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Análise: Falta clareza nas propostas para a saúde na campanha eleitoral
O vencedor do segundo turno das eleições em 30 de outubro terá enormes desafios na área da saúde. A imagem do SUS fortaleceu-se durante a pandemia e o apoio ao sistema criado na Constituição Federal de 1988 cresceu, mas a proposta de orçamento para 2023 aponta para cortes nessa área que, mais do que nunca, precisa de recursos.
Os reflexos da Covid-19 serão sentidos por muito tempo, seja pela forma prolongada da infecção, seja pelo agravamento de doenças que no período mais grave da crise sanitária ficaram sem diagnóstico ou tiveram tratamento suspenso. A população envelhece e aumentam os problemas de saúde mental como depressão e ansiedade.
Além da carga maior de doenças não transmissíveis, os governantes vão encontrar população menos protegida para doenças evitáveis com a vacina. O risco do retorno da poliomielite é alto, sem falar de surtos de sarampo.
Diante desse quadro, o aumento da demanda por serviços públicos de saúde é certo e maior ainda a necessidade do planejamento do uso dos recursos. Como cada centavo conta, é essencial que programas sejam bem desenhados, que redes de assistência funcionem de forma harmônica para evitar vazios, mas sem ociosidade.
O equilíbrio é difícil, sobretudo com o volume das emendas parlamentares para saúde, que acabam sendo contabilizadas para o gasto mínimo da área. Muitas das emendas não foram formuladas para atender a uma real necessidade da região, mas apenas para impulsionar a imagem do parlamentar.
O que se viu até agora? Embora a Covid-19 tenha escancarado a necessidade de termos um sistema eficiente, o tema da saúde foi pouco explorado durante a campanha eleitoral.
Os programas de governo dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) dão indícios, mas estão longe de esclarecer como vão lidar com os problemas. Diante dessas lacunas, o que resta é olhar para o que integrantes das equipes dos candidatos têm apresentado nos últimos meses.
As propostas
No caso do candidato do PT, haverá um esforço para reduzir o preocupante atraso vacinal de crianças. Para isso, a ideia é fazer grandes campanhas de atualização e trazer de volta a condicionante da apresentação da carteira atualizada de imunização nos programas de transferência de renda.
Outra ação prioritária para o PT é reduzir as filas de espera para procedimentos considerados não urgentes, mas essenciais, como cirurgias para correção da catarata. A ideia é incentivar hospitais conveniados ao SUS a realizarem essas cirurgias com outra lógica de organização, aproveitando os fins de semana e turnos da noite para reduzir as filas de espera.
O plano de governo de Lula enfatizou a necessidade de dar mais fôlego aos programas Mais Médicos, Farmácia Popular e Brasil Sorridente, criados nas gestões petistas.
Nessa nova etapa, no entanto, há o cuidado de se retirar do Mais Médicos o que ele teve de mais polêmico, que foi o recrutamento de profissionais de outros países para trabalhar em locais de difícil provimento.
Com o argumento de que não há mais necessidade de contratação de profissionais estrangeiros, a equipe quer incentivar a participação de médicos formados no Brasil ou brasileiros com diploma no exterior.
No Farmácia Popular, a proposta é incluir medicamentos mais modernos, mesmo que mais caros. E nesse novo formato, o copagamento poderia ter um espaço maior do que o existente atualmente.
A equipe de Lula defende um aumento progressivo dos investimentos na área da saúde até chegar a 6% do PIB. A ideia é que gastos públicos superem os gastos privados, mas não foram divulgados detalhes. Um dos caminhos seria reduzir a tributação em geral.
O programa de Bolsonaro, por sua vez, repete citações à família, num claro aceno a grupos religiosos. Ele destaca a relevância da Atenção Primária, o programa de Saúde Bucal e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Mas a referência aos CAPS chama a atenção. A gestão Bolsonaro foi criticada por ter dado pouca atenção a esses centros, sobretudo na versão destinada ao atendimento de dependentes de álcool e drogas. Houve redução do protagonismo dos CAPS-AD e foi dada ênfase às comunidades terapêuticas que usam métodos questionáveis com resultados pouco conhecidos.
O plano de Bolsonaro prevê a consolidação do Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon), do Farmácia Popular e do Médicos pelo Brasil.
Há sinais divergentes. No Farmácia Popular, Bolsonaro reduziu recursos na proposta de orçamento para 2023. Mesmo com o corte previsto, o Ministério da Saúde anunciou na semana passada a ampliação de medicamentos ofertados e um deles na forma de copagamento. O governo procurou tranquilizar o setor farmacêutico dizendo que haverá recursos para o programa e que outras incorporações estão previstas para o segundo mandato.
As propostas de Bolsonaro para a saúde não contaram com porta-voz. Coube ao ministro Marcelo Queiroga o papel de anunciar, ao longo dos últimos meses, algumas linhas de atuação. Foram três eixos: ênfase no Complexo Industrial da Saúde, mudança nas regras da tabela SUS e melhoria da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) para colocar em prática o “open health”.
A retomada do Complexo Industrial, aliás, foi abordada por todas as candidaturas, incluindo a de Lula. Queiroga, nos últimos quatro meses, passou a falar sobre o tema e reativou, por exemplo, o Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde.
Com relação ao “open health”, no entanto, há lentidão. A ideia é ampliar a portabilidade de planos de saúde, mas, para alguns observadores, abre caminho para a possibilidade de maior acesso a dados da saúde suplementar. O que é considerado essencial para eventuais mudanças na regulação de planos.
A proposta mais recente está relacionada a mudanças na forma de remuneração de hospitais conveniados para elevar produtividade e qualidade nos serviços. Não se sabe até que ponto essas bandeiras de Queiroga serão levadas para um eventual segundo mandato de Bolsonaro.
(Por Lígia Formenti, editora e analista de Saúde do JOTA)
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