Incerteza fiscal eleva prêmio de risco por ativos do país

Desde o estresse nos mercados no dia 10, o desempenho dos ativos locais se mostra atrelado a Brasília

Se, ao longo do ano, a relativa resiliência dos ativos brasileiros diante da aversão a risco nos mercados globais proporcionou uma redução do prêmio de risco local, nas últimas semanas essa tendência começou a se inverter. Desde o início de novembro, os investidores começaram a exigir um prêmio maior pelos ativos domésticos, na medida em que aumentaram, entre os agentes, as incertezas em relação à sustentabilidade da dívida pública no longo prazo.

Uma das maneiras para se ter ideia do tamanho do prêmio exigido pelo mercado é avaliar a evolução da diferença entre o juro real brasileiro de longo prazo e a taxa real americana de referência. O juro real é o indicador que costuma representar o verdadeiro ganho de um investimento, já que desconta do rendimento a inflação.

Em março, no auge das discussões sobre o Orçamento deste ano e com o início do ciclo de aperto monetário nos Estados Unidos, a diferença entre a taxa da NTN-B com vencimento em maio de 2055 e o juro real americano de dez anos se aproximou de 7 pontos percentuais. De lá para cá, o spread chegou a cair a 4,07 pontos em 3 de novembro, mas, agora, já se aproxima novamente dos 5 pontos.

“Tivemos uma eleição bem disputada no Brasil, com discussão sobre qual será o arcabouço fiscal do país. Há um discurso vago do futuro governo de combinar responsabilidade fiscal com social, mas há uma incerteza grande sobre o que será feito e como. Nesse contexto, os ativos brasileiros estavam com pouco prêmio de risco”, observa o gestor responsável pelas estratégias de renda fixa do Bahia Asset Management, Thiago Mendez. Ao tomar o mercado de juros como exemplo, ele lembra que a curva precificava o Brasil na contramão do mundo em 2023, sendo um dos primeiros países a cortar os juros.

“O mercado chegou a precificar um ciclo de quase 4 pontos percentuais de queda da Selic pouco tempo atrás, o que indicaria uma taxa abaixo de 10% [ao ano], mesmo com EUA e Europa ainda subindo juros no ano que vem”, enfatiza Mendez. Ele aponta que os agentes se animaram com a possibilidade de um nome ortodoxo assumir o Ministério da Fazenda, mas observa que, diante da sinalização de um volume grande de gastos que o novo governo deseja para o próximo ano, o aumento real dos gastos é “muito grande”.

“A situação de prêmio de risco dos ativos brasileiros, que era baixo, se inverteu completamente. No exterior, vimos a precificação de alta de juros nos Estados Unidos diminuir. O mercado voltou a colocar corte de juros lá, enquanto no Brasil nós vimos o oposto. Qualquer queda precificada saiu da curva de juros e, agora, vemos um prêmio de alta. O mercado coloca, neste momento, que é mais provável que o Banco Central volte a subir juros no curto prazo”, destaca Mendez. Nesse sentido, a gestora optou por ter poucas posições em ativos brasileiros neste momento.

De acordo com o gestor, o forte movimento de alta dos juros nos últimos dias levou a renda fixa brasileira a voltar a apresentar um prêmio “relevante”, que reflete a incerteza com a sustentabilidade da dívida. “Navegamos um ambiente de muita incerteza no curto prazo. A volatilidade vai continuar alta, principalmente nos juros. Quanto mais gastos, mais difícil para o BC [Banco Central] começar a reduzir os juros. Dado o que tem de prêmio, caso o mundo ajude e o Brasil tenha um arcabouço fiscal crível, os ativos podem voltar a ter espaço para andar bem, mas ainda é muito cedo para isso, além de que o novo governo não tem dado sinal concreto de que vai andar nessa linha”, afirma.

Desde o estresse nos mercados visto em 10 de novembro, o desempenho dos ativos locais se mostra bastante atrelado a Brasília e a informações sobre a PEC da Transição e sobre quem irá comandar o Ministério da Fazenda no governo Lula. A divulgação de textos alternativos, que contemplam um nível de gastos acima do teto mais moderado que os R$ 198 bilhões previstos no projeto original, deu apoio aos mercados no pregão de ontem e ajudou a reduzir o prêmio de risco dos ativos locais, mas a incerteza elevada ainda predomina e gera uma exigência dos investidores por mercados “premiados”.

Caso a PEC da Transição seja aprovada com uma despesa fora do teto próxima a R$ 200 bilhões, como indica a minuta original encaminhada pela equipe de transição ao Congresso na semana passada, o déficit primário de 2023 poderia atingir um nível “perigoso” para o comportamento do risco-país medido pelos contratos de cinco anos do Credit Default Swap (CDS), alerta o economista-chefe do Banco Original, Marco Antonio Caruso.

A equipe do banco comparou o resultado primário brasileiro, como proporção do PIB, com a diferença entre o CDS de cinco anos do Brasil e a média de outros países emergentes de 2007 e 2019. O Original deixou de fora dois períodos excepcionais: o primeiro mandato de Lula (2003 a 2006), quando o CDS permaneceu elevado por receios do mercado em relação à política fiscal do petista, mas na verdade foram produzidos superávits; e a pandemia, quando o gasto do governo subiu para cerca de 10% do PIB, mas o mercado foi “tolerante”, porque entendia que era uma situação emergencial.

“Tirando esses dois períodos, observamos que, quanto maior o superávit, maior tende a ser o prêmio do nosso CDS contra os outros emergentes, e o contrário também é verdadeiro”, observa Caruso. Isso, para ele, já era esperado, dado que o CDS atua como um “seguro” contra um devedor – no caso, a União. “Ele deve refletir, de alguma forma, a possibilidade de piora ou melhora das contas públicas”, afirma.

Nos cálculos do Original, o “número mágico” que acionaria um gatilho de piora excessiva do risco Brasil medido pelo CDS de cinco anos está perto de 1% do PIB. “Ou seja, déficits a partir de 1% do PIB, olhando para a história brasileira, acabam servindo de gatilho para um CDS muito pior”, diz Caruso.

A estimativa do Original para o resultado primário em 2023 estava perto de zero. No entanto, caso a PEC de Transição seja aprovada com um valor próximo a R$ 200 bilhões, esse déficit poderia ficar ao redor de 1,5% do PIB, observa.

O superávit primário que não torna o endividamento brasileiro explosivo é estimado em 2% do PIB, segundo o economista. “Se o governo começar com um déficit muito maior do que 1%, está tão distante dos 2% [de superávit] que começa a ser politicamente muito difícil. Se o governo começasse com um déficit menor e tivesse uma sinalização de que esses 2% seriam atingidos, talvez o mercado acomodasse”, diz Caruso. A duração do “waiver” (licença para gastar acima do teto), se ele será permanente ou não, e o seu tamanho importam muito para o mercado, afirma o economista.

Não por acaso, como nota Ian Lima, gestor de renda fixa da Porto Investimentos, a discussão em torno da PEC da Transição sem a participação do grupo econômico que compõe a equipe de transição gerou mau humor entre os agentes financeiros. “O mercado interpreta a PEC como política, e não como econômica. O Ministério da Fazenda e o do Planejamento, que terão que cumprir o que foi determinado, não participaram da discussão sobre o que vai ser o Orçamento. O piloto não está presente e o mercado tende a não gostar desse tipo de comportamento.”

Ao se referir ao mercado de juros especificamente, Lima nota que o mercado tem interpretado o próximo movimento do Banco Central como de corte de juros, mas ressalta que, uma vez que não se consegue enxergar um cenário de crescimento sustentável ou de estabilização da dívida, na medida em que ainda é difícil dizer qual será o plano fiscal, a cautela com as posições em cortes de juros predomina.

“Do estresse do dia 10 para cá, entendemos que não é o momento de simplesmente zerar as posições. Deixamos um mix um pouco mais curto, porque a curva toda abriu e estamos, portanto, com posições mais curtas”, afirma o gestor da Porto Investimentos.

Ao observar a ponta longa da curva de juros real (vencimentos de prazo mais longo), porém, Lima opta por um tom mais cuidadoso. “Tem prêmio. Um juro real acima de 6,3% parece não fazer sentido em termos históricos, mas temos uma discussão sobre desequilíbrio fiscal e não temos nada de concreto ainda sobre sustentabilidade da dívida”, diz.

O diretor da tesouraria de um grande banco local afirma que, entre os ativos brasileiros, a inflação implícita e os juros de longo prazo, no momento, são negociados com prêmio positivo, enquanto a bolsa e o real ainda têm prêmio negativo. “Isso significa que as ações locais e a moeda estão relativamente caros em comparação com as taxas e com a inflação implícita, especialmente”, diz o profissional sob a condição de anonimato.

“Embora a discussão fiscal tenha sido muito ruim, nada de concreto foi decidido ainda, mas a maioria das más notícias foi totalmente incorporada no mercado de inflação”, diz o executivo. De acordo com dados da Warren Renascença, ontem a inflação “implícita” precificada pela NTN-B com vencimento em maio de 2025 estava em 7,06%.

“Sem o devido amparo fiscal, nem mesmo um Banco Central politicamente independente consegue controlar a inflação”, afirmam os analistas da A.C. Pastore & Associados, em relatório enviado a clientes. Para eles, apenas com superávits primários que permitam cumprir a restrição orçamentária do governo será possível preservar a estabilidade macroeconômica.

Por Victor Rezende e Anaïs Fernandes

Leia a seguir

Leia a seguir