Campos Neto se livra de explicar terceiro estouro seguido da meta de inflação

O IPCA fechou 2023 em 4,62% e ficou dentro do teto de tolerância para o ano, que era de 4,75%

Dessa vez não vai ter cartinha. Com o IPCA 2023 consolidado em 4,62%, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, conseguiu entregar a taxa dentro da meta de inflação estipulada para o ano.

O objetivo definido pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) era de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Ou seja, o índice de preços poderia variar entre 1,75% e 4,75%.

Assim, após dois anos seguidos de estouro da meta de inflação, Campos Neto ficará livre de prestar explicações ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Inflação e a credibilidade do BC em jogo

Mas qual é a importância de ter a inflação dentro da meta? Antes de esclarecer os motivos, cabem duas explicações.

Entre as atribuições do Banco Central no Brasil está a de estabilidade do poder de compra da moeda. Em linhas gerais, garantir uma inflação estável.

Dentro disso, o BC é o principal executor das orientações do CMN. Então, quando o conselho monetário estabelece um alvo, a autoridade monetária precisa atingi-lo.

Dito isso, João Savignon, head de pesquisa macroeconômica da Kínitro, considera que o cumprimento da meta de inflação mantém elevada a credibilidade do Banco Central junto aos participantes do mercado e a sociedade em geral.

“Isto é, de que a política monetária adotada pelo BC é crível”, diz.

Assim, em termos práticos, comenta o especialista, isso afeta positivamente as expectativas dos agentes sobre a inflação futura.

Consequentemente, o nível da taxa de juros ao longo do tempo.

“Isso traz consequências diretas sobre a curva de juros e os demais ativos de risco cuja precificação se relaciona com os níveis dos juros da economia”, acrescenta.

Além disso, continua Savignon, um BC com elevada credibilidade faz com que as famílias, empresas e investidores passem a acreditar que a inflação futura se situará ao redor da meta de inflação.

“Com uma incerteza menor, eles conseguem planejar melhor as suas decisões de consumo e investimento, o que se traduz em um ambiente mais favorável ao crescimento”, afirma.

Outras justificativas de Campos Neto

Reflexos da pandemia

Em 2021, quando a meta de inflação era de 3,75%, o IPCA alcançou 10,06% no acumulado em 12 meses.

Na carta endereçada ao então ministro Paulo Guedes, o presidente do Banco Central elencou as causas de o índice ter ficado acima do limite superior do intervalo de tolerância.

“Forte elevação dos preços de bens transacionáveis em moeda local, em especial os preços de commodities; bandeira de energia elétrica de escassez hídrica; e desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos, e gargalos nas cadeias produtivas globais”, listou.

Juntamente no documento a Guedes, Roberto Campos Neto citou os efeitos da pandemia de covid-19 e da reabertura econômica.

“As pressões sobre os preços de commodities e nas cadeias produtivas globais refletem as mudanças no padrão de consumo causadas pela pandemia, com parcela proporcionalmente maior da demanda direcionada para bens e impulsionada por políticas expansionistas”, escreveu.

“Esses desenvolvimentos, que ocorreram em nível global, geraram excesso de demanda em relação à oferta de curto prazo de diversos bens, causando um desequilíbrio que, em diversos países e setores, foi exacerbado por falta de mão-de-obra, problemas logísticos e gargalos de produção”, prosseguiu.

“De fato, a aceleração significativa da inflação em 2021 para níveis superiores às metas foi um fenômeno global, atingindo a maioria dos países avançados e emergentes”, reforçou Campos Neto.

Choque de preços

Logo depois, em 2022, quando a meta de inflação era de 3,50%, o IPCA bateu 5,79% – superando novamente o teto.

Simultaneamente, Campos precisou preparar nova carta, agora a Fernando Haddad, para apresentar os motivos.

Na ocasião foram cinco fatores mencionados pelo presidente do BC:

  • Inércia da inflação do ano anterior;
  • Elevação dos preços de commodities, em especial do petróleo;
  • Desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos e gargalos nas cadeias produtivas globais;
  • Choques em preços de alimentação, resultantes de questões climáticas;
  • E retomada na demanda de serviços e no emprego, impulsionada pelo acentuado declínio da quantidade de casos de covid-19 e consequente aumento da mobilidade.

Ademais, foi entre 2021 e 2022 que a taxa Selic, instrumento usado pela autoridade monetária para estabilizar os preços, saltou de 2% para 13,75% ao ano.

E isso foi lembrado no documento por Campos Neto.

“Ressalta-se o papel do aperto da política monetária para a contenção da inflação. A política monetária, que, em 2021 já havia passado do estímulo extraordinariamente elevado para o território contracionista, avançou substancialmente no terreno contracionista em 2022”, destacou.

O que esperar de 2024 em termos de inflação

Finalmente, se depender do atual prognóstico dos agentes financeiros, o IPCA fechará 2024 novamente dentro da meta de inflação.

Para este ano, o objetivo a ser perseguido é de 3%, podendo oscilar entre 1,5% a 4,5%.

Um estudo da Órama Investimentos com 46 gestores estima o índice em 4%.

“Para essa pergunta, as respostas dos gestores foram as mais consensuais com 71% dos respondentes com projeções entre 3,50% e 3,99%”, destaca a casa.

“Além disso, dado que a meta de inflação para 2024 é 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo, observamos também que 100% das respostas se encontram dentro da banda da meta”, completa a Órama no relatório.

Ao que tudo indica, também não haverá cartinha de Campos Neto no ano que vem.