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Magalu e Via brigam na Justiça e se acusam de concorrência desleal
O Magazine Luiza entrou com uma ação contra a Via (Casas Bahia e Ponto) no fim do ano passado, e esta reagiu, poucos dias depois, processando a concorrente com acusações, que são mútuas, de concorrência desleal e desrespeito à lei de proteção à propriedade intelectual. Os litígios avançam na Justiça num período de vendas perdendo força e custo de aquisição de clientes no digital em alta, e envolvem contratos publicitários fechados com o Google.
Ambas já tiveram liminares deferidas em suas respectivas ações, em novembro e dezembro, mas os dois processos continuam em andamento no Foro Central Cível de São Paulo, ainda sem julgamento do mérito.
O Magazine acusa a Via de usar o mecanismo de busca do Google para desviar tráfego – e logo, vendas –, e a dona da Casas Bahia faz a mesma acusação contra o Magalu em outra ação, apenas seis dias depois. O primeiro a acionar a Justiça foi o Magazine, em 25 de novembro, às vésperas da Black Friday, que ocorreu no dia 26, já com pedido de tutela provisória de emergência para bloquear a suposta estratégia da rival.
A ação requerida pelo Magazine foi distribuída para a 2a Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, em São Paulo. Logo depois, em 1o de dezembro, a Via entrou com ação de teor semelhante na 1a Vara Empresarial. A Via chegou a pedir sigilo processual, mas não foi concedido. As informações foram obtidas pelo Valor junto às peças públicas do processo. Não houve audiência de conciliação entre as partes nas duas ações.
O Magazine afirma na ação que a Via contratou serviços de anúncios patrocinados do Google, para que suas marcas aparecessem com destaque quando o consumidor digitasse as palavras “Magazine Luiza” e “Magalu” nos termos de pesquisa. Quando um potencial cliente buscava essas marcas, era a loja virtual da Casas Bahia ou do Ponto (ex-Ponto Frio) que surgiam primeiramente como links na página, diz o Magazine. A prática fere dois artigos da Lei de Propriedade Intelectual (9.279/96), que trata do uso exclusivo e do licenciamento da marca, afirma no processo.
Na decisão sobre o pedido de liminar, para interromper a suposta prática, o juiz Eduardo Pellegrinelli diz que o uso da marca do concorrente pela Via pode causar confusão nos consumidores, “e gerar danos que extrapolam o aspecto pecuniário, especialmente durante o período denominado pelo comércio de Black Friday, caracterizado por grandes descontos pelo varejo e [atração] de grande número de consumidores, o que caracteriza o perigo de dano”, escreveu ele.
O juiz pediu, em 26 de novembro, a sexta-feira da Black Friday, a desabilitação dos anúncios patrocinados da Via já acertados com o Google no prazo máximo de duas horas após o recebimento da decisão liminar, por se tratar de semana das ações promocionais, sob pena da incidência de multa única de R$ 5 milhões. O Google foi notificado pela Justiça. A liminar continua válida.
Nessa quinta-feira (27), em pesquisas pelos nomes de Casas Bahia e Magazine, o Google selecionava, como anúncio patrocinado, o site dos endereços efetivamente pesquisados. Essa estratégia envolvendo a marca de um terceiro é comum entre redes varejistas.
“A empresa ‘compra’ a palavra, mas não usa a marca em seu anúncio. Todo mundo sabe como funciona. Trata-se de um contrato de publicidade específico do Google, e as grandes usam mais em datas comerciais de disputa mais pesada”, diz um ex- executivo da Americanas, concorrente das duas empresas.
A reação da Via
Na ação requerida pela Via, a empresa diz que o Magazine se vale desta mesma estratégia de vinculação de marcas às ferramentas de busca, e também pede ao juiz do seu caso, Luis Felipe Bedendi, o bloqueio da ação junto ao Google e a outros buscadores, como Bing.
Bedendi concedeu a liminar alegando que houve infração à um inciso do artigo 132 da Lei de Propriedade Intelectual. E estende a proibição a uso das marcas da Via nos títulos dos anúncios do Magalu. O uso de marca de terceiros em títulos de anúncios é mais incomum.
Bedendi diz que, pelo artigo da lei, o dono da marca pode impedir o uso dela se houver “conotação comercial” ou prejuízo “ao caráter distintivo da marca”.
Como há um pagamento para o buscador dar destaque à página da rede rival, antes, inclusive, do seu site oficial, e com possível desvio de tráfego — a ser comprovado na ação —, “tem-se, aí, o uso de marca alheia numa espécie de publicação […] digital, razão pela qual passível de se enquadrar a ferramenta [na lei]”, diz ele na decisão da liminar.
A Via pediu ainda que a concorrente parasse de usar as suas marcas em pesquisas, mas a Justiça entendeu que, como era dezembro e já havia passado a Black Friday, não haveria essa urgência.
Mercado morno
A entrada das ações na Justiça acontece num período de consumo perdendo força desde a segunda metade de 2021, numa desaceleração que afetou primeiro as lojas físicas e depois o digital. As vendas fracas de eletrônicos e eletrodomésticos, afetados pela alta do dólar e dos juros, impacta a operação das cadeias tradicionais, com boa parte de suas vendas diretas dependente desses produtos, apesar da expansão dos “marketplaces”. Analistas projetam mercado em desaceleração nesses segmentos na primeira metade deste ano, pelo menos.
Por isso, a defesa do tráfego de clientes, exatamente o que as redes hoje mais buscam — querem a recorrência e novos compradores —, acaba ganhando um peso maior nessas horas. “O custo de aquisição de cliente no digital só subiu desde a pandemia. Ninguém fala dessa inflação. As empresas gastam mais hoje do que em 2020 para tentar aumentar o lifetime value do cliente, que é o valor que ele retorna para a marca. Se elas perdem tráfego, esse custo sobe e o LFT cai”.
Os processos ainda não têm decisão definitiva. Procuradas, as empresas não se manifestaram. O Google ainda não se pronunciou. As varejistas são representadas por tradicionais escritórios da área de propriedade no país — o Magazine pelo Gusmão & Labrunie Advogados e a Via, pelo Mansur Murad.
Para executivos e consultores ouvidos, nas negociações com o Google, mesmo sendo permitido que as empresas “comprem” marcas alheias, há limitações. “Um anúncio da Via não pode conter a palavra Magalu, e vice-versa. Esse é o acordo e todo mundo respeita. A única maneira de uma das marcas conseguir derrubar o link da outra no Google, se não for por liminar, é se o lesado provar que seu nome estava no anúncio da pesquisa realizada. E isso elas não fazem”, diz um consultor.
Este modelo de propaganda é considerado um leilão, em que quem paga mais tem mais destaque nos sites de busca, por meio das palavras compradas. Após uma busca, há uma classificação que combina lances das marcas e relevância, por exemplo. Contratos privados com o Google interferem nessa classificação. “Geralmente, para anunciantes que investem mais de R$ 5 milhões por ano, o Google tem uma área de relacionamento específico”, diz uma fonte.
Mais ações na Justiça
Há processos na Justiça brasileira envolvendo marcas do setor de consumo e varejistas menores, dizem advogados, e os processos relacionados a esse tema vêm crescendo. “Você até pode registrar reclamações de abuso junto ao Google, mas a gente não sabe o que realmente acontece com esta reclamação. O próprio Google deixa claro aos clientes que já tivemos que não interfere no uso de marcas em palavras chaves”, diz uma advogada de um grande escritório.
Advogados ouvidos levantam questionamentos sobre a interpretação da lei pelos juízes e o aumento na pressão sobre o papel do Google como direcionador de tráfego de clientes.
“Se o cliente digita o nome de uma rede e o Google destaca o concorrente, mas o nome digitado aparece logo depois, dá para dizer que há um dano? Afinal, as opções estão ali, na página da ‘home’ ao consumidor”, diz um advogado especializado em propriedade intelectual no setor de varejo. “É claro que se uma aparece em primeiro
lugar, e a outra, que teve seu nome digitado, na 39a posição, há perda, mas normalmente essas redes dividem a primeira página de buscas”.
Segundo ele, “uma rede pode alegar que, no fim das contas, a sua marca está ajudando a trazer venda ao concorrente, mas é algo a se debater. “É um caso em que as provas documentais e o trabalho do perito serão decisivos para Via e Magalu definirem se há perda ou não à rede”.
De acordo com João Marcelo Assafim, professor associado da Faculdade de Direito da UFRJ e sócio do De Lima Assafim & Advogados, será necessário colher dados de como o consumidor toma a decisão de compra nos buscadores. “É importante auferir o caminho do fluxo de compras em função da influência do algoritmo”. Para ele, a decisão dos casos tende a contribuir para fixação de critérios para definir provas nos processos sobre lealdade e concorrência entre plataformas digitais.
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