Negociação de jogadores de futebol: nem todo business plan é simples como parece

O importante é trabalhar com as premissas certas, traçar todos os cenários, e se cercar de gente capacitada

Nos meus mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, uma das situações que mais me chamavam a atenção acontecia quando discutíamos projetos de longo prazo. Sempre que alguém trazia uma grande oportunidade de investimento, o filme se repetia, como um eterno Dia da Marmota: controle de custos de implantação, capex fechado, demanda crescente, custos são uma variável controlável, e o negócio terá um retorno elevado, com risco zero.

200 páginas de pitch e nada que apontasse os riscos do negócio. Daí, vinha o chato e começava a apontar riscos e fazer perguntas.

Pronto! O projeto já nem era tão bom assim. Mas você fica com a imagem de quem não quer fazer negócio, quando na verdade o que se busca é justamente reconhecer os riscos, entendê-los, mitigá-los, e se preparar para enfrentá-los caso surjam as dificuldades.

Minimizar os riscos

Naturalmente que isso se aplica ao futebol, ainda mais em tempo de SAFs e investimentos. Todos têm a ideia certa e o caminho para o sucesso.

Mas poucos param para ouvir o som do que pode dar errado. E, olha, estamos falando de um negócio em que o acaso conta muito, a favor e contra. Diferente do que diz o mago da gestão, a bola entra por acaso sim.

O que você, enquanto gestor, precisa fazer é minimizar os impactos do acaso no caso da negociação de jogadores de futebol. E para isso é fundamental conhecer os riscos.

Na semana passada escrevi sobre as dificuldades e oportunidades no investimento em formação de atletas. Seja pela necessidade de infraestrutura adequada, pela fragilidade da lei, que penaliza quem investe desde cedo, pelo risco de “produção”. Tudo isso sem nunca ignorar que há uma enorme responsabilidade na formação do ser humano, que deveria vir antes do atleta.

E, depois, todo o controle e monitoramento para ter o melhor aproveitamento na estrutura e no encaminhamento dos atletas para outras equipes, de forma a retornar o investimento feito.

A negociação dos jogadores

Entretanto, vejo vários projetos de desenvolvimento de “clubes de formação”, cuja tese é encontrar atletas, formá-los e negociá-los, criando um círculo virtuoso e gerando valor para o acionista e para o atleta.

Afinal, deixar um clube pequeno e migrar para um clube grande é o sonho de todo garoto que chega num clube de futebol.

E será o de toda garota, à medida em que tivermos mercados mais desenvolvidos no futebol feminino. Aliás, muito atenção para isso.

Parece simples. A ideia está em um ppt, investidores apareceram e temos a magia! Falta apenas virar realidade.

E a realidade é bastante difícil. Na última janela de transferências, entre junho e setembro de 2023, os clubes brasileiros negociaram 455 atletas com o exterior, arrecadando cerca de € 170 milhões.

Isso dá, em média, € 375 mil por atletas. Agora, se descontarmos as negociações de Matheus França e Ângelo, e a média já vem abaixo de € 300 mil. São informações da FIFA, que estão no relatório de setembro de 2023.

Como clubes menores negociam jogadores de futebol

A dinâmica para cubes pequenos de formação é simples. Primeiro, encontra-se o atleta.

Depois, você faz a formação dele. Porém antes de perdê-lo para um clube maior, já faz um acordo de transferência.

Assim, você garante um pedaço dos direitos econômicos, apostando em uma negociação maior.

Ou então faz-se o acordo com um clube maior, mas por valores módicos.

Um projeto bem estruturado custa caro, seja na infraestrutura, seja na manutenção.

Ser formador de pequeno porte é ser mais um num ambiente competitivo, onde os clubes grandes têm enorme força e destaque, e cujo retorno financeiro é de difícil mensuração.

Adicione outro elemento: no mesmo relatório da FIFA, 10.125 atletas foram negociados, e apenas 1.985 tiveram algum tipo de compensação financeira. Ou seja, mais de 80% foram empréstimos ou transferências de atletas sem vínculo.

No último relatório completo, que relata dados de 2021, o Brasil negociou internacionalmente 1.749 atletas, com média de € 250 mil por atleta.

Tudo isso não é para desencorajar. Mas serve para mostrar que a ideia de montar um modelo de negócios baseado em formação e negociação de jogadores de futebol parece promissor, mas tem inúmeros desafios.

Desafios que valem para outros modelos de negócio. Levar um clube de uma divisão menor para uma divisão maior é um modelo de negócios.

Em ambientes regulados, sabe-se que com investimentos financeiros e aplicação de bons modelos de gestão é possível obter resultados interessantes. Isso tem sido pensado para vários clubes de Série C no Brasil (ainda que o mercado não tenha qualquer regulação), ou mesmo em nosso projeto na Europa.

Claro que a ideia tem riscos. É possível enfrentar ambientes mais ou menos competitivos, mercados mais ou menos líquidos, a bola pode entrar por acaso mesmo após tudo ser feito da forma mais organizada e corporativa possível. 

O negócio do futebol

Agora, ter a capacidade de reconhecer antecipadamente os riscos – algo que os profissionais com experiência na área sabem -, planejar as soluções casos eles surjam, pesar em alternativas, ter um leque de opções à mão, tudo ajuda a mitigá-los.

E se o processo for feito da maneira correta, mais cedo ou um pouco mais tarde o resultado chega. Como em qualquer projeto, ou então não haveria empresas e negócios novos surgindo a todo instante.

Veja, o futebol tem inúmeras oportunidades, com mais ou menos risco, com mais ou menos retorno.

Mas não é porque trata-se de um ambiente primordialmente amador que a evolução e o resultado sejam facilmente atingidos. O importante é trabalhar com as premissas certas, traçar todos os cenários, e se cercar de gente capacitada. Como em qualquer negócio.