R$ 700 milhões: a remuneração dos executivos da Americanas (AMER3) em 10 anos

Bônus eram baseados em resultados que hoje são questionados; em proventos, empresa distribuiu R$ 1,9 bi

Ao longo da década em que a Americanas mascarou uma dívida de R$ 20 bilhões, naquele que já é um dos maiores escândalos contábeis do mercado de capitais brasileiro, os executivos da varejista amealharam ao menos R$ 700 milhões em remuneração (incluindo salários, bônus de desempenho e pagamento em ações ou opções), mostra um levantamento feito pelo Pipeline a partir dos dados disponíveis nos formulários de referências da companhia.

Considerando a média de 18 diretores por ano (Lojas Americanas e B2W), foram R$ 3,9 milhões para cada por ano ou quase R$ 40 milhões por cabeça em uma década. Embora não seja uma remuneração média anual muito acima do praticado entre as empresas listadas do setor, parte relevante dos valores estava atrelada a metas de resultados, uma das linhas do balanço majoradas pelas “inconsistências contábeis” (traduzidas como fraude pelos bancos credores).

R$ 1,9 bi em dividendos em JCP

Os acionistas também foram remunerados a partir desses resultados que são hoje questionados, com boa parte dos proventos indo para os antigos controladores e também remunerando o patrimônio em ações dos executivos do alto escalão.

O pagamento à diretoria equivale a 34% de tudo o que os investidores receberam em proventos no mesmo período. Na década, Lojas Americanas e a antiga B2W — dona do CNPJ que hoje representa a atual Americanas S.A. — distribuíram R$ 1,9 bilhão em dividendos e juros sobre capital próprio (JCP), de acordo com uma compilação do TradeMap. O grosso dos dividendos foi pago pela Lojas Americanas (que concentrava a operação das lojas físicas), uma vez que a B2W quase sempre registrava prejuízos.

Nesse período, diretores, conselheiros e controladores levantaram R$ 464 milhões com a venda de ações da companhia (Lojas Americanas ou B2W), de acordo com dados dos 358 formulários compilados pela Economatica a pedido da reportagem. Mais da metade desse volume veio de vendas de ações por parte dos diretores no segundo semestre do ano passado.

Os então diretores levantaram R$ 241,5 milhões com a venda de papéis em 2022, um ritmo muito mais intenso do que na década toda. As transações foram feitas entre agosto e outubro, depois que as ações da companhia dispararam em reação à indicação de Sergio Rial como CEO.

No contracheque, apenas na Lojas Americanas, a diretoria recebeu R$ 448,6 milhões de remuneração entre 2011 e 2020, enquanto o conselho de administração recebeu R$ 28,8 milhões nesse mesmo intervalo e os acionistas, R$ 1,3 bilhão em proventos. A partir de 2021, os dados da Lojas Americanas passaram a ser consolidados pela Americanas SA (ex-B2W), que incorporou a antiga controladora para aproveitar os prejuízos acumulados da operação digital.

Na antiga B2W (atual Americanas SA), a diretoria ficou com R$ 240 milhões entre 2012 e 2021. Os conselheiros receberam R$ 8,6 milhões, mostra o levantamento feito pela reportagem. Para 2022, a previsão era de uma remuneração de até R$ 59,9 milhões para a diretoria da empresa combinada, mas o valor que será efetivamente pago só será conhecido após a aprovação das contas pelos acionistas, o que agora está em xeque.

Qual executivo de Americanas era mais bem pago?

Até 2016, não era possível saber a remuneração do executivo mais bem pago das duas empresas, somente o montante total da administração. Lojas Americanas e B2W (assim como outras companhias brasileiras) tinham uma liminar que as eximia de cumprir a norma da CVM que exige a divulgação da remuneração máxima e média. Mas os dados mais recentes que estão disponíveis mostram que os executivos não recebiam uma quantia muito diferente dos administradores de concorrentes como Magazine Luiza e Via (dona de Casas Bahia e Ponto Frio).

Miguel Gutierrez, o longevo CEO da Americanas (o executivo liderou a companhia por duas décadas e só deixou o comando em dezembro, passando o bastão a Rial), recebeu R$ 19,4 milhões em 2020. Na B2W, o CEO Marcio Cruz recebeu R$ 9,3 milhões no mesmo ano. Em comparação, o executivo mais bem pago do Magalu — Frederico Trajano, provavelmente — recebeu R$ 30,3 milhões. Na Via, Roberto Fulcherberguer ficou com R$ 22,8 milhões.

Desde que os dados de remuneração máxima e média estão disponíveis, a Lojas Americanas reportou um pagamento médio anual entre R$ 5,8 milhões e R$ 6 milhões por diretor, enquanto na B2W a remuneração média passou a maior parte dos anos na casa de R$ 3 milhões, mas teve um pico de R$ 9,7 milhões em 2014 (rescisões podem afetar essa conta).

Na concorrência, a remuneração média dos diretores também chegou a ser até maior em alguns anos. Na Magazine Luiza, o pagamento anual por diretor ficou entre R$ 4 milhões e R$ 15 milhões de 2017 a 2021, segundo dados da Economatica. Na Via, a remuneração média oscilou de R$ 6,6 milhões e R$ 16,4 milhões.

Vale ressaltar que os pagamentos baseados em ações (parte relevante da remuneração) são registrados pelo valor justo na data da outorga dos instrumentos e diferidos pelo período de vesting do programa, e não necessariamente é o montante em caixa recebido pelos executivos. Na Americanas, 35% da remuneração total da diretoria foi paga em ações em 2020, ao passo que essa proporção representou 69% na Magazine Luiza e 41% na Via.

Ainda não se sabe o período exato das tais inconsistências contábeis, mas a referência dada ao mercado por Rial é que podem remontar a coisa de “sete ou 10 anos”, por isso o recorte neste levantamento. No ano, as ações da Americanas já caíram 80%. A companhia está avaliada em apenas R$ 1,7 bilhão.

Por Luiz Henrique Mendes, do Pipeline

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