Reajuste de salário na Petrobras (PETR3; PETR4) cria polêmica

Conselho da Petrobras aprovou aumento de 43,88% para diretoria, cujo presidente sinaliza mudanças na política de preços dos combustíveis

Empresas citadas na reportagem:

A proposta de reajuste de salários da administração da Petrobras acendeu uma discussão sobre qual é o valor justo a ser pago para executivos da empresa, no momento em que se discute como deve ser a atuação futura da petroleira. Se por um lado busca-se corrigir a remuneração dos gestores da Petrobras, para aproximar mais os vencimentos dos executivos ao rendimentos de mercado, algo típico de uma empresa privada, por outro a companhia sinaliza que pode rever a política de paridade de preços da gasolina e do diesel em relação ao mercado internacional, o que remete ao seu lado estatal. Na semana passada, o conselho da companhia aprovou o reajuste da remuneração fixa dos administradores em 43,88%, relativo ao INPC acumulado de 2013 a 2022.

Em comparação com outras empresas que integram o Ibovespa, a Petrobras paga a seu presidente uma remuneração mais alta que a de companhias estatais. Mas abaixo da praticada pelas maiores empresas de capital aberto do país. As dez empresas com maior valor de mercado que integram o principal índice da B3 pagaram, em média, R$ 23,9 milhões a seus presidentes em 2021, incluindo remuneração fixa e variável. No caso da Petrobras – que também faz parte da lista -, este montante foi de pouco mais de R$ 3 milhões naquele ano. As cifras, individualizadas por empresa, constam de levantamento feito pelo especialista em governança corporativa Renato Chaves em conjunto com a Fundação Getulio Vargas (FGV).

A proposta de reajuste para a alta administração da Petrobras, ainda sujeita a aprovação dos acionistas em assembleia marcada para 27 de abril, elevaria o salário mensal do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, para cerca de R$ 165 mil e o da diretoria, para um patamar pouco abaixo desse montante, conforme apurou o Valor. A Assembleia Geral Ordinária (AGO) também analisará os nomes do novo conselho de administração. Os reajustes, se aprovados, vão valer para os conselheiros que tomarem posse em abril e para a nova diretoria que deve assumir nesta quinta-feira (30).

Em nota, a Petrobras disse que “a proposta de montante global dos Administradores para o período de abril de 2023 a março de 2024 totaliza R$ 54,2 milhões, o que equivale a aumento de 37,1% em relação ao aprovado pela AGO de 2022, em decorrência, principalmente, da correção de 43,88% na remuneração fixa dos administradores da companhia (diretoria executiva e conselheiros de administração), que estava congelada desde 2016”.

O montante provisionado para remuneração global – os R$ 54,2 milhões – representa um valor máximo possível para desembolso, diz a estatal, acrescentando que este total inclui ainda “parcelas remanescentes referentes ao Prêmio Por Performance de ex-membros da diretoria em anos anteriores”. E, também, valores que, na prática, podem não ser efetivamente desembolsados, como os da quarentena remunerada de ex-diretores e conselheiros.

De acordo com a Petrobras, a decisão do conselho de reajustar salários dos executivos levou em consideração os resultados positivos obtidos pela companhia e a defasagem da remuneração do presidente da Petrobras equivale a 19% da mediana da remuneração total anual de seus pares no mercado; e dos diretores equivale a 55% e a dos conselheiros a 26% do que o mercado similar pratica”, diz a empresa.

Na visão de Alexandre Di Miceli, fundador da consultoria Virtuous Company, é um equívoco a Petrobras ou qualquer outra empresa se ater “cegamente” a parâmetros de mercado na hora de estabelecer a remuneração dos executivos: “Esse é um dado inicial, mas cada empresa tem sua particularidade”, diz o consultor. “Nenhuma empresa quer ficar abaixo da média”. Com isso, cresce cada vez mais a lacuna entre a remuneração média das empresas e aquela paga aos executivos.

O aumento de 43,88% nos salários dos executivos da Petrobras depende do aval da Secretaria de Controle de Empresas Estatais (Sest), que ainda não se manifestou sobre o tema. A diretoria-executiva da Petrobras recebe, além do salário fixo, uma remuneração variável, anual, que, em média, gira em torno de dez salários. A remuneração variável depende do resultado da empresa e de métricas serem atingidas e o valor a ser recebido pelos executivos pode variar. Os conselheiros de administração, por sua vez, recebem um valor fixo equivalente a 10% daquele pago ao presidente da companhia, por mês.

No caso da Eletrobras, privatizada em 2022, os salários da diretoria-executiva da companhia foram reajustados em 130% a partir da aprovação pelos acionistas, em dezembro, de uma proposta de aumento da remuneração. A justificativa dos reajustes era de que os salários baixos dificultavam a busca de nomes de mercado para compor o quadro de executivos na empresa. O tema gerou controvérsia porque a Eletrobras estava promovendo um plano de desligamento voluntário (PDV) e alimentou questionamentos sobre qual deve ser o nível salarial ideal de executivos de companhias estatais.

Empresas controladas pelo Estado oferecem remuneração mais baixa na comparação com companhias privadas, diz Renato Chaves, autor do levantamento. Já a remuneração tende a ser mais elevada em companhias do setor financeiro e em empresas de atuação global, acrescenta ele. O estudo de Chaves e da FGV leva em consideração o salário fixo e a remuneração variável pagos aos executivos, e não inclui benefícios.

De acordo com esses critérios, a remuneração total do presidente da Petrobras em 2021 foi superior à de outras companhias abertas de controle estatal, como Copel, Sabesp e Cemig e Banco do Brasil. No entanto, a petroleira fica muito aquém dos valores pagos por grandes empresas dos segmentos financeiro e de mineração, como Santander, Itaú Unibanco e Vale. A petroleira britânica BP, por sua vez, pagou em 2021 ao seu principal executivo £ 3,75 milhões em salários mais bônus. O montante equivale a R$ 28,24 milhões com base na taxa de câmbio de 31 de dezembro daquele ano.

Na Petrobras, enquanto busca aproximar a remuneração da alta administração daquela praticada pelo mercado, a companhia reluta em adotar como referência as cotações internacionais do petróleo. Na semana passada, Prates reiterou fala na qual considera o preço de paridade de importação (PPI) uma referência para a avaliação de reajustes (positivos ou negativos), mas disse não aceitar a política como um “dogma”. Ele ressaltou que a empresa vai disputar “cada palmo, cada milímetro do mercado”, o que significa reduzir preços quando necessário, para não abrir espaço para concorrentes.

Não há por lei uma limitação aos salários dos executivos da Petrobras. Por ser uma sociedade de capital misto, a remuneração dos colaboradores da petroleira não está sujeita, por exemplo, ao teto salarial do funcionalismo público, explica a advogada Thaís Marçal. Isso porque a companhia não integra a administração pública direta, acrescenta Marçal, que também ocupa a secretaria-geral da comissão de assuntos regulatórios do conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Empresas públicas de economia mista fazem parte da administração indireta”, diz a especialista.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da Resolução nº 80/2022, manteve a orientação da Instrução nº 480, de 2009, no que se refere ao dever de divulgação da remuneração. As companhias de capital aberto têm a obrigação de divulgar o salário mínimo, máximo e médio de seus executivos. Pela Constituição Federal, ficam sujeitas ao teto do funcionalismo apenas as chamadas “estatais dependentes”, aquelas em que o pagamento de pessoal ou de despesas de custeio dependem do aporte de recursos públicos, o que não é o caso da Petrobras.

“No caso de uma empresa do setor de energia de porte médio ou grande, um salário entre R$ 150 mil e R$ 170 mil pode ser considerado ‘super tranquilo’”, diz Fabiano Kawano, diretor da operação no país da empresa britânica de recrutamento Robert Walters. Entre as maiores empresas do Ibovespa, exemplifica Kawano, a remuneração mensal de altos executivos gira em torno de R$ 1 milhão por mês, somando-se o salário fixo e os bônus variáveis e dividindo-se o total por 12 meses.

Embora os salários estejam aquém do que se paga no segmento de óleo e gás os próprios petroleiros do “chão de fábrica” criticam o reajuste: “A Federação Única dos Petroleiros (FUP) entende que um aumento dessa magnitude, além de representar a enorme disparidade em relação a qualquer salário de funcionários de outras empresas públicas ou de economia mista, como é o caso da petrolífera, também ressalta a diferença de tratamento que o conselho de administração da empresa dá à categoria petroleira, que, desde 2016, encontra-se sem ganho real de salário”, diz a entidade.

Por Rodrigo Carro e Fábio Couto

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