.

Já temos uma informação importante: os gastos com salário no futebol, que incluem toda a estrutura, inclusive administrativa e de esportes olímpicos, gira em torno dos 50% das receitas, quando analisamos de forma consolidada os números da Série A.

Ao mesmo tempo, outros custos e despesas, que incluem os gastos com logísticas e de gestão da atividade, mas também comissões e despesas de outras ordens, cuja mais relevante sempre é a famosa “Serviços Profissionais”, chegaram a 18% das receitas em 2021.

Porém, bateu 28% em 2023, retomando o percentual de 2019.

Ou seja, os eventuais efeitos positivos de cortes de custos da pandemia já foram abandonados.

Vamos, então, explorar um pouco mais os números por clube.

Salários no Flamengo em destaque

Na tabela abaixo, você observa que o Flamengo tem a maior folha salarial do futebol brasileiro, mas percentualmente é a segunda menor, representando 37% das receitas, conforme a lista.

Já o Bahia apresentou a 6º menor folha de 2023, mas a maior em relação às receitas: 85%

Se considerarmos que a média ponderada da Série A de 2023 foi de 51,4%, a maior parte dos clubes opera menos de 10 pontos percentuais acima da média, o que não chega a ser um absurdo, considerando que falamos da prática de futebol profissional. É o custo do insumo.

A situação do Corinthians

Curiosamente, o clube que tem menos relação entre custos com pessoal e receitas é o Corinthians, e mesmo assim é um clube com enormes dificuldades financeiras.

O problema, obviamente, não está na folha, mas outras despesas, que têm o mesmo volume dos custos salariais.

Ou seja, o clube direciona receitas para outros gastos que não a folha. Além, claro, de ter uma dívida imensa que gera volumes relevantes de despesas financeiras.

Como são os salários no futebol europeu?

E se compararmos o que se pratica no Brasil com as principais ligas europeias? Vamos ver, mas antes uma explicação: muitos torcedores já ouviram que na Europa, especialmente no sistema de controle financeiro da UEFA, há uma limitação de gastos com salário a 70% das receitas. Não é bem assim. Os 70% incluem salários, encargos e amortizações de direitos de atletas.

Quando se contrata um jogador, o clube registra o valor da multa no ativo intangível, e lança a resultado um valor anual de acordo com o tempo de contrato.

Por exemplo, se pagou 100 num jogador e tem contrato de 5 anos, o clube lança 20 de despesas anuais por 5 anos.

Ou seja, os 70% não são de custos salariais, mas de gastos com atletas.

Discordo dessa metodologia, porque mistura aspectos caixa e não caixa, e não controla muita coisa, uma vez que o maior impacto se dá no valor pago pela contratação, que nem sempre tem o mesmo prazo de contrato. Mistura banana com laranja.

A melhor forma de controlar é pela dívida, e pelo percentual de contratações em relação à receita. Mas isso é tema para outra coluna, e o importante é ressaltar que os 70% não são totalmente de salários.

Os salários no futebol espanhol

Na tabela abaixo temos um panorama amplo de comparação entre a Série A brasileira e as 5 maiores ligas europeias. E no quesito gastos com Pessoal, nossos 51% estão em linha com a Espanha, pouco superior à Alemanha, e inferior às demais ligas.

Isto acontece porque na Europa os clubes são essencialmente de futebol, enquanto no Brasil possuem outras atividades esportivas, além dos clubes sociais. O que permite aportar mais dinheiro na atividade principal, mas nada que fuja demais ao que fazemos no Brasil.

Acompanhe:

Logo, nosso comportamento não é perdulário, nossos gastos não são absurdos, e o problema do futebol está mais no que se faz com o restante da estrutura.

É fundamental, portanto, calibrar os custos e despesas gerais, buscar maior eficiência de gestão, e controlar as dívidas. Novamente elas.

E, claro, saber gastar, pois mais que gastar muito, é fundamental que os clubes brasileiros comecem a gastar melhor.