Análise: Em 2003, Lula discursou sobre combate à fome. Desta vez, falou mais em democracia

Presidente defendeu punições contra atos antidemocráticos, citou fascismo e genocídio; há 20 anos, criticava modelo econômico, diz Letícia Paiva, do JOTA

Em seu discurso de posse no Congresso neste dia 1º de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) falou sobre o fortalecimento da democracia, fez acenos aos outros Poderes e lembrou do passado. Em 2003, pedia ao Brasil e seu “povo maduro, calejado e otimista” para empreender um mutirão contra a fome.

Naquela época, o assunto democracia era citado apenas para se referir a relações multilaterais, enquanto agora faz menção a ofensivas domésticas. A palavra em si apareceu oito vezes no atual discurso, frente a apenas uma em 2003, quando Lula fez uma fala mais longa.

“Sob os ventos da redemocratização, dizíamos: ditadura nunca mais. Hoje, depois do terrível desafio que superamos, devemos dizer: democracia para sempre. Para confirmar estas palavras, teremos de reconstruir em bases sólidas a democracia em nosso país”, disse Lula no discurso feito aos parlamentares neste domingo.

Antes, as críticas a governos passados eram centradas em modelo econômico, soberania nacional e problemas de segurança pública; no mais recente, fala em “adversários inspirados no fascismo”.

Neste domingo, ao prometer a efetivação da Lei de Acesso à Informação, prometeu que não haveria “revanchismo” contra oponentes, mas que seria garantido o “primado da lei” com responsabilização a “quem errou”.

Nuvem de palavras do discurso de posse de Lula de 2023

Também indicou a continuidade de investigações sobre a responsabilidade pela quantidade de mortos pela pandemia de Covid-19, se referindo à situação como “atitude criminosa de um governo negacionista, obscurantista e insensível à vida”, genocídio e prometendo que não haverá impunidade.

Lula falou mais sobre reconstrução, enquanto em sua primeira posse o mote era mudança. Há duas décadas, um dos slogans da campanha atual já era usado: “A esperança vai vencer o medo”.

“Ao longo desta campanha eleitoral vi a esperança brilhar nos olhos de um povo sofrido, em decorrência da destruição de políticas públicas que promoviam a cidadania, os direitos essenciais, a saúde e a educação”, disse agora.

Em 2003, o presidente defendia um esforço coletivo para combater a fome e a miséria. Desta vez, esses temas também aparecem, mas com menos frequência – a palavra fome apareceu 13 vezes há duas décadas, o dobro do ouvido neste ano.

Discurso de posse de Lula em 2003

Discurso de posse de Lula em 2003
Além disso, agora cita as políticas de distribuição de renda do passado como a solução, enquanto falava também sobre uso da terra. Naquele momento, também assegurava que haveria reforma agrária, com a ponderação de que as terras produtivas não seriam afetadas; agora, esse tema não é mencionado.

Uma novidade é o foco do discurso em políticas ambientais, de combate às mudanças climáticas e incremento à economia sustentável, assuntos que não eram citados há 20 anos. Ele prometeu alcançar desmatamento zero na Amazônia, emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica e estimular o reaproveitamento de pastagens degradadas.

“Nenhum outro país tem as condições do Brasil para se tornar uma grande potência ambiental, a partir da criatividade da bioeconomia e dos empreendimentos da socio-biodiversidade. Vamos iniciar a transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, uma agricultura familiar mais forte, uma indústria mais verde”, disse Lula.

No discurso de 2003, ele também não falava sobre desigualdades de gênero e raciais, o que aparece agora, quando Lula cita a criação do Ministério da Igualdade Racial e reestabelecer o Ministério das Mulheres.

Em ambos os momentos, Lula expôs suas intenções de transformar o Brasil em um líder global e exemplo. Desta vez, sinalizou que isso deve acontecer por meio de temas que circundam a preservação ambiental, mas manteve o discurso sobre um país “dono de si mesmo”.

“Somos responsáveis pela maior parte da Amazônia e por vastos biomas, grandes aquíferos, jazidas de minérios, petróleo e fontes de energia limpa. Com soberania e responsabilidade seremos respeitados para compartilhar essa grandeza com a humanidade – solidariamente, jamais com subordinação”, afirmou.

Leia discurso de Lula em 2023 na íntegra

As 10 palavras mais usadas por Lula no discurso de 2023

1) país – 22 vezes
2) Brasil – 17 vezes
3) vamos – 14 vezes
4) acesso – 9 vezes
4) hoje – 9 vezes
4) política – 9 vezes
7) democracia – 8 vezes
7) direitos – 8 vezes
7) nacional – 8 vezes
7) públicos – 8 vezes

As 10 palavras mais usadas por Lula no discurso de 2003

1) Brasil – 24 vezes
2) país – 20 vezes
3) nacional – 17 vezes
4) social – 16 vezes
5) desenvolvimento – 14 vezes
6) fome – 13 vezes
7) nação – 12 vezes
8) hoje – 11 vezes
9) vamos – 10 vezes
10) brasileiro – 9 vezes
10) governo – 9 vezes

(Por Letícia Paiva, repórter do JOTA em São Paulo)