A diferença entre investir no futebol brasileiro e no europeu

A tese é comprar clubes da 2ª ou 3ª divisões e implantar um modelo de gestão profissional

Que o futebol brasileiro passa por um momento de transformação em termos de negócios, não é novidade faz tempo. Os clubes viram SAFs, que mudam de donos, que investem e buscam retornos de diferentes formas. Mas é um mercado novo, em construção, e que por isso mesmo tem riscos e oportunidades diferentes de mercados maduros, que já negociam clubes há mais tempo. Nem melhores, nem piores.

Na semana passada, a Consultoria Convocados, da qual sou sócio, anunciou a constituição de um fundo de investimentos para aquisições de clubes de futebol na Europa. Sediado em Portugal e gerido pela empresa portuguesa Blue Crow Capital, o fundo BC Football Strategies espera captar € 80 milhões para adquirir e gerir clubes em ligas europeias.

A tese é comprar clubes em divisões de acesso – 2ª ou 3ª divisões – implantar um modelo de gestão profissional, baseado nas melhores práticas de mercado dentro e fora de campo, e levá-los às primeiras divisões dos respectivos países.

Além disso, a ideia é desenvolver os backbones de transferência de atletas de forma a otimizar a captação no Brasil, na América do Sul e na África, regiões onde surgem talentos em abundância, de forma a encontrá-los através de modelos bem estruturados de scouting e análise de desempenho, e possibilitar que terminem sua formação esportiva na Europa.

Por que investir no futebol europeu?

Mas por que um grupo brasileiro opta por indicar investimentos na Europa e não no Brasil?

Pergunta é pertinente, e ao longo do artigo a ideia é mostrar as diferenças que nos levaram a iniciar os investimentos pelo futebol europeu, mas sem deixar de manter um pé no Brasil, mercado que conhecemos profundamente.

A primeira diferença entre Brasil e Europa está na questão legal. No Brasil, a Lei da SAF ainda está em fase de entendimento, de criação de jurisprudências. Até deve passar por alterações no Congresso com pouco mais de 1 ano de existência. E isso corrobora a ideia de que havia falhas.

Já na Europa há maior estabilidade legal, seja nos países que possuem SADs – Sociedades Anônimas Desportivas, equivalentes às SAFs brasileiras –, seja naqueles em que um clube de futebol se assemelha a qualquer outra empresa. Neste caso, sem necessidade de regras próprias.

Dessa forma, isso traz segurança na tomada de decisão de entrada: a regra é clara, e está testada. Mas nada que daqui há algum tempo não teremos no Brasil, onde até o passado é incerto.

Tese de investimento

Se caminharmos para a tese de investimento, sempre que se compra um ativo o objetivo é melhorá-lo, fazê-lo crescer e aumentar seu valor de equity.

Para isso, é fundamental que haja mercado de entrada – empresas querendo ser vendidas – e mercado de saída – compradores no futuro.

Clubes são negociados na Europa há décadas, e existe recorrência e mercado de compra e venda. Inclusive, ainda que não seja simples fazer o valuation de um clube, há inúmeras referências de mercado que garantem uma ideia básica de precificação.

No Brasil, o mercado está se formando para que haja entrada de novos donos, mas é ainda algo tão novo que não dá para prever se haverá mercado de saída.

Isso ocorre porque, enquanto na Europa há visibilidade de upside e retorno, no Brasil a estrutura do futebol ainda está em formação.

E este é o próximo ponto: ecossistema do futebol.

A Lei do Mandante

Na Europa as ligas estão formadas, consolidadas, permitem negociações estruturadas de direitos, calendário previsível.

No Brasil, a ideia de construir uma liga veio a reboque de uma lei que já se mostrou ruim isoladamente – a Lei do Mandante.

Sem estrutura, sem competição

O último bastião europeu foi derrubado recentemente, quando o parlamento português obrigou que todos os direitos de transmissão esportivas fossem negociados de forma coletiva. Isso favorece o produto e torna a competição mais equilibrada, dentro do seu desequilíbrio natural.

Além disso, que impacta capacidade de monetizar o negócio, as ligas europeias possuem sistemas de licenciamento duros. Eles obrigam a apresentação de infraestruturas com boa qualidade, como estádios, gramados, centros de treinamento, profissionais.

Assim, há uma separação entre clubes profissionais e amadores, especialmente a partir das segundas divisões. Sem estrutura, não se compete.

Disciplina financeira

Outro tema importante é o fair play financeiro.

Em linhas gerais, todas as ligas controlam os clubes para que tenham dívidas pagas e não atrasem pagamentos.

Isso naturalmente obriga os clubes a se manterem de forma financeiramente disciplinada, fazendo com que a competição seja pela qualidade de formação de elenco e trabalho em campo, e não pela promessa de pagamento nunca cumprida.

O exemplo que vem da França

Na França, por exemplo, se excluirmos os 5 ou 6 maiores clubes, os demais possuem receitas básicas (TV e Comercial) muito parecidas, e o que os difere é a capacidade de engajar o torcedor via Matchday, e formar e negociar bem os atletas.

Dessa forma, a competição fica justa, porque nenhum clube gastará mais do que pode, pois há risco de rebaixamento.

O anti exemplo que vem do Brasil

No Brasil, mesmo clubes grandes gastam mais do que podem, deixam dívidas e atrasos, e isso influencia diretamente no resultado dentro de campo.

Outro ponto de diferença é o valor. Os clubes brasileiros estão caros. Primeiro, como há referências de mercado, sabe-se qual será o upside conforme o clube sobe de divisão.

Com isso, e como os clubes possuem geralmente condições financeiras equilibradas, paga-se o valor de compra, e não uma obrigação de investimentos e pagamento de dívidas, cujo retorno é incerto.

Vamos às contas – e às compras

Se compra um clube que fatura € 10 milhões por 2 vezes a receita – € 20 milhões, portanto – sabemos que ao atingir € 20 milhões de receita ele passa a valer € 40 milhões, de maneira bem simplista.

Hoje, quem compra um clube obrigado a investir R$ 400 milhões, com mais R$ 600 milhões de dívidas que precisam ser pagas em 10 anos, não tem a menor ideia de qual pe o valuation inicial, e muito menos qual será o de saída. Não há referência.

Há outros aspectos que estamos explicando diretamente e em detalhes aos investidores, com uso de todas as nossas análises e dados, e que vem sendo auxiliado pela Blue Crow na Europa e pela Galapos (consultoria de M&A) no Brasil e EUA.

Sim, a ideia é termos brasileiros embarcando conosco nesse investimento, mas em linhas gerais essas são as diferenças.

Não tem certo ou errado, mas apetite de risco diferente. O mercado brasileiro segue em nosso radar, segue tendo potencial, alguns entendem que é melhor entrar quando está desestruturado. Nossa visão é outra: queremos dar solidez e segurança a quem quer investir em futebol.

Cabe tudo, dependendo do apetite e do bolso. Deixamos o estilingue de lado para construir uma vidraça e protegê-la com gestão “Made in Brazil”.

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