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Investir em futebol: saia na chuva sem precisar se molhar
Nas últimas duas semanas me deparei com algumas matérias na imprensa estrangeira e brasileira tratando o futebol brasileiro como uma espécie de novo eldorado da indústria do esporte. Inúmeras oportunidades par investir em futebol e muito a desbravar. Faltou apenas a frase clássica “Quem chega primeiro bebe água limpa”. Nem tanto, nem tão pouco. Há oportunidades, mas desafios, e falta clarearmos um pouco o cenário.
Antes, é natural que alguns interlocutores vendam um cenário de céu azul e sol brilhante. Afinal, há interesses por trás.
Mas é fundamental deixarmos claro que nas costas de quem fotografou este cenário há nuvens carregadas.
Quem é capaz de observar 360º fica mais protegido, sai de guarda-chuva, usa uma capa para se proteger.
Como funciona a estrutura do futebol
Para entender o momento da indústria é preciso avaliar a estrutura do futebol brasileiro, a posição dos clubes na pirâmide do futebol, analisar os diferentes modelos de negócios, com seus riscos e oportunidades, traçar os objetivos justos e projetar corretamente a necessidade de caixa.
O primeiro passo é entender que o futebol não é apenas a Série A. É muito comum divulgarmos as evoluções no futebol pensando no topo da pirâmide.
Nessa posição é claro que o tema da liga é fundamental, assim como o acesso às receitas de marketing, dado a exposição. E, com mais exposição, o valor dos atletas negociados é maior. Ou seja, uma realidade que não atinge as divisões abaixo.
Investir em futebol dá lucro?
Abrindo um parêntese antes de descer na pirâmide, uma pergunta que sempre me é feita sobre investir em futebol é: “Como ganhar dinheiro no futebol, sempre deficitário? Como remunerar os investidores?”. Daí entra o modelo de negócios e o entendimento de como a indústria funciona.
Receitas comerciais de matchday e a parte recorrente dos direitos de transmissão são responsáveis por suportar a atividade operacional, ou seja, os salários, os custos operacionais, as dívidas. Não é daí que vem dinheiro grosso para repor investimento.
Títulos são fonte de remuneração?
Teoricamente, os recursos de premiações por performance, como títulos da Copa do Brasil e da Libertadores, também não deveria ser visto como fonte de remuneração de capital, e sim, como colchão para suportar investimentos para a temporada seguinte.
Logo, o que resta são as receitas com negociações de atletas, e mesmo essas precisam ser parcialmente destinadas ao reinvestimento na estrutura, e apenas uma parte excedente ao orçamento é que deve seria passível de remunerar o capital dos acionistas.
“Ah, mas vai orçar venda de atletas? Elas não são não-recorrentes e difíceis de prever?”. Sim, é verdade. Mas também é verdade que quando falamos de modelos de negócios eficientes é fundamental considerar que a negociação de atletas deve ser encarada como uma unidade de negócios. Isso com formação eficiente, qualificada e em quantidade que permita melhorar a previsão sobre ela. Aí sim, podemos falar em investir em futebol da forma correta.
Estratégia do futebol
O futebol brasileiro vive à procura do raio, quando deveria estar mais atento a coletar os trovões, que geram retorno em campo e mais negociações a valores menores.
Há estratégias que permitam isso, mas a grande maioria das consultorias que atende o futebol não tem vivência em campo para pensar e propor algo.
Mais fácil dizer que é tudo força do acaso.
Fechando o parêntese, olhamos então para a parte de baixo da pirâmide.
Na Série B as receitas com transmissão são infinitamente menores, assim como as comerciais.
Na Série B, então, são menores ainda. Se o clube é local, acessa apenas um mercado limitado. Se é regional e de cidades maiores, amplia um pouco o leque, passando tudo pela “abadização” da camisa, porque as relações comerciais limitam-se, geralmente, à venda de espaços nas camisas.
Logo, o modelo de negócios passa por buscar alternativas que sejam capazes de gerar alguma receita mais sustentável – valores dos estaduais, participação na Copa do Brasil – e focar em desenvolver de forma eficiente as relações comerciais, trazer o torcedor para perto, desenvolver um projeto de profissionalização efetiva na relação com a comunidade.
Formador de atletas
E, naturalmente, ser um formador eficiente de atletas.
Só que essa estratégia tende a ser usada por 100% dos clubes que disputam as Séries D ou estaduais.
Se for estruturada de maneira errada, sem os backbones de alocação corretos, sem as ramificações necessárias, tende a ser um projeto incompleto, e certamente veremos muitas das inúmeras SAFs de menor exposição midiática sofrendo por conta disso.
Sim, em 2023 vimos aumentar substancialmente o número de clubes no sistema do futebol profissional, e muitas SAFs surgindo – teremos detalhes no próximo Relatório Convocados – geralmente com a ideia de formar e negociar atletas.
Modelo de negócios do futebol
O grande ponto dessa discussão toda é que o modelo de negócios pode ser calibrado corretamente se for pensado a partir de bases corretas, e com o objetivo justo, que permita um planejamento eficiente, com expectativas atingíveis.
Um pouco desse caminho está indicado acima, mas não há receita de bolo, nem modelo pronto na prateleira.
É preciso construir uma solução para cada necessidade, para cada bolso e realidade. E, necessariamente, conseguir combinar tudo isso.
Só não dá para achar que o futebol brasileiro resume-se à Série A e parte da Série B.
Precisamos olhar o todo, entender as diferenças, reconhecer as dificuldades e estruturar projetos sustentáveis.
O cenário tem sol, céu azul, mas venta muito e isso traz nuvens e chuva.
Não é para se assustar e ficar em casa. Leve o guarda-chuva, coloca o calçado certo, e siga em frente.
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