Juros altos e ‘efeito Americanas’ limitam crédito para as empresas
Depois de um 2022 de recordes na captação de recursos por empresas brasileiras, o mercado de crédito privado ficou mais restrito. O patamar mais alto de juros e a crise em várias empresas, principalmente a Americanas, forçaram as empresas a adiarem as emissões em meio à percepção de aumento de riscos e com investidores pedindo juros maiores para emprestar recursos.
Sem captar recursos, as empresas não conseguem investir — o que significa produção menor e menos empregos. Isso acaba afetando o desempenho da economia, num momento em que a expansão projetada por analistas de mercado, segundo o Boletim Focus, é de 0,85% para este ano, bem abaixo dos 2,9% de 2022.
Em fevereiro, o volume de debêntures (títulos de crédito privado) foi de apenas R$ 6,63 bilhões. É um tombo de 64% frente aos R$ 18,69 bilhões captados em janeiro. Em 2022, as empresas brasileiras conseguiram em média R$ 22,57 bilhões por mês via emissão de debêntures, o maior patamar desde 2012.
Analistas já esperavam um freio nas captações este ano, mas os resultados ficaram aquém do previsto. Especialistas destacam ainda que cautela não predomina apenas no mercado de emissão de dívida corporativa, uma vez que o crédito bancário também tem demonstrado desaceleração, com as instituições financeiras mais seletivas na hora de emprestar recursos para as empresas.
Recomendação: aguardar
Além do rombo na Americanas — que, em janeiro deste ano, revelou inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões —, que gerou impactos em série no mercado, o fato de haver outras empresas em dificuldade, como Lojas Marisa e Light, acendeu o sinal amarelo entre os agentes.
O responsável pelo banco de investimento do Bradesco BBI, Felipe Thut, avalia que o mercado está em compasso de espera:
“O investidor fica superseletivo, olha menos emissões e quer uma taxa maior. Do lado dos emissores (as empresas), esperam um melhor momento de mercado. As companhias não querem estampar um preço mais alto por um período maior de tempo. Elas tiram um pouco o pé do acelerador e esperam para ver se esse prêmio (os juros cobrados pelos financiadores) acaba voltando.”
O cenário de crédito mais restrito pode, na avaliação de analistas, antecipar a decisão do Banco Central (BC) de reduzir os juros básicos da economia brasileira, que estão em 13,75% desde agosto do ano passado. Para Fernando Siqueira, head de research da Guide, pode haver um corte na Taxa Selic já na primeira reunião do segundo semestre:
“O BC também é responsável pela estabilidade do sistema financeiro. Se entrarmos em uma situação muito caótica de empresas e bancos quebrando, tem que atuar para resolver isso. Entre as medidas, reduzir juros pode fazer parte do processo.”
Já o economista da Mirae Asset, Julio Hegedus, avalia que, ainda que a crise do crédito seja uma justificativa técnica para o BC reduzir os juros, tem maior peso a definição do novo arcabouço fiscal. Como a perspectiva é que a equipe econômica divulgue a regra em breve, Hegedus sugere que o corte de juros possa começar em junho.
A dificuldade maior das companhias para captar recursos é agravada por um movimento de resgate, por parte de investidores, de recursos de fundos que aplicam em títulos de dívidas de empresas. Já no ano passado era possível perceber um resgate nos fundos de ações, mas o evento envolvendo a Americanas levou a saques em aplicações que investem em crédito privado.
Com isso, os gestores desses fundos precisam arcar com as perdas, passando a cobrar um prêmio maior para comprar os papéis ofertados nas emissões ou sequer demonstrando interesse nelas.
“Como a maioria dos fundos não é de liquidez imediata, muita gente pede o resgaste para ver o que vai acontecer no mercado”, diz o CEO da securitizadora Iosan, Richard Ionescu.
Segundo Thut, do Bradesco BBI, a sugestão dada às empresas tem sido esperar um momento mais oportuno de mercado. Nos casos em que as companhias precisam do dinheiro a curto prazo, o executivo explica que elas têm recorrido a um “empréstimo-ponte” com os bancos. Quando o cenário melhorar, podem fazer a emissão e pagar o débito bancário.
O responsável pela área de emissão de dívida local e internacional do UBS, Samy Podlubny, também tem recomendado maior paciência às empresas que não precisam dos recursos de forma imediata. Outro reflexo do mercado mais restrito é a preocupação dos emissores em encurtar os prazos.
“Quanto mais longas são as operações, mais caro é o custo do dinheiro. Elas (empresas) tendem a reduzir os prazos das operações para não ficar pagando um custo muito alto por um tempo muito longo”, diz Podlubny.
E, com os juros altos, as empresas acabam gastando mais com o serviço da dívida, o que impacta a geração de caixa.
O momento negativo não significa, porém, que não tenha havido emissões. A Rede D’Or, por exemplo, anunciou uma emissão de debêntures de cerca de R$ 1 bilhão.
Já a Petz teve de alterar seu planejamento inicial. Inicialmente planejada para janeiro, sua emissão de debêntures foi adiada para fevereiro.
Ainda assim, a tendência é que boa parte das operações que saiam sejam encarteiradas pelos próprios bancos, ou seja, sequer sejam distribuídas para outros investidores.
“São operações mais de perfil de encarteiramento do que de venda, e a gente espera que essa tendência vá sendo revertida ao longo do tempo”, diz Podlubny.
Fator externo
E as captações no mercado externo, que vinham sendo vistas pelas empresas como uma alternativa — em fevereiro, a Braskem levantou US$ 1 bilhão —, podem secar. Em depoimentos na Câmara e no Senado americanos ontem e na terça-feira, o presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano), Jerome Powell, sinalizou que os juros podem subir mais do que o previsto.
O Fed considera que a economia ainda está aquecida, já que, em janeiro, a inflação ficou em 6,4% (em 12 meses), enquanto o índice de desemprego ficou em 3,4%, menor nível desde 1969.
Após as declarações de Powell, analistas como os do CME Group já estimam que os juros encerrem o ano no intervalo de 5,5% a 5,75%. Atualmente, estão entre 4,5% e 4,75%.
“A torneira de crédito está sendo fechada pelos bancos centrais”, diz Maurício Muniz, sócio da Brio Investimentos. “Para empresas que procuram acesso a capital externo, atrapalha.”
Por Vitor da Costa (Colaborou Letycia Cardoso)
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