Incertezas e indefinições cercam a Petrobras no futuro governo Lula

Incertezas sobre política de preços de derivados de petróleo e venda de ativos cercam a Petrobras no futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva

A Petrobras vive hoje incertezas sobre o futuro uma vez que se desconhece o caminho que a empresa vai trilhar a partir de 1º de janeiro de 2023. Pessoas da atual gestão da estatal e o Tribunal de Contas da União (TCU) defendem a necessidade de continuar a reforçar a governança da petroleira. Reconhecem ainda que eventuais mudanças de rumo podem levar algum tempo para surtir efeito nos negócios da companhia. As preocupações surgem como consequência de sinais do governo eleito que pode adotar viés mais intervencionista na área de energia, via política de preços da gasolina e do diesel, e na própria Petrobras, que seria levada a desistir da venda de uma série de ativos, entre os quais estão refinarias de petróleo.

O receio do mercado em relação a essa maior intervenção política na empresa tem se refletido na volatilidade das ações da Petrobras na bolsa. Na terça-feira, os papéis da empresa chegaram a cair mais de 4%, na esteira de declarações da equipe de transição do governo eleito, mas fecharam perto da estabilidade. Ontem as ações ordinárias da estatal terminaram o dia a R$ 27,07, quase a mesma cotação da véspera.

Desde terça, o Valor procurou cinco integrantes da equipe de energia na transição de governo, mas ninguém quis falar. A visão de fontes próximas da Petrobras é que falta interlocução: “Não tem um ponto focal [um coordenador] na equipe de transição para falar”, disse fonte. O jornal também apurou que até ontem não haviam chegado demandas da transição para a Petrobras. A empresa estaria em “compasso de espera”, na expectativa do que vai acontecer nas próximas semanas, e sem condições de decidir sobre grandes temas como investimentos e o rumo da companhia na transição energética.

A previsão é que no dia 30 deste mês, depois do fechamento do mercado, a Petrobras apresente o Plano Estratégico 2023-2027 e no dia seguinte detalhe o documento. A tendência é que no plano a Petrobras continue a ter na produção de petróleo a grande geradora de receitas. Mas esse é um plano que nasce “datado” em função da troca no comando da Petrobras pelo novo governo, dizem fontes.

A falta de definições sobre como será a condução da maior empresa do país tem levado bancos a alterar recomendações de ações ou preço-alvo da companhia, alegando dificuldade para prever os rumos da Petrobras a partir de 2023. O UBS rebaixou a recomendação de compra para venda das ações preferenciais de Petrobras. O banco disse em relatório ver mudanças de direção na estratégia da empresa e que os próximos anos da estatal serão “mais sombrios”. O Goldman Sachs já havia rebaixado a indicação para neutra no começo do mês e na época avaliou que as incertezas sobre as políticas que serão adotadas para a companhia “ofuscam os resultados positivos” registrados no terceiro trimestre do ano.

O TCU também entrou na discussão. Em relatório, na semana passada, o tribunal disse que a Petrobras precisa ser fiscalizada continuamente, uma vez que, mesmo em períodos mais recentes, verificaram-se medidas pontuais de afrouxamento de normativos e regras. O tribunal destaca que, entre 2010 e 2015, a empresa apresentou “rápida deterioração dos indicadores financeiros”, devido a perdas em operações de venda de combustíveis abaixo do preço de mercado, renúncia de receitas e investimentos mal planejados e executados. A mensagem consta de documento sobre a sustentabilidade empresarial, investimentos e integridade da Petrobras, entregue pelo TCU, na quarta-feira (16), à equipe de transição. O texto faz parte de uma série de relatórios para auxiliar o futuro governo no desenvolvimento de políticas públicas para o país.

“A gestão da estrutura de capital da Petrobras deve ser conduzida de modo técnico e profissional, com base em critérios sólidos e alinhados às melhores práticas de mercado, de modo a garantir a sustentabilidade econômico-financeira da companhia no curto, médio e longo prazo, de acordo com os objetivos empresariais característicos de uma companhia com ações listadas em bolsas de valores e a missão institucional”, disse o TCU.

Uma das discussões sobre Petrobras é se a empresa deve reduzir a remuneração aos acionistas e investir mais. De janeiro a setembro, a empresa distribuiu quase R$ 180 bilhões em dividendos aos acionistas, o que motivou críticas do Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista recente ao Valor, o conselheiro Marcelo Mesquita, disse que a estatal, é um “transatlântico”, que demanda tempo para mudar de direção, e que não basta dizer que vai investir muito mais diante do limite de gestão, gente e treinamento, que impediria maiores aportes de recursos.

Outra polêmica em torno da empresa passa pela venda de ativos, especialmente de refinarias. O negócio foi acordado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e tem prazos para ser cumprido. O governo eleito, porém, tem indicado que não levará mais adiante essas transações. A equipe de transição pediu ao ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, que suspenda quaisquer vendas de ativos em andamento, o que foi aceito pelo ministro. Mas transações em fase final prosseguiriam, segundo fontes ouvidas.

O Valor apurou que a estatal não vai parar os negócios que estão em vias de fechamento, o chamado “closing”. A lista poderia incluir a unidade de Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor), ativos de produção de petróleo em águas rasas e a participação da estatal na transportadora de gás TBG, também acertada com o CADE. Uma fonte acrescentou que existe resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) segundo a qual a Petrobras tem que sair do transporte de gás. A estatal já vendeu NTS e TAG.

Em nota divulgada ontem pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), o coordenador-geral da entidade, Deyvid Bacelar, que integra do grupo de trabalho (GT) de Minas e Energia da equipe de transição, afirmou que é fundamental a suspensão de todo o atual processo de privatização de unidades da Petrobras, inclusive de operações em andamento, como a refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas, e Lubnor. A nota da FUP diz que a Petrobras corre para concluir as operações de venda dessas refinarias.

O secretário-executivo da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip), Anabal Santos Jr, avalia que o novo governo não deve alterar o plano em curso de venda de campos maduros ou que estão em declínio para petroleiras de menor porte e o assunto será bem conduzido pela equipe de energia. Segundo ele, o programa é exitoso, com resultados expressivos de geração de emprego e renda, bem como na produção de petróleo e gás pelas empresas independentes e que existem outras questões que demandam mais atenção por parte da Petrobras. “Eles vão ver que são coisas diferentes”, disse Santos.

Na agenda do governo, a política de preços dos derivados de petróleo no mercado doméstico é outra questão a ser enfrentada. Fontes na Petrobras dizem que a atual política de preços da Petrobras vai passar por mudanças. Lula defendeu na campanha a adoção de uma política “abrasileirada” de preços, que dê menos peso ou não considere o mercado internacional na precificação dos combustíveis. Na terça-feira, no que pode ser considerada a primeira manifestação pública desde que passou a integrar o grupo de transição, o senador Jean-Paul Prates (PT-RN) afirmou que é o governo que deve dar as diretrizes de preços dos combustíveis, e não a Petrobras. “Eu sempre saliento isso: quem faz a política de preços, as diretrizes da política de preços, tanto dos combustíveis quanto das tarifas de eletricidade, por uma questão de política setorial, é o governo”, disse Prates. Ele é o principal cotado para presidir a Petrobras. As opiniões, entre fontes do setor, se dividem sobre se Prates seria aprovado nas instâncias internas de governança da Petrobras e se ele passaria pelo crivo da Lei das Estatais. Na terça, Mauricio Tolmasquim, que também integra o GT de energia da transição, disse a jornalistas que não há nenhuma decisão tomadasobre mudanças na política de preços de combustíveis.

Por Fábio Couto e Francisco Góes

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