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Análise: Dobradinha Lula-Lira avança com tratativas da PEC e incomoda alas do PT e do MDB
A despeito da controvérsia sobre o seu impacto fiscal e distante de um consenso, a PEC que vai abrir espaço no orçamento para o cumprimento de promessas sociais de campanha serve, neste momento, para o governo eleito pavimentar caminho para a formação de uma base legislativa mais robusta. Ao mesmo tempo, as tratativas que envolvem a votação da medida funcionam para engrossar a lista de partidos que aderem rapidamente à candidatura de Arthur Lira (PP-AL) rumo a novo mandato na Mesa da Câmara.
Desde que visitou Brasília pela primeira vez depois do segundo turno, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva atua para expandir seu bloco de apoio. Inicialmente, delegou à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e ao vice eleito, Geraldo Alckmin, a tarefa de procurar legendas que não estiveram na coalizão vitoriosa nas urnas a fim de propor participação no futuro governo em troca de respaldo, ainda que informal, na agenda governista do Congresso.
Foram realizadas conversas com MDB, PSD, União Brasil e PSDB, entre outras siglas de menor expressão. Lula orientou seus operadores políticos a falar em cargos no primeiro e segundo escalões e procurou agregar o maior número possível de integrantes dessas agremiações na equipe de transição, o que vem sendo materializado com o conselho político recém-criado no Centro Cultural Banco do Brasil.
As contas feitas pelo QG lulista apontam para uma possibilidade de base em torno de 300 a 350 deputados, somando-se as novas adesões ao já fiel grupo que engloba PT, PSB, PCdoB, PSOL, Rede, Solidariedade, Avante e Pros.
Em paralelo, Lira avança exatamente na base de Lula para conquistar maioria incontestável para a eleição para a Presidência da Casa, prevista para março. O principal novo aliado do expoente do centrão formalizado até agora foi o PSD, de Gilberto Kassab, que apoia o governo eleito e vinha mantendo focos de questionamento interno a Lira.
O processo de negociações partidárias no Parlamento levou ainda o Republicanos, do chamado “centrão raiz”, a declarar neutralidade na próxima gestão e antecipar o embarque na candidatura de Lira. O partido integrou a aliança de Jair Bolsonaro, assim como o PP, de Lira, e elegeu o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio Freitas ao governo paulista.
Incômodo crescente
A dobradinha Lula-Lira, como vem sendo chamada nos bastidores, incomoda apoiadores do presidente eleito, em especial aqueles que defenderam na campanha eleitoral o distanciamento do centrão.
Um dos mais incomodados com o acordo tácito entre os dois é o senador Renan Calheiros, adversário histórico de Lira em Alagoas e defensor da candidatura Lula desde o princípio, tendo atuado para atrair parcela expressiva do MDB para a candidatura presidencial do petista.
Renan foi contrário à PEC desde o início da transição e chegou a propor uma Medida Provisória para viabilizar o pagamento do Bolsa Família turbinado de R$ 600 e o reajuste real do salário mínimo — demandas comuns às duas campanhas que foram ao segundo turno.
Pelo mecanismo sugerido por Renan, o governo eleito teria mais independência para iniciar a relação com o Congresso, evitando um embarque precoce na agenda do centrão — que foi o pilar da governabilidade de Bolsonaro.
O senador se junta a petistas que transformaram as emendas de relator, chamadas de “orçamento secreto”, num discurso potente na campanha, quando foram tratadas como “escândalo de corrupção maior que o mensalão”.
Agora, na iminência de um acordo de cooperação entre o presidente eleito e o favorito para a recondução na Presidência da Câmara, o tema deixa de ser prioritário para a transição, que prefere deixá-lo para o Supremo Tribunal Federal, que analisa a constitucionalidade do instrumento hoje mais poderoso para formação de maioria legislativa.
Neste contexto, integrantes da transição, sobretudo os ligados à cúpula do PT, advertem para o risco de uma negociação mais difícil nos detalhes da PEC, uma vez que Lira hoje está mais convicto da vitória e colecionando apoios de siglas com bancadas numerosas. Nas palavras de um interlocutor petista com o Congresso, o líder do centrão está entrando na zona de conforto com os votos para ser reconduzido, e menos dependente do apoio do governo eleito para alcançar seus objetivos políticos. “Ele [Lira] nem vai precisar mostrar serviço. Isso pode complicar a tramitação da PEC, que está num tempo apertadíssimo”, relata essa fonte.
(Por Fábio Zambeli, analista-chefe do JOTA em São Paulo)
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