Inter de Milão: cliente sem grana não paga – e perde o clube

Investir em futebol é atividade de risco, mas, com a estratégia justa, pode render bons frutos

Investir em futebol é algo relativamente recente. No Brasil certamente, mas mesmo na Europa não é que possamos dizer que sempre foi um mercado aquecido. Até meados dos anos de 1990, os mercados com clubes privados eram Itália e Inglaterra. Os outros só se desenvolveram ao longo dos últimos 20 anos.

E, convenhamos, italianos e ingleses eram mais conhecidos pelos donos mecenas e apaixonados que pelo olhar corporativo. O cenário mudou, e algumas boas histórias – e outras nem tanto – estão sendo contadas.

Primeiros investimentos em futebol

As primeiras acelerações de investimentos no futebol ocorreram após a queda da União Soviética. Naquele tempo, bilionários oriundos do novo regime chegaram ao futebol inglês em busca de reconhecimento.

O mais famoso deles é Roman Abramovich. Em duas décadas de controle do Chelsea, ele transformou o clube numa potência e gastou mais de € 1 bilhão em contratações e salários.

A segunda onda de investimentos no futebol foi em meados dos anos 2010. Os chineses aproveitaram a estratégia do país de acelerar investimentos no exterior em busca de dividendo e reconhecimento, e adquiriram clubes na Inglaterra, Espanha, França e Itália.

Os casos mais emblemáticos foram do Milan e da Internazionale. Depois de anos, ambos deixaram de ter donos emblemáticos, como Silvio Berlusconni e a família Moratti.

O terceiro movimento mescla acionistas árabes e americanos. Os árabes chegaram ao PSG, criaram o City Football Group e ocupam a cadeira do Newcastle, mas não vão além disso.

Já os americanos invadiram os mercados da Inglaterra, da Premier League à League Two, e chegaram forte na Itália e na França. Fundos de investimentos e bilionários que querem acessar o poder e o retorno financeiro possíveis no futebol.

Se os russos já se foram, contudo, os chineses foram perdendo espaço ao longo do tempo. Na semana passada, tivemos o capítulo final da saga de Mulan na Città della Madonnina. E a história que se passou com o Milan aconteceu também com a rival Inter.

Negociações no Milan

Em 2017, após 31 anos comandados por Sílvio Berlusconni, o Milan foi vendido ao empresário chinês Li Yonghong por € 740 milhões, num valuation de € 960 milhões, pois o clube tinha dívidas de € 220 milhões.

A negociação foi bastante questionada, pois o empresário foi, na verdade, executivo de uma série de empresas chinesas, mas nunca um homem de negócios.

As más – ou boas – línguas de Milano contam histórias interessantes sobre a negociação. Mas só posso reproduzi-las numa mesa de bar, com uma boa taça de vinho.

Perda do clube

O negócio, que parecia estranho, contudo, continha um elemento importante. Para a aquisição, o empresário tomou € 300 milhões num empréstimo junto ao fundo Elliott Management. Tinha um ano de prazo de pagamento, e entregou a totalidade de ações do AC Milan como garantia. No vencimento não pagou o empréstimo e perdeu o clube.

Elliot recebeu um clube endividado, com prejuízos recorrentes, esportivamente decadente. Pois ele reconstruiu a marca Milan, deixando um scudetto após 11 anos, e ocupando novamente e uma vaga na Champions League. Ah, importante: sem dívidas e com lucro.

A co-irmã Internazionale passou pelo mesmo na semana passada. Comprada pelo grupo chinês Suning em 2016 por € 270 milhões (por 70% do clube), ocupou o lugar do empresário turco Erick Thorir.

Sob a gestão da Suning os nerazzurri tiveram sucesso esportivo. Conquistaram dois scudetti no período, e chegando a uma final de Champions League, mas as finanças foram negligenciadas.

Violações ao regulamento

Assim, o clube foi alvo de inúmeros planos-de-ação da EUFA por quebra de regras do fair play financeiro. O Milan inclusive chegou a perder a vaga na Europa League por conta de violações ao regulamento – e viu suas dívidas explodirem.

Para se ter uma ideia do nível dos problemas, a Inter deveu meses de salários, mas foi aliviada sob a justificativa de “sequelas da pandemia”.

Na temporada 22/23 o time que já teve Ronaldo, Roberto Carlos e Júlio Cesar apresentou receita de € 425 milhões, mas prejuízo de € 85 milhões e dívida de € 705 milhões (1,66x as receitas).

Comparativamente, o Milan encerrou a temporada com receitas de € 404 milhões, lucro de € 6 milhões e dívida de € 170 milhões (0,4x as receitas).

Em 2021, Steven Zhang, responsável pelo clube, tomou uma dívida de € 275 milhões junto à Oaktree Capital, pagando juros de 12% ao ano e dando as ações do clube em garantia.

Além disso, uma operação de 3 anos de prazo, cujo valor ao vencimento era de € 395 milhões e não foi paga. De forma que o grupo americano executou a garantia e se tornou o novo proprietário do clube italiano.

Clubes diferentes, da mesma cidade, de acionistas do mesmo país, com o mesmo final, para players também do mesmo país.

O que o futebol brasileiro pode aprender com os investimentos

Este cenário que parece distante precisa ser visto, analisado e compreendido pelo futebol brasileiro, especialmente torcedores e jornalistas.

A partir do momento em que as SAFs são empresas e as equipes de futebol passam a ter donos, tornam-se alvo de possibilidades como essas. Além, claro, das mais conhecidas, como a falência, como o Rangers, o Parma, o Napoli.

Acionistas que tomam dinheiro oferecendo o clube como garantia colocam em risco seu controle acionário.

Risco jurídico

Nós ainda não temos a maturidade para situações como esta, vide o imbróglio que é a relação Vasco/777 Partners. O risco jurídico no Brasil ainda é mais um elemento de afastamento que de oportunidades de investimento.

Mas não se engane. Em breve alguém se arriscará fazendo algo parecido para se tornar competitivo – por um curto espaço de tempo – e o resultado não será o esperado. Ou será o esperado, para quem emprestou o dinheiro.

No caso da Inter ainda há um agravante. O grupo Suning chegou a receber propostas de venda na casa de € 1bilhão, mas preferiu manter o controle do clube. Acabou entregando “de graça”, quando poderia ter colocado uns € 300 milhões no bolso.

O risco de investir em futebol

Investimento em futebol é atividade de risco, e, se bem compreendido e com a estratégia justa, pode render bons frutos.

Por enquanto, os milanistas não têm do que reclamar. Já os interistas entrarão em compasso de espera, e se a gestão for semelhante à do coirmão vermelho, menos mal.

E sabe do que mais? Alguns torcedores talvez devessem esperar que isso acontecesse com seus clubes.

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