14 perguntas e respostas sobre o futuro da Light (LIGT3) após recuperação judicial; confira
O pedido de recuperação judicial da Light S/A (LIGT3) abriu dúvidas e incertezas sobre o futuro da distribuidora de energia elétrica que atende a 31 municípios do Rio de Janeiro, inclusive a região metropolitana. Diferente de outras empresas de energia que passaram pelo processo, a Light enquanto holding tem entre as empresas controladas o braço de distribuição (que em tese, não pode recorrer ao dispositivo devido a barreiras legais).
Com dívidas da ordem de R$ 11 bilhões e atuando em uma área problemática, com altos índices de furto de energia e ritmo de atividade econômica aquém do esperado, a companhia viu a situação financeira agravar-se mês após mês, num momento em que vinha se preparando para discutir com o governo federal a renovação do contrato de concessão. Confira abaixo o que pode acontecer com a empresa após o pedido de recuperação judicial.
1. O caso da Light pode afetar os serviços de fornecimento de energia elétrica?
Esta é a principal dúvida até o momento. É incerto se a empresa terá fôlego financeiro para continuar prestando os serviços aos consumidores com qualidade. A recuperação judicial, no caso da companhia, visa evitar danos ao consumidor e ao setor elétrico e até então afeta os credores financeiros.
Segundo a empresa, o pedido de recuperação na holding não acarretará nenhum impacto nos serviços prestados à população do Rio. Os pagamentos de fornecedores, prestadores de serviços, colaboradores, impostos e demais obrigações setoriais estão preservados, afirma a empresa.
Só que em recuperação judicial, a Light, na prática, não pode contar com qualquer tipo de financiamento para suas operações, sendo obrigada a contar com sua geração de caixa para manter o dia a dia.
2. Qual o tamanho da dívida da Light?
Cerca de R$ 11 bilhões. Apesar de estar avançando nas conversas com os credores em um processo de mediação em curso, os desafios da atual situação econômico-financeira do grupo vêm se agravando, o que levou ao pedido de recuperação judicial. A maior parte da dívida é com investidores em debêntures (títulos privados de dívida).
3. A empresa pode entrar com o pedido de recuperação judicial?
A lei 12.767/2012 estabelece que os regimes de recuperação judicial e extrajudicial não se aplicam às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. Em caso de dificuldade financeira, essas empresas seriam obrigadas a passar por intervenção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Entretanto, a agência reguladora esclareceu que o pedido de recuperação judicial foi interposto pela Light S.A. (holding) e não pela Light Serviços de Eletricidade S.A. (distribuidora). Alguns especialistas, no entanto, avaliam que a recuperação judicial da Light via holding pode ser uma estratégia para driblar a lei.
Mês passado, a empresa havia aberto mediação com credores, em busca de uma saída negociada para o pagamento das dívidas, sem sucesso.
4. O que causou o pedido de recuperação judicial da Light?
Segundo o processo, o alto nível de furto de energia é o principal causador das dificuldades financeiras da companhia, mas não é o único. A atividade econômica do Estado do Rio de Janeiro veio se deteriorando a partir de 2013, mas a queda no ritmo acelerou após a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A pandemia de covid-19 retraiu ainda mais o mercado de energia na área de concessão: mesmo com o retorno das atividades, a economia do Rio de Janeiro reage mais lentamente do que outros Estados.
5. Quando a situação financeira da Light começou a se agravar?
A empresa sempre sofreu com o furto de energia e já tinha uma dívida elevada há alguns anos. Em janeiro, logo depois de que veio à tona o caso das “inconsistências contábeis” da Lojas Americanas, a Light informou que havia contratado a empresa de consultoria Laplace para buscar alternativas para estrutura de capital. A Laplace é conhecida no mercado por preparar empresas em dificuldades para processos de recuperação judicial e sua contratação foi interpretada pelo mercado como um sinal de que a Light recorreria ao dispositivo.
Foi o suficiente para que agências de classificação de risco reduzirem ratings (notas que indicam o risco de ‘calote’) da Light. Os ratings mais baixos criaram um cenário que permitia aos investidores em debêntures de pedir o vencimento antecipado das dívidas, que totalizam cerca de R$ 7 bilhões – o que, segundo a Light, seria impossível pagar.
6. A Light é um caso isolado no setor?
Não. A Amazonas Energia também vem enfrentando sérios problemas financeiros, com dívidas de cerca de R$ 8 bilhões concentradas principalmente na Eletrobras. A empresa foi privatizada em 2018, mas não consegue equacionar a situação. O alto custo com combustíveis para atender sistemas isolados é o principal problema. Soma-se ainda as dificuldades de manter os indicadores que que medem a duração e a frequência de interrupções de energia por unidade consumidora (DEC e FEC, nas siglas do setor) dentro do limite regulatório.
7. O que pode acontecer se a justiça não aceitar o pedido da Light?
Alguns mecanismos podem ser adotados, desde a intervenção da Aneel até o decreto de caducidade – quando o poder concedente, no caso o Ministério de Minas e Energia (MME), declara que a concessão da Light está extinta. O governo diz que não trabalha com estas hipóteses no momento, porém a empresa precisa comprovar que tem capacidade de continuar atuando como uma concessionária de serviço público.
A Aneel já fez intervenções em concessionárias de distribuição. Entre 2002 e 2004, a agência aprovou e conduziu a intervenção na distribuidora do Maranhão, antiga Cemar, que teve o controle assumido pelo grupo Equatorial Energia. O último caso foi com o grupo Rede Energia, em 2012 e perdeu o controle de oito distribuidoras com atendimento em diferentes Estados.
Aliás, na ocasião, o Rede Energia recorreu ao mecanismo de recuperação judicial, o que motivou a criação da lei que impede que distribuidoras possam acionar o dispositivo em caso de dificuldades financeiras.
8. O problema pode afetar o setor elétrico?
Na petição feita à justiça, a Light diz que quer continuar pagando encargos do setor elétrico. A empresa tem dívidas de R$ 1,4 bilhão com custos de transmissão e R$ 6,2 bilhões em custos de aquisição de energia. Os advogados da empresa diseram ao Valor que com a recuperação judicial, a empresa conseguirá arcar com os custos do setor elétrico.
Pelo modelo do setor elétrico, as distribuidoras contratam energia em leilões anuais ou remuneram usinas que estão sob um regime de rateio entre os consumidores, como algumas hidrelétricas, inclusive Itaipu, e as usinas nucleares Angra 1 e 2. Caso a Light suspenda o pagamento desses contratos, pode haver algum impacto sobre as geradoras, mas esse quadro, até o momento é considerado remoto.
9. Quem são os credores da Light?
Os principais credores são detentores de debêntures, que respondem por cerca de 70% do total da dívida. Há outros credores que podem ser afetados, como ex-funcionários, fornecedores de equipamentos, empresas de geração e transmissão de energia e o próprio governo, que recebe impostos e encargos setoriais.
10. Até onde a Aneel e o MME também são responsáveis por esta situação?
As concessões das distribuidoras do Brasil começam a expirar em 2026 e as regras para a renovação das concessões deveriam ter sido estabelecidas em julho de 2022. Sem as regras, as distribuidoras não podem definir se prosseguem ou não com a concessão. A empresa, em especial, buscava com as autoridades uma forma de repassar integralmente para a tarifa ou para algum encargo setorial o custo da energia furtada todos os meses.
11. A distribuição de energia está mudando de perfil. Qual o futuro desse segmento?
A abertura do mercado livre de energia, que permite que o consumidor possa escolher o fornecedor da eletricidade, e a geração distribuída (especialmente a partir da instalação de painéis solares) têm atraído consumidores que são atendidos pelas distribuidoras.
Com a migração de consumidores para outro ambiente de contratação, os custos das distribuidoras com a compra de energia acabam sendo divididos por um número menor de clientes que permanecem na base de clientes das companhias (o chamado mercado regulado).
No caso da Light, a empresa carrega os custos de usinas com custos mais caros de geração, como a hidrelétrica de Itaipu, as usinas nucleares de Angra dos Reis e algumas usinas termelétricas, por exemplo. Os consumidores que migram para o mercado livre ou adotam a geração distribuída pagam por uma energia mais barata. O fato tem sido classificado pelo setor como “espiral da morte” do mercado regulado.
12. Por que o crime organizado tem a ver com a crise da Light?
A empresa atende cerca de 4,5 milhões de usuários no Rio de Janeiro, sexto mercado consumidor do segmento. Entretanto, cerca de 20% de sua área de concessão está em locais dominados pelo narcotráfico e controle armado de milícias. As perdas impostas pelo crime organizado é o principal fator que levou a Light a entrar com o pedido de recuperação judicial. Sem poder desfazer ligações irregulares em áreas dominadas pelo crime organizado, a empresa perde receita com uma energia que já foi comprada e paga.
O nível de perdas comerciais, onde se encaixa o furto de energia, é da ordem de 56%. No entanto, a Aneel reconhece na tarifa um nível de furto de cerca de 38%. Isso significa que 38% da energia que já foi comprada e paga pela Light pode ser ressarcida pela tarifa dos demais consumidores que não roubam energia. A diferença é assumida pela Light. Estima-se que essa perda em 2022 foi de R$ 1 bilhão.
13. Qual a solução para os problemas de “gato” no Rio e em outras cidades?
Em 2022, as perdas da Light com roubo de energia alcançaram 55,84% da energia comercializada. Especialistas apontam que seria necessário o envolvimento do governo do Estado do Rio de Janeiro em políticas sociais, como incentivo à tarifa social e uso de novas tecnologias para reduzir as perdas, além do uso da polícia para o combate em áreas dominadas pelo tráfico e milícias.
Esse problema não é restrito à Light. O sistema de ônibus urbanos municipais BRT (de ônibus articulados que trafegam em corredores específicos), empresas de água e esgoto e de TV por assinatura, por exemplo, também sofrem com o problema.
A própria Light tentou, recentemente, utilizar tecnologia que blinda redes da empresa, evitando acesso a medidores e instalações. O problema é que o custo para instalação é elevado para um retorno que é incerto.
14. A crise da Light pode afetar consumidores de outras regiões?
Sim. Quanto maior for a perda por furto de energia, maior é o custo que são rateados pelos consumidores que estão regularizados e com a conta de luz em dia.
Por Fábio Couto e Robson Rodrigues, do Valor Econômico
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