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Análise: Com receio de guerra ideológica, PT tenta recolocar Lula na rota do pragmatismo
Líder nas pesquisas com um patamar de intenções de voto que o permite sonhar com as chances de vitória no primeiro turno, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu jogar no seu terreno de desconforto na semana inaugural da campanha e agora luta para retomar o curso natural da disputa com o presidente Jair Bolsonaro (PL).
O petista, impactado por levantamentos que mostraram o avanço do apoio ao presidente no eleitorado evangélico, resolveu levar aos palanques o discurso de defesa do “estado laico”, depois de afirmar até que o rival estaria “possuído pelo demônio”.
Ainda que sua equipe de estrategistas tenha entendido que caberia uma pronta e ostensiva resposta a notícias falsas que atribuíam a ele a proposta de fechamento de templos, a dosagem da retórica religiosa ganhou proporções inesperadas para o PT.
Na avaliação de operadores políticos de Lula, a permanência do tema durante muito tempo como principal trincheira da campanha só interessa a Bolsonaro, que detém forte influência entre os líderes das principais denominações.
Na coordenação do QG lulista, há o entendimento de que parte da responsabilidade pela relevância do assunto na agenda do ex-presidente na última semana cabe à socióloga Janja da Silva, com quem o petista se casou em maio.
Isso porque ela foi alvo de uma ofensiva de redes sociais bolsonaristas que a associaram a religiões de matriz africana, vistas com reservas entre setores dos evangélicos pentecostais.
Como Janja tem hoje grande influência sobre a rotina de Lula, o ex-presidente teria assumido uma reação à campanha do adversário como algo “pessoal”. A necessidade de responder a Bolsonaro teria sido potencializada com a declaração da primeira-dama Michelle, segundo quem o Palácio do Planalto teria sido “consagrado ao demônio” em gestões anteriores.
Efeito Dilma
Não bastasse a apreensão com a “guerra santa”, Lula lida ainda com o protagonismo de Dilma Rousseff nos eventos públicos e com o cada vez mais generoso espaço cedido a Aloizio Mercadante na linha de frente da campanha.
A ex-presidente, cujo papel desenhado na estratégia eleitoral do PT era de “máxima discrição”, ganhou visibilidade na posse de Alexandre de Moraes no TSE e no comício do Anhangabaú no sábado.
Ministro mais relevante da gestão Dilma, Mercadante vinha sendo apresentado como coordenador do programa de governo lulista, mas com um papel mais voltado à acomodação de forças ideológicas distintas do PT e das siglas aliadas na formulação das diretrizes da plataforma da campanha.
Suas aparições destacadas em eventos simbólicos para o mercado financeiro, como a palestra na Fiesp e até mesmo na entrevista concedida pelo ex-presidente para correspondentes estrangeiros, geraram preocupação em diversos setores do PT que tentam vender para o sistema financeiro um viés mais “soft” de Lula para o eventual novo mandato.
Foi Mercadante quem primeiro defendeu que a plataforma do ex-presidente seja mais voltada à economia popular que aos “interesses da Faria Lima”, no início do ano. Desde então, articuladores do PT buscam construir pontes com o mercado, abrindo espaço até para ex-banqueiros e economistas ortodoxos na equipe de formulação da campanha.
Meia volta
Diante do crescimento de Bolsonaro nas pesquisas, ainda insuficiente para mudar o curso da corrida presidencial, o núcleo de campanha petista trabalha para devolver ao centro do debate político os temas que interessam ao ex-presidente — notadamente as comparações de indicadores econômicos de hoje e do seu período como presidente e o resgate da atuação do governo federal durante a pandemia.
A avaliação que prevalece entre os aliados é a de que Lula lucra politicamente com o foco econômico e perde com a predominância da pauta ideológica.
Esses dirigentes do PT afirmam que o melhor momento até agora da campanha para Lula foi a live realizada pelo deputado André Janones, em que ambos afirmam que Bolsonaro vai interromper o pagamento do auxílio Brasil de R$ 600 em dezembro.
“Foi o único momento que levou Bolsonaro a dar explicações. O governo passou a semana desesperado para responder. Isso mostra que pegou. E não se pode alegar que é algo falso ou mentiroso porque o próprio orçamento que será enviado ao Congresso provará que não há garantias”, afirma ao JOTA um interlocutor da campanha petista.
A tônica da comparação e da polarização da fartura (que o PT avalia ter ocorrido na mesa dos brasileiros mais pobres) com a escassez do período atual estará presente na largada do palanque eletrônico, em especial nas inserções de TV preparadas para serem veiculadas a partir de sábado.
(Por Fábio Zambeli, analista-chefe do JOTA em São Paulo)
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