Novo filme de Ricardo Darín tem temática atual e desfecho catártico
É uma pena que “Argentina, 1985” tenha sido lançado pela Amazon Prime diretamente em sua plataforma de streaming, sem passar pelas salas de cinema. Na sessão especial realizada no fim de setembro, durante o Festival do Rio, no histórico cinema Odeon, foi possível testemunhar como o novo longa-metragem do diretor argentino Santiago Mitre (“O Estudante”, 2011; “Paulina”, 2015) reverbera intensamente com plateias coletivas.
A temática (infelizmente) atual, o roteiro de carpintaria fina e sua tradução visual precisa engajaram o público, conduzido em direção a um desfecho catártico. Para completar, o ator principal é Ricardo Darín, uma das poucas estrelas latino-americanas com um público fiel, capaz de encher salas de cinema.
A reação da plateia na sessão do Odeon, é claro, também foi atravessada pelo momento histórico em que se deu a sessão, algumas semanas antes de uma eleição presidencial decisiva para o Brasil, assombrada por velhos fantasmas antidemocráticos.
Na tela de cinema, viu-se refletida a recriação ficcional de um processo que movimentou a Argentina em 1985, quando foram levados à corte os principais militares responsáveis pela tortura e assassinato de presos políticos durante a ditadura civil-militar, que no país durou de 1976 a 1983. Uma etapa que o Brasil “pulou” em seu processo de abertura democrática e uma escolha que, possivelmente, contribuiu para a reaparição dos fantasmas já mencionados.
No filme, acompanhamos o desenrolar do processo do ponto de vista do procurador Julio Cesar Strassera (Darín), desde sua dificuldade para montar a equipe, solucionada com a escalação de um time de jovens advogados — incluindo seu assistente principal, Luis Moreno Ocampo, vivido por Peter Lanzani —, até a conclusão do julgamento, quando a acusação final se materializa em um discurso de argumentação e retórica impecáveis.
A maior força de “Argentina, 1985” está na qualidade literária de seu roteiro, não por acaso assinado em conjunto pelo diretor Santiago Mitre e por Mariano Llinás (responsável por um dos melhores filmes argentinos recentes, o ambicioso “La Flor”, de 2018). Conciliando a estrutura clássica de um “filme de julgamento” a um típico drama familiar argentino (como “O Filho da Noiva”, de 2001, para citar um dos maiores sucessos de Ricardo Darín), o roteiro é uma aula de estrutura, construção de personagens bem delineados (com soluções simples e inteligentes) e principalmente diálogos — sem que pareça ser fruto de um programa de inteligência artificial, como tem sido regra em filmes com alguma ambição comercial.
Argentina, 1985
Direção: Santiago Mitre
Onde: Amazon Prime Video
AA+
AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco
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