‘Brasil traz mensagem de que está de volta ao protagonismo climático’, diz Marina Silva
Acho que a grande mensagem é que o Brasil está de volta ao protagonismo no multilateralismo ambiental climático”, diz a deputada federal eleita (Rede-SP) Marina Silva, que chegou à COP 27, em Sharm El Sheikh, referindo-se à esperada participação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que chega ao Egito na semana que vem.
“A grande mensagem que vai vir é o tripé da prosperidade econômica com justiça social e proteção ambiental”.
“O Brasil vem para essa COP com o compromisso da campanha do presidente Lula de que haverá tolerância zero com o desmatamento ilegal e criminoso, para que se chegue ao desmatamento zero. E com um alto compromisso com o enfrentamento da mudança climática”, adianta a ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora.
“A postura do Brasil, pelo discurso do presidente, é a de que vamos ajudar a fazer história e não mais a velha chantagem de que só vamos fazer alguma coisa para proteger as florestas e os indígenas se nos pagarem. O Brasil quer cooperação, quer apoiar e ser apoiado. Mas isso não é uma condição para fazermos o dever de casa na proteção das florestas”, continua.
Ela acredita que o Fundo Amazônia será reaberto e que a reconstrução do Ministério do Meio Ambiente dependerá, primeiro, de colocar as pessoas certas no lugar certo.
Em seu primeiro dia na COP 27, Marina Silva teve uma agenda intensa. Encontrou John Kerry, o enviado especial do clima da Casa Branca, Francia Márquez, vice-presidente da Colômbia e uma equipe do Banco Mundial tendo à frente Carlos Felipe Jaramillo, vice-presidente para a América Latina e Caribe. A seguir alguns trechos da entrevista que ela concedeu ao Valor na sala do Brazil Climate Action Hub, o espaço da sociedade civil brasileira na COP 27:
A sra. tem dito que a participação do Brasil na COP 27 será histórica. Por quê?
Marina Silva: Primeiro porque o 60 milhões de brasileiros decidiram que queremos continuar como uma democracia e que não queremos políticas que não considerem o grave problema da mudança climática, do desafio de proteger as florestas e de proteger seus verdadeiros guardiões, que são os povos originários. O Brasil vem para essa COP com o compromisso da campanha do presidente Lula de que haverá tolerância zero com o desmatamento ilegal e criminoso, para que se chegue ao desmatamento zero. E com um alto compromisso com o enfrentamento da mudança climática. Ao combater o desmatamento, o Brasil voltará a dar uma grande contribuição, como já deu, na redução da emissão de CO2.
A situação de hoje, de reduzir o desmatamento na Amazônia, é diferente de quando a senhora era ministra?
Marina Silva: A situação é muito mais grave porque há o desmonte das políticas, das estruturas e dos orçamentos que foram a base do combate do desmatamento que levou à redução de 83% por quase uma década. É mais grave porque os setores criminosos foram empoderados no discurso e na sinalização de mudança da lei para favorecê-los.
Por outro lado, temos a experiência anterior, que foi a base para o enfrentamento em 2003, quando não se tinha nada. Foi criado tudo do zero. Agora temos uma política que deu certo, e que se atualizada à luz das novas necessidades, com certeza dará certo de novo.
O que a senhora acha que será a grande mensagem do presidente eleito Lula aqui na COP 27?
Marina Silva: Acho que a grande mensagem é que o Brasil está de volta ao protagonismo no multilateralismo ambiental climático. Essa é a expectativa que está posta e o que ele falou no seu discurso: do enfrentamento da mudança climática, do combate ao desmatamento para chegar ao desmatamento zero, e de tudo isso junto ao enfrentamento das desigualdades sociais.
A grande mensagem que vai vir é o tripé da prosperidade econômica com justiça social e proteção ambiental. E que a política climática estará no mais alto nível das prioridades do governo. A proteção das florestas e a proteção dos povos originários. Associando tudo isso à questão da segurança alimentar. O Brasil vê o enfrentamento da mudança climática como uma forma de contribuir com a segurança alimentar. Porque o aumento da temperatura da terra leva à perda de territórios produtores de alimentos. É só ver o que já está acontecendo na África subsaariana e em outras regiões do mundo, inclusive no próprio Brasil. Já temos um encurtamento do período chuvoso. Enfrentar o problema da mudança climática é ajudar na segurança alimentar do planeta e, particularmente, na nossa.
A senhora também tem dito que o Brasil vem a essa COP com outra postura.
Marina Silva: A postura do Brasil, pelo discurso do presidente, é a de que vamos ajudar a fazer história e não mais a velha chantagem de que só vamos fazer alguma coisa para proteger as florestas e os indígenas se nos pagarem. O Brasil quer cooperação, quer apoiar e ser apoiado. Mas isso não é uma condição para fazermos o dever de casa na proteção das florestas.
Queremos investimento para bioeconomia, queremos tecnologia para bioeconomia, queremos abertura de mercados. Isso queremos. Mas não é mais a lógica da chantagem.
Hoje a ligação entre meio ambiente e comércio é muito forte. Como a senhora vê isso?
Marina Silva: A prova disso é que o acordo do Brasil e da União Europeia com o Mercosul não se viabilizou em função do não cumprimento de compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris. Isso tem um prejuízo para o interesse comercial do Brasil e dos países que fazem parte do acordo da União Europeia. Hoje cada vez mais os investimentos estão de olho na segurança jurídica, no ambiente de negócios seguro, o que pressupõe também o enfrentamento da questão climática, do desmatamento e da violência contra os povos originários.
Como seria a autoridade nacional para risco climático?
Marina Silva: É uma proposta que foi apresentada naquele conjunto de propostas da nossa reaproximação política programática. É uma estrutura técnica para tratar da implementação das metas do Brasil, da capacidade de resiliência que temos que ter e adquirir em relação às ações voltadas para a mitigação, adaptação e todas essas agendas. Mas, principalmente, a redução das emissões e o cumprimento das metas que o Brasil assumiu no Acordo de Paris, e que não estão sendo cumpridas pelo atual governo.
Eu comparo a autoridade climática com os controladores da meta de inflação. Terão autonomia para verificar aonde não está sendo cumprido o objetivo climático, e qual é o vetor de inflação climática.
Como está sua agenda nesta COP?
Marina Silva: Encontro as pessoas em festa nessa COP, as pessoas estão em espírito de celebração.
Quem virá com o presidente eleito?
Marina Silva: Creio que Celso Amorim e Aloizio Mercadante, que estão responsáveis pela coordenação dessa agenda.
Como foi a conversa com John Kerry?
Marina Silva: Foi uma iniciativa dele, e uma conversa bastante positiva no sentido da sinalização que ele trouxe. Primeiro saudando a vitória do presidente Lula, mas já sinalizando fortemente o interesse do governo americano em estabelecer e aprofundar parcerias com o Brasil em várias frentes.
O Fundo Amazônia irá reabrir, certo?
Marina Silva: Acho que isso já está sinalizado pela Alemanha e Noruega. Estão bastante motivados para que aconteça o quanto antes. Da parte do governo brasileiro, com certeza. Ampliar esse fundo será importante, para além da Noruega e da Alemanha, buscar novos parceiros.
A reconstrução do Ministério será difícil?
Marina Silva: Sim, mas tem uma parte que depende muito do governo. Recompor as equipes, por exemplo. Colocar as pessoas certas nos lugares certos.
A senhora foi sondada para ser ministra?
Marina Silva: O que está acontecendo é o esforço da transição. O governo está focado. Achei que foi ótimo Alckmin (vice-presidente eleito Geraldo Alckmin) estar coordenando, com Gleisi (Hoffmann) e Mercadante (Aloízio). Foi uma sinalização do presidente Lula para a Frente Ampla. O que posso dizer é que estou muito feliz com as propostas que apresentei e que foram assumidas pelo presidente em um ato público. E por tudo o que ele fez na campanha colocando o tema da Amazônia, do desmatamento, dos biomas, da questão climática, dos povos originários, do desenvolvimento sustentável. E de que a política ambiental vai ser transversal, no mais alto nível.
Aqui se fala muito dessa “Opec das florestas”, uma aliança entre o Brasil, a Indonésia e o Congo. O que acha disso?
Marina Silva: Se for para pensar a necessidade da proteção das florestas de um modo geral, essa preocupação é legítima, e o Brasil tem muito a contribuir, pelo o que já fez e por ser um país megaflorestal. Mas eu não conheço essa proposta. Tenho uma dificuldade até com a metáfora – “Opec das Florestas”. Opec é um cartel e um grande vetor de emissão. Florestas pressupõem uma ação que terá que ser necessariamente solidária e são vetores de sequestro de carbono e não de aumento de emissão, pelo menos na lógica de protegê-las. Mas não conheço com profundidade a proposta.
Por Daniela Chiaretti
A jornalista viajou à COP 27 a convite do Instituto Clima e Sociedade e do Instituto Arapyaú
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