Mercado vê redução da taxa Selic mais distante

Pesquisa mostra que projeção mediana para dezembro subiu a 12,5%

As recentes críticas feitas pelo governo à meta de inflação e a persistência das incertezas fiscais têm se traduzido em um movimento de desancoragem das expectativas do mercado, em um cenário que afasta, cada vez mais, a perspectiva de economistas e analistas para o início do ciclo de corte de juros pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Apesar disso, a melhora na inflação corrente e os sinais de reversão na tendência de elevação dos preços ao redor do mundo devem se contrapor aos ruídos locais e garantir que o balanço de riscos do Copom permaneça simétrico em sua decisão de quarta-feira, ainda que o colegiado possa fazer uso de um tom mais duro ao abordar o descolamento das expectativas.

De acordo com levantamento realizado pelo Valor com 106 instituições, há unanimidade entre os agentes sobre a Selic permanecer estacionada em 13,75% na quarta-feira. Para o fim do ano, contudo, as projeções abarcam desde cortes na taxa a 10,5% até uma alta da Selic, para 14,5% – a chance de aumento do juro, porém, é projetada por apenas uma casa.

No entanto, as projeções para a Selic têm contemplado cada vez menos cortes. Enquanto a mediana da última pesquisa realizada pelo Valor, em dezembro, indicava a Selic em 12% no fim deste ano, o número saltou para 12,50% agora.

Ao mesmo tempo em que espera um ciclo de afrouxamento monetário menos intenso, o mercado tem elevado as projeções de inflação. A mediana de 102 estimativas para a inflação no fim de 2023 subiu de 5,2% em dezembro para 5,7%. Para 2024, o ponto médio das projeções saltou de 3,7% para 4%.

No contexto de piora nas expectativas inflacionárias, os agentes financeiros esperam que o colegiado endureça o tom da comunicação, mas que ainda não altere o balanço de riscos significativamente.

“Diante desse movimento de desancoragem bem evidente e que deve seguir em curso, eu não ficaria surpreso se o comitê realçasse esse tema”, diz o economista-chefe para Brasil do BTG Pactual, Claudio Ferraz. Ele lembra, inclusive, que, em dezembro, o Copom já demonstrou preocupação com as expectativas, ao apontar para a média das projeções do IPCA de 2024.

Visão semelhante é adotada pelo economista-chefe da Truxt Investimentos, Arthur Carvalho. “Ao analisar a comunicação do BC, é possível ver que, aos poucos, ele tem subido um pouco o tom em relação à política fiscal e aos efeitos potenciais na política monetária. Isso ficou bem claro na carta sobre a meta de 2022, que não foi cumprida, quando o BC evidencia que a política fiscal mais expansionista foi parte do problema. E agora, apesar da inflação corrente bem comportada e dos sinais de desaceleração da economia, a única explicação para a desancoragem das expectativas é um ambiente fiscal que acomoda um crescimento maior de gastos e que torna a meta de inflação de 3% pouco crível.”

Assim, Carvalho diz ter a sensação de que o Copom vai, novamente, subir o tom em relação à política fiscal. “Se não tivéssemos visto essa desancoragem, provavelmente o Copom estaria sinalizando o começo do processo de afrouxamento dos juros. Acho que o BC vai endurecer o tom, mas, ainda assim, o balanço de riscos vai permanecer simétrico”, afirma. A Truxt espera três cortes de 0,5 ponto nos juros neste ano, mas dá ênfase à incerteza presente no cenário.

Ferraz, do BTG, observa que os movimentos recentes forçam a impressão de que o início dos cortes na Selic “ficam mais distantes, menores e, dependendo das decisões sobre o arcabouço fiscal, talvez o número terminal da Selic seja mais alto”. “Em um ambiente de desancoragem das expectativas, o espaço se exaure.”

Sem ver mudanças significativas que justifiquem uma mudança no plano de voo do BC, o economista-chefe da XP, Caio Megale, acredita que o Copom deve indicar que existem elementos positivos no cenário, mas ressaltar que “as preocupações descritas na reunião passada se intensificaram”. “Se o Copom vier com um tom muito diferente, seria uma surpresa”, diz.

Daqui em diante, para Megale, o comportamento das projeções de inflação de 2024 deve ser monitorado. “Quando as expectativas sobem, o modelo do BC tem que incorporar um juro parado por mais tempo para alcançar a convergência. Acreditamos que, até o nível de 4,5% [para o IPCA de 2024], o BC conseguiria levar a inflação para a meta apenas com juros parados por mais tempo. Mas, se as expectativas ultrapassarem o topo da banda, o cenário seria mais difícil.”

E é diante das expectativas inflacionárias mais altas e da incerteza fiscal que o economista-chefe da Garde Asset, Daniel Weeks, acredita que o Copom deveria mudar o balanço de riscos. “Depois da aprovação da PEC, o risco fiscal aumentou e, mais recentemente, vimos a comunicação por parte da Fazenda e do presidente sobre meta de inflação, o que afeta a credibilidade do BC e desancora as expectativas.”

Para ele, o Copom deveria reforçar a mensagem de manter a política monetária contracionista por um tempo prolongado. “Acho que o BC já deveria ter mudado o balanço de riscos em dezembro, quando já houve uma piora por causa do risco fiscal. Não sei se ele irá mudar agora, mas deveria, até porque, do último Copom para cá, vimos a aprovação, de fato, da PEC e, agora, uma piora das expectativas e da pressão sobre o próprio BC.”

Ao simular os modelos do BC, o economista-chefe da EQI Asset, Stephan Kautz, espera que a projeção para o IPCA de 2023 suba de 5% para 5,2% e que a estimativa para o IPCA de 2024 passe de 3% para 2,9%. “Isso porque, em relação ao último Copom, houve uma melhora do câmbio e a trajetória de Selic em 2023 saiu de 11,75% para 12,5%. O câmbio mais baixo e os juros mais altos compensam o choque das expectativas e as projeções devem se mexer pouco”, afirma.

Kautz acredita, no entanto, que os membros do Copom podem buscar transmitir uma mensagem um pouco mais cautelosa em relação à desancoragem das expectativas e lembra que parte da credibilidade do BC depende da ancoragem da inflação de médio prazo.

Por Gabriel Roca e Victor Rezende

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