Liga de clubes de futebol não faz mágica

Ela será importante, desde que a estrutura seja feita a partir das nossas características, analisando exemplos factíveis

Era uma vez, decidiu-se que ter uma liga de clubes de futebol seria a salvação do esporte no Brasil. Passaríamos de periféricos à maior liga de futebol do mundo, deixaríamos os clubes europeus no ostracismo e, tal qual dizia aquele personagem de desenho animado, conquistaríamos o mundo. Vamos falar a verdade: a liga é só um meio de melhorar o futebol, não a fórmula mágica que transformará água em vinho.

No Brasil costumamos esperar soluções rápidas e indolores para todos os males. É da nossa cultura. Do salvador da pátria ao artilheiro de todos os gols, acreditamos piamente que na terra em que se plantando, tudo dá, basta um nome para alcançarmos o sucesso. E aí surgiu a liga de clubes.

Da liga de clubes à governança no futebol

No futebol, o primeiro evento desses foi a lei da SAF. Seria suficiente que o clube se transformasse em SAF para que todos os seus problemas acabassem. Não foi bem assim.

Ainda vemos que há um longo caminho até o oásis, que passa pela profissionalização de fato, implantação de governança e práticas corporativas, acessar e encontrar profissionais qualificados, neutralizar as torcidas organizadas. Nas associações há quem se esconda atrás as torcidas ainda hoje… E aportar modelos de gestão e processos e, se tudo der certo, em alguns anos o clube atingirá o patamar esperado.

Não é magia; é tecnologia.

Liga de clubes como divisor de águas

Vale o mesmo para a liga de clubes.

Desde que começamos a falar nesse tema, lá pelo início de 2022, a liga de clubes seria o divisor de águas do futebol brasileiro. Depois dela, jorraria dinheiro nos clubes, e o que era apenas um formador de atletas para mercados ricos, passaria a ser o mercado rico.

Confesso que, naquela altura e conhecendo as diferenças entre as principais ligas do futebol mundial e o futebol brasileiro, embarquei nessa tese.

Hoje, vamos voltar algumas casas para ajustar expectativas, e assim, evitarmos nossas recorrentes frustrações com o futebol brasileiro.

A importância das ligas de clubes de futebol

Ligas são importantes para o desenvolvimento do produto. Desde que seja criada a partir de premissas e bases sólidas, e com a expectativa – novamente ela! – justa.

A liga trata do campeonato, não dos clubes. A liga trata todos da mesma forma.

Ela pensa o jogo, não o time.

A liga precisa ter regras claras de governança e autonomia, sem deixar de ouvir seus associados, os clubes.

O resultado disso poderá ser mais dinheiro, no futuro. Mas precisamos ajustar a expectativa à realidade: po-de-rá resultar em mais dinheiro, e não re-sul-ta-rá em mais dinheiro, dito como uma verdade absoluta.

A questão do dinheiro

O processo de discussão sobre a liga brasileira começou justamente pelo dinheiro.

E qual é o produto que estava sendo vendido? Ah, o produto vendido para o grande público e para os dirigentes foi “a nova Premier League”, ou “a nova LaLiga”, que são os pontos fora da curva em termos de dinheiro. Porque a Seria A, a Bundesliga, a Ligue 1, a Primeira Liga, a Superlig, a Eredivisie, todas são ligas, na Europa, com times conhecidos, e não conseguem o mesmo sucesso das duas irmãs ricas.

Basta ser liga? Não, não basta.

Nunca venderam que a governança da maioria das ligas, inclusive as ricas, incluía definir o que é autonomia da liga e o que é decisão dos clubes, que votam sempre em maioria simples ou qualificada, e raramente em maioria absoluta.

Tanto é que na Premier League os clubes menores aprovaram maior repasse de recursos para as divisões inferiores, e na Serie A os menores vetaram a redução de 20 para 18 clubes na competição, mesmo contra os grandes.

O que deveria ser feito

A liga brasileira pensou na relação com a CBF? Quem cuidará da arbitragem? E como será o embate por um calendário melhor, que passa necessariamente pela redução ou fim dos estaduais como conhecemos hoje?

Então, como fazer isso quando alguns clubes ganham um bom dinheiro com eles?

Fair play financeiro, adequação e padronização dos estádios, cuidado na geração das imagens, que deveriam ser proprietárias da liga, e tantas outras coisas ficaram para segundo plano, mesmo para quem pensou e desenvolveu isso.

Simplesmente porque a ideia era que a liga brasileira de clubes enriqueceria a todos. Bilhões entrarão nos cofres! Venderemos os direitos internacionais, e nossas marcas ocuparão os lugares de Real Madrid, Barcelona (que são os dois clubes que carregam a LaLiga), Manchester City, PSG, Milan, e todos esses clubes “menores” do cenário mundial.

Claro que a maior parte dos envolvidos não sabe, nem sabia, o que se passa no cenário de direitos de transmissão, conforme mostrei em colunas anteriores, nem sabe o que é internacionalizar a marca de um clube, e seus resultados.

Porque a internacionalização ajuda a vender direitos de forma relevante na Premier League, na LaLiga e na Champions League, mas não é capaz de fazer o mesmo nas demais ligas.

E, ainda assim, os clubes “internacionais” conseguem fãs nas redes sociais, mas seguem fazendo receitas apenas em nível nacional, com seu “torcedor raiz”. Internacionalizar virou vender algumas camisas para fãs que assistem algumas poucas partidas, normalmente os clássicos, de alguns de seus clubes preferidos do momento.

Receitas dos clubes

Tanto é, porém, que as maiores receitas de clubes de futebol no mundo não passam de equivalentes a empresas de médio porte, e giram na casa dos € 750/800 milhões, incluindo a negociação de atletas, que não tem nada a ver com o que os torcedores e faz geram.

Mesmo os clubes sendo marcas de alcance global.

Não vamos discutir o quanto a liga pode ser importante para a construção de um produto melhor, mas desde que nossa referência seja a mais justa.

Estamos mirando a Premier e a LaLiga, mas não conseguimos nem nos organizarmos como a Primeira Liga ou a Eredivisie. Queremos chegar na Lua, mas ainda engatinhamos.

A liga de clubes será importante, desde que tenha o desenho correto, a estrutura feita a partir das nossas características, analisando exemplos factíveis, com a expectativa justa. Logo, a liga não é fim, é meio. Se entendermos isso, será um sucesso.