Piora na composição da inflação reduz chance de Selic cair mais cedo
A surpresa negativa com o IPCA na sexta-feira corrobora as comunicações conservadoras emitidas recentemente por membros do Banco Central (BC), diante dos sinais de que o segundo estágio do processo desinflacionário tem sido mais difícil e de que a composição da inflação corrente ainda não permite uma indicação de que o ciclo de cortes de juros poderá começar em breve.
Na visão de economistas consultados pelo Valor, o dado recoloca a resiliência dos núcleos no centro do debate da política monetária e, mesmo que a leitura não seja suficiente para adiar as perspectivas para os cortes de juros, reduziu a probabilidade de que a Selic venha a cair mais cedo em 2023.
Para além do número cheio do IPCA, que veio acima das expectativas, a composição da inflação voltou a chamar a atenção dos participantes do mercado e acendeu um sinal de alerta sobre o processo de desinflação no Brasil. A média dos cinco núcleos monitorados pelo Banco Central subiu para 0,51% em abril, de 0,37% em março, segundo cálculos da MCM Consultores.
“Desde o fim do ano passado, temos núcleos de inflação que recuaram para perto dos 5,5% e, mais recentemente, voltaram a ultrapassar o patamar dos 6%. Esse é o grande incômodo do BC, que vem colocando há algum tempo a questão da dificuldade dessa segunda fase de desinflação”, diz o economista-chefe da Bradesco Asset Management, Marcelo Toledo.
De acordo com ele, uma das condições necessárias para que o BC dê início à discussão sobre os cortes de juros é exatamente uma melhora dos núcleos. “Que, ao menos, eles voltem para uma trajetória de queda e que rompam o patamar dos 5%. Os dados não dão conforto que haverá uma quebra deste platô que o IPCA está se situando, ao redor dos 6%”, aponta.
Toledo diz que as projeções de que os cortes de juros devem começar em setembro foram mantidas, especialmente, por indicadores antecedentes — câmbio, commodities, índices de preços no atacado e inflação global —, que sugerem uma melhora da inflação adiante.
“Há indicadores antecedentes, globais e locais, que normalmente apontam para uma queda da inflação adiante. Por isso nossa previsão se manteve. Mas temos que reconhecer que a inflação corrente continua sem sinais para queda de juros. Há oposição entre uma inflação corrente desconfortável e sinais antecedentes melhores do que há alguns meses.”
Na mesma linha argumentada pelo diretor de política econômica do BC, Diogo Guillen, em entrevista a “O Globo” na semana passada, o economista-chefe da WHG, Fernando Fenolio, também vê a desinflação mais lenta que o esperado.
“A economia ainda está com algum grau de aquecimento e o discurso de que a atividade está mal não é observado nos dados. Não estamos falando só do agronegócio, estamos falando também de consumo. Muito é em função da política fiscal”, afirma.
Apesar dos números do IPCA, não houve revisão, segundo Fenolio, da estimativa de que o início do ciclo de afrouxamento monetário tenha início em setembro.
“Talvez o dado reforce que os cortes sejam mais prováveis depois do que antes. A probabilidade de cortes em agosto diminuiu. Mas mantivemos nossa projeção de cortes em setembro, iniciando em um ritmo bastante lento”, afirma.
O superintendente de pesquisa econômica do Santander, Mauricio Oreng, lembra que, na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC também destacou que a dinâmica da desinflação é dividida em dois estágios, sendo que o segundo costuma ter uma velocidade mais lenta.
“Preocupa o fato de que a queda da inflação subjacente, que era observada, parece ter estancado e em um patamar elevado. Isso mostra que o BC vai ter dificuldade e é algo que ele mesmo reconhece.”
Oreng diz que o mercado pode passar por uma revisão para baixo nas projeções do IPCA de 2023, mas uma preocupação com a inflação de serviços, com mercado de trabalho ainda aquecido e de uma economia que mostra resiliência, deve continuar. Segundo ele, há uma queda de braço entre condições financeiras apertadas e o tempo em que farão efeito, diante de uma demanda agregada resiliente.
“Isso dificulta o processo de convergência da inflação, em um contexto em que ainda existem impulsos fiscais ainda se materializando na economia e de um arcabouço fiscal que ainda precisa ser aprovado.”
Nesse sentido, o Santander mantém a visão de cortes de juros com início em novembro e Selic de 13% no fim do ano. “O BC vai ter que ser mais lento”, diz Oreng, embora não descarte que o ciclo de flexibilização dos juros pode ter início em setembro. Agosto, porém, tem baixa probabilidade de ser o palco do início dos cortes na Selic no cenário do Santander.
O ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall, sócio e fundador da Oriz Partners, nota que o Copom, na ata, indicou que será importante acompanhar a média dos núcleos de inflação, que, no IPCA de abril, mostrou evolução preocupante e mostrou ligeira aceleração. “E isso é, claramente, o foco do BC”, diz.
“Estamos em uma segunda etapa, que tem mais a ver com inflação de demanda, por conta do mercado de trabalho apertado e dos preços de serviços, que é mais difícil de ser vencida, especialmente em um ambiente de expectativas desancoradas”, afirma Kawall.
“Esse ponto da desancoragem — que foi propiciado pela sinalização equivocada da política econômica no âmbito fiscal, nos ataques ao BC e na incerteza em relação à meta de inflação — claramente está dificultando o trabalho do BC”, diz. Para Kawall, o momento mais importante da política monetária será no fim de junho, quando será definida a meta de inflação.
Na visão do economista, se houver uma confirmação da trajetória de metas convergindo para 3% a partir do ano que vem, pode haver “efeito positivo nas expectativas inflacionárias, trazido por elementos ligados ao preço de combustíveis, que está em queda, e em um contexto de apreciação do real”.
Assim, no podcast semanal da Oriz, ele defende que, quando chegaro terceiro trimestre, o foco também se dará sobre o IPCA de 2025. “Se as projeções do BC indicarem inflação próxima de 3% ou abaixo nesse contexto, pode começar a cortar juros antes do que prevemos, no início de 2024”, diz.
Por Gabriel Roca e Victor Rezende
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