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Análise: Lula busca mitigar desconfianças do empresariado, mas sem abrir mão de gastos sociais
Na reta final do primeiro turno, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aposta suas fichas em iniciativas nas quais procura demonstrar ao mercado financeiro e ao empresariado mais moderação e disposição para o diálogo.
Trata-se de uma derradeira tentativa de contraditar o discurso, cada vez mais frequente entre integrantes graúdos do PIB nacional, de que uma possível vitória do petista no domingo (2/10) o empoderaria politicamente para impor uma agenda mais heterodoxa e menos alinhada ao que esperam os investidores para a formação de eventual governo.
Chegou ao QG lulista a informação de que altas rodas da elite econômica observam com apreensão a chance de um triunfo do ex-presidente na primeira fase do pleito, que supervalorizaria seu capital político e o liberaria de assumir compromissos com a responsabilidade fiscal e com a segurança jurídica para investimentos.
Na visão desses interlocutores, haveria uma “torcida” de parcela significativa dos centristas do sistema financeiro para que um segundo turno forçasse Lula a antecipar medidas, equipe e premissas de uma possível terceira gestão.
As desconfianças aumentaram depois que o PT anunciou que não apresentará um texto final do programa de governo, cujas diretrizes vieram à tona no início da campanha. Depois de quase um mês de debates internos para revisão do documento, a coligação que sustenta a candidatura de Lula avaliou que apresentar o material na reta final traria mais ruídos e prejudicaria o esforço pela ampliação do voto útil.
“Do jeito que está, o pessoal está achando que é um cheque em branco”, afirmou um desses operadores diretamente ao ex-presidente.
Veja bem
Além dos apoios, em doses homeopáticas, divulgados por economistas respeitados no mercado como André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, e do ex-ministro Henrique Meirelles, idealizador do teto de gastos, o ex-presidente tem se dedicado a conversas com empresários mais próximos e até com antigos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), que procuram criar pontes com a sua campanha.
Nesta terça-feira (27), um grupo de economistas ligados a diversas instituições brasileiras e internacionais assinou um documento de apoio a Lula no primeiro turno em demonstração de “proteção à democracia”.
A sequência de movimentos de Lula, que aceitou convite do grupo Esfera, organização que reúne alguns dos peso-pesados do PIB, para debater na semana em que tem se poupado física e mentalmente para o debate da TV Globo, mostra que o petista está empenhado em dar sinais de prudência na condução da política econômica, caso saia vitorioso.
Lula levou ao evento referências na interlocução da área como o banqueiro Gabriel Galípolo e o ex-ministro Aloizio Mercadante, responsável pela coordenação do programa de governo. Também apresentou Geraldo Alckmin, seu vice, como uma espécie de formulador no segmento — o que foi entendido por muitos como indicativo de que o ex-tucano teria papel decisivo na escolha da eventual equipe, apesar dos entraves políticos de um cargo de expectativa ganhar esse protagonismo.
Antes, contudo, fez um discurso para ex-tucanos que declararam apoio à sua candidatura no qual deixou claro que não pretende descumprir as promessas de campanha, sobretudo para a população mais pobre, e que não teme o “risco fiscal”.
Depois de reafirmar que não precisa do teto de gastos, ressaltou a preocupação que ele tem com a popularidade no início do governo, em caso de vitória nas urnas, mirando sobretudo o que tem acontecido com a esquerda latino-americana.
“Não aceito a ideia de que ‘olha, presidente tem que tomar cuidado porque a questão fiscal, porque o risco fiscal, porque é perigoso… Não pode investir em educação, em ciência e tecnologia. Não pode investir em nada. E tudo que a gente prometeu, a gente vai ter dizer ‘agora não dá’… Isso não funciona”.
Mais adiante, Lula disse que terá que reunir condições políticas para seguir rigorosamente o programa que foi usado nos discursos, em especial aquilo que vem prometendo aos mais pobres.
Por mais que ele agora tente selar um pacto com o empresariado, de olho no voto útil, não dá para esperar um governo, caso eleito, que siga rigorosamente a cartilha do sistema financeiro.
Nesse aspecto, questões como o reajuste real do salário mínimo, o auxílio de R$ 600 ou mais e as mudanças prometidas no Imposto de Renda não parecem ser negociáveis na lista de prioridades de uma eventual gestão do petista. E nada disso, diga-se, cabe no Orçamento de 2023 nas atuais condições de temperatura e pressão.
(Por Fábio Zambeli, analista-chefe do JOTA em São Paulo)
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