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Como herdeiro da Droga Raia criou negócio de impacto social que doa milhões
A cena é corriqueira: em uma farmácia, ao pagar a compra no caixa, o atendente pergunta se você gostaria de comprar uma revista para fazer uma doação a uma organização sem fins lucrativos. Pois foi assim, vendendo produtos editoriais na boca do caixa em grandes redes varejistas, que a Editora MOL doou mais de R$ 56 milhões desde 2008.
Obra do empresário Rodrigo Pipponzi em sociedade com a jornalista Roberta Faria, a Editora MOL está presente em 14 redes varejistas, entre elas Droga Raia, Drogasil, Petz, Ri Happy e Marisa. São mais de 3.800 lojas em todos os estados do Brasil que oferecem as criações da MOL, como revistas, calendários e álbuns de figurinhas, cuja venda já beneficiou 184 ONGs e projetos sociais. “Somos a maior editora de impacto social do mundo”, informa Pipponzi.
Para explicar a matemática envolvida no modelo de negócios da MOL, o empresário usa como exemplo a revista bimestral “Sorria”, distribuída na Droga Raia: “Vendemos um exemplar a R$ 5,20. Destes, R$ 2,92 cobrem os custos de produção e operação, R$ 0,40 paga os impostos e R$ 1,88 é doado”, ensina. Comercializados a um preço médio de R$ 6 a R$ 12, os produtos (ou “projetos socioeditoriais”, como prefere Pipponzi) revertem no mínimo 30% do valor de capa para doação.
É dentro dos custos de operação que mora a margem de lucro da MOL, equivalente, em média, a 15% do custo total do projeto. Mas, segundo o empresário, o indicador preponderante não é esse: “Para além de gerar lucro, um negócio de impacto social procura atacar problemas socioambientais como centro da sua missão. Nós nascemos para gerar doações. É por conta da doação que eu gero receita, e não o contrário”, diz. A MOL prevê fechar 2022 com cerca de R$ 10 milhões em doações, em uma relação de R$ 3,85 doados para cada R$ 1 de lucro.
Desde 2020, a Editora MOL é braço de um corpo maior, o Grupo MOL, formado por outras quatro iniciativas: Consultoria MOL, que apoia empresas em suas estratégias de impacto social; Instituto MOL, sem fins lucrativos, dedicado a promover a cultura de doação no país; Varejo com Causa, plataforma sobre cultura de doação voltada ao varejo; e Banca do Bem, e-commerce criado em 2014 que será descontinuado. Para dar conta de tantas frentes, o grupo soma 49 funcionários, seis sócios executivos e um investidor.
O escritório do Grupo MOL, no bairro paulistano de Alto de Pinheiros, fica “a três minutos” do endereço que Rodrigo Pipponzi ocupa com a esposa, Marcela Janeiro, e os dois filhos do casal, Antonio, de 7 anos, e Francisco, de 4 anos. Conta que durante a pandemia, com toda a equipe em home office, ia trabalhar sozinho na sede. Mas, em 2023, as coisas vão mudar: “Estou montando um escritório para mim na Vila Madalena. A partir do ano que vem, vou para lá”, informa.
Eu me vejo trabalhando como uma dessas figuras que podem trazer as famílias empresárias a olhar para a cultura de doação
O novo endereço reflete as reestruturações recentes. Em setembro, Pipponzi deixou o posto de coCEO da Editora MOL para se tornar presidente do Conselho Consultivo do Grupo MOL. O objetivo é focar uma em atuação estratégica: “Mais do que uma editora, queremos ser um ecossistema promotor da cultura de doação no Brasil. Hoje, consigo trabalhar com mais qualidade a relação com as marcas para que elas entendam seu potencial dentro da filantropia, o que não é possível se estou na operação”, explica. Roberta Faria segue como CEO da editora e presidente do Instituto MOL.
Há também um segundo eixo ao qual o empresário pretende se dedicar, diretamente vinculado ao sobrenome que carrega: “Eu me vejo trabalhando como uma dessas figuras que podem trazer as famílias empresárias a olhar para a cultura de doação”, diz. Cabe situar: Pipponzi é bisneto de João Baptista Raia, que em 1905, na cidade paulista de Araraquara, fundou a Pharmacia Raia – o que faz de Pipponzi herdeiro da Droga Raia, hoje parte do grupo Raia Drogasil (RD).
Até 2018, trazer esse assunto à mesa azedaria a refeição do empresário. Não mais. É com descontração que a conversa se desenrola em um almoço no restaurante Mercearia do Conde, local de valor afetivo para Pipponzi: “É um dos restaurantes prediletos da minha mulher. Quando a Marcela engravidou, foi aqui que decidimos o nome do Antonio”, lembra. Aponta para o teto, de onde caem coloridos móbiles à venda: “Para marcar o momento, compramos um passarinho azul e colocamos no quarto dele”.
Quando Rodrigo Wright Pipponzi nasceu, em 1980, em São Paulo, a família Pipponzi tinha sete lojas de farmácia. Viu de perto o negócio familiar se tornar uma das maiores redes varejistas do país, incluindo marcos como a oferta pública inicial de ações (IPO), em 2010, e a fusão com a Drogasil, em 2011. Tudo isso liderado por seu pai, Antonio Carlos Pipponzi, o ACP, hoje presidente do Conselho de Administração da RD.
“Meu pai, tio, tia, primos, todos trabalhavam na Raia. O assunto extrapolava para a família, acabava surgindo nos almoços de domingo”, recorda. Para separar os momentos, criou-se a tradição do jantar de segunda-feira: “Mas também aí se falava muito da empresa. Eu tinha um incômodo com essa coisa misturada, sabe? Mais velho, percebi que é natural. Impossível você ser uma família empresária e não falar disso”, pondera. Na família da mãe, Isaura Wright, tinha-se o oposto: “Zero business. Zero, zero, zero”.
Ainda na infância, Pipponzi desenvolveu uma de suas maiores paixões: o futebol. “Palmeirense doente” – palavras do empresário -, que aos 12 anos foi aprovado em uma peneira e passou a disputar torneios internacionais. Apesar da vida de atleta mirim, nunca tentou se profissionalizar. Mas mantém uma relação intensa com o esporte: “Jogo no Clube Pinheiros. Brinco que é a Champions League amadora, seríssima”, diverte-se.
As lideranças do setor privado precisam entender que não é caridade. A filantropia gera muito valor para o negócio e deve ser parte da estratégia
Pipponzi considera que o futebol foi importante para “abrir sua cabeça” em relação a pautas sociais: “Tem uma coisa de você ver mundos e vivências totalmente diferentes dos seus”, diz. Com o esporte, deu também seus primeiros passos no que viria a ser sua profissão. “Sempre tive duas características muito fortes: a liderança e a comunicação. Eu e um amigo fazíamos o jornal do clube, com as notícias do campeonato”, conta.
Hoje, parece natural que Pipponzi enveredaria pelo jornalismo. Mas houve um desvio de percurso: a graduação em administração de empresas, na Fundação Getulio Vargas (FGV). Depois de formado, tomou duas decisões definidoras de seus rumos. De um lado, foi estudar – agora sim – jornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC). De outro, fundou, em 2003, o Estúdio MOL, um escritório de ilustração em parceria com Francisco Zullo e Galileo Giglio.
No estúdio, Zullo e Pipponzi, amigos de infância, uniram talentos. Ao primeiro cabia produzir as ilustrações, enquanto o segundo vendia e administrava o negócio. Zullo batizou a empresa e trouxe Giglio para a empreitada. Já Pipponzi foi avisar a família que não iria para a Raia: “Eu queria conquistar meu espaço. Não gostava que me associassem à Raia, tinha um trauma, mesmo”. Completa: “Para mim, empreender foi uma libertação”.
Segundo Pipponzi, o pai reagiu ao anúncio com “frustração respeitosa”. “Fomos almoçar, e eu contei que ia abrir o estúdio. Ele respondeu: ‘Você estudou cinco anos na FGV para vender desenho do Chico [Zullo]?’.” A frase ressoaria 15 anos depois, quando Pipponzi e Roberta Faria ganharam o Prêmio Empreendedor Social, da “Folha de S.Paulo” e Fundação Schwab, em 2018: “Meu pai estava na plateia. Ele comemorou, me abraçou e disse: ‘Viu? Falei que era para você vender desenho do Chico’”, ri.
Tendo a Editora Abril como principal cliente, o Estúdio MOL cresceu a ponto de o empresário abandonar a faculdade de jornalismo. Com o tempo, além da ilustração, criou-se uma área de conteúdo. Foi assim que, em 2006, chegou à MOL a jornalista Roberta Faria, a quem Pipponzi chama de “alma gêmea corporativa”. Também em 2006, os núcleos se separaram: “Foi muito natural. Eles ficaram com o Estúdio MOL, e eu convidei a Roberta para ser minha sócia na Editora MOL”, explica.
Chegamos, então, a 2007, o primeiro grande ponto de virada desta história. De forma voluntária, o Estúdio MOL produzia peças de comunicação para o Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC). Como Pipponzi conheceu a organização? “Futebol, como sempre. Aos 12 anos, eu ia jogar bola com meu pai no clube, e o dr. Sérgio Petrilli [fundador do GRAACC] também jogava bola lá. Eu vi o GRAACC nascer”, conta.
Sensibilizado com os esforços de captação de recursos da ONG, Pipponzi idealizou uma revista com lucro revertido ao GRAACC. Como de praxe, o título seria vendido em banca. Até que se reuniu com a distribuidora: “Eu queria vender a revista no Brasil inteiro a R$ 2,50, com tiragem de 120 mil exemplares. Falaram: ‘Esquece. Não tem como manter esse preço, a decisão sobre as praças de venda é nossa, e a impressão mínima é de 250 mil por causa do encalhe’”.
O empresário lembrou-se então de um tabloide que tinha visto ser vendido no caixa da Droga Raia, com valor doado a um asilo: “Era uma coisa horrível, mal construída. O pessoal comprava porque queria doar, mas jogava no lixo”. Continua: “Me veio o estalo: se eu vender a revista na farmácia, uso o centro de distribuição deles e consigo precificar a R$ 2,50, porque não tem intermediário”.
Pipponzi confessa que a solução gerou uma “briga interna”: “Eu tinha aquele trauma, queria ficar longe da Raia. Mas achei que, nesse caso, valia a pena”. Junto com Roberta Faria, construiu o modelo da revista “Sorria” e o apresentou a Kika Pipponzi, sua prima, então diretora de marketing da empresa. “Falei para ela: eu não quero um centavo. Vou captar um ano de patrocínio para a revista, vocês só vão vender. Era a minha condição”, lembra.
Com a intermediação de Petrilli, Pipponzi conseguiu apoio de dois laboratórios. A primeira edição da “Sorria”, lançada em março de 2008, teve sua tiragem esgotada em três semanas e doou R$ 267 mil ao GRAACC. Até hoje em circulação, a revista já vendeu mais de 15 milhões de exemplares, doando R$ 18 milhões à organização. Em 2013, o GRAACC inaugurou um novo hospital, cuja construção teve 70% da obra civil custeada pela “Sorria”.
O empresário cita esse feito ao explicar por que considera o varejo um lugar privilegiado para promover a cultura de doação: “Quando você vê o volume de pessoas que circulam diariamente por um comércio, a capacidade absurda que o varejo tem de influenciar comportamento e a capilaridade dessas redes, se você pluga ali a coisa certa, você gera transformação. A gente viu isso: vendendo revista no caixa, levantamos um hospital”.
É em 2013 o segundo grande ponto de virada da editora. Diante da bem-sucedida experiência com a revista “Sorria”, era hora de expandir para outras redes varejistas. Abrindo mão dos clientes corporativos, a MOL tornou-se, a partir dali, um negócio 100% focado em projetos socioeditoriais. Houve, no entanto, um baque: “Com o tempo, fomos abrindo cotas de patrocínio para aumentar a tiragem da ‘Sorria’. Em 2013, dos sete parceiros, seis avisaram que não renovariam com a gente”.
De início, o empresário pensou: “Acabou. Não temos mais dinheiro”. Mas pôs-se a fazer contas e viu que, na verdade, o modelo da MOL era autossustentável. “Até então, como havia patrocínio, nós doávamos 100% do valor de capa. Mas a gente tinha arrecadação suficiente para custear o negócio. Bastava ser transparente e explicar ao cliente que nós doamos todo o lucro do projeto, ou seja, a receita menos impostos e o nosso custo de produção”, conta.
Hoje, enxerga nisso um trunfo: “Depois da pandemia, as marcas se veem pressionadas a ter uma atuação social. No nosso modelo, elas não precisam investir um centavo, e a gente se adapta aos processos já existentes no parceiro. Passamos a ser muito mais procurados, em especial por redes médias”, diz. Uma vez que a fórmula da MOL depende de volume de vendas, está prevista para 2023 uma plataforma que permitirá a pequenos e médios varejos financiar projetos socioeditoriais de modo coletivo.
Ainda que a revista “Sorria” seja “o projeto da sua vida”, Pipponzi considera a parceria com a rede de pet shop Petz a grande conquista profissional. Em primeiro lugar, trata-se, diz, de um caso de sucesso que se deu fora dos domínios da Raia. E destaca o papel de Sergio Zimerman, CEO da rede, a quem foi apresentado pelo pai: “O olho do Sergio brilhou quando falei do projeto. A coisa andou em um ritmo tão alucinante que, de 2017 para cá, a gente arrecadou mais de R$ 7,5 milhões em doações”.
Pipponzi identifica o engajamento da alta liderança como fator crucial para que o projeto dê frutos. Comenta que, a partir do Prêmio Empreendedor Social, em 2018, ficou mais fácil ter atenção de CEOs. Para ele, a mobilização do varejo em torno da cultura de doação passa por uma mudança de olhar desse público: “As lideranças do setor privado precisam entender que não é caridade. A filantropia gera muito valor para o negócio e deve ser parte da estratégia corporativa”, argumenta.
Foi também a partir da premiação que Pipponzi se libertou do tabu em torno de sua origem: “Eu odiava falar sobre a Raia, mas por causa do prêmio tive que conversar com a imprensa sobre isso. Hoje, falo de peito aberto. Aliás, tenho muito orgulho”. Depois de tanto fugir, hoje é parte da estrutura da Raia: integra o Comitê de Investimento Social Privado da RD, além de ser uma espécie de “consultor informal” em temas de ESG.
E tem mais. Ao lado dos irmãos, Bruno e Beto, e do pai – com quem, diz, sempre evitou trabalhar -, fundou em 2019 o Instituto ACP (IACP), dedicado ao fortalecimento institucional de organizações sem fins lucrativos: “Gestão e governança são o DNA da família. É onde podemos apoiar as ONGs a se desenvolverem”, explica. E qual o balanço de, enfim, trabalhar ao lado do pai na construção do instituto familiar? “O saldo é muito positivo. No fim, o IACP aproximou a gente”, avalia.
Vice-presidente do Conselho Diretor do IACP, Pipponzi assume a presidência em 2023. Tem assento também nos conselhos do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e do capítulo brasileiro do Sistema B, voltado a empresas de impacto positivo. Investe em três startups, todas com viés social: VerBem, em saúde visual; Vivenda, na área de habitação; e Simbiose Social, focada em leis de incentivo fiscal. “E é importante dizer”, completa, “que eu doo dinheiro o ano inteiro”.
Esse adendo não é à toa. Para o empresário, dar o exemplo é fundamental na tarefa de inspirar seus pares a se engajarem na filantropia: “É muito importante a coerência entre o que você fala e a sua ação. Me coloco nesse lugar para estimular a conversa”, diz. Defende que a filantropia seja compreendida enquanto ferramenta de mudança, e não como algo paliativo: “A gente ainda associa a doação ao emergencial, que é necessário em um país como o nosso. Mas é preciso entender o valor cívico de uma doação”.
Otimista por natureza, Pipponzi vê avanços. Avalia que a pandemia acelerou o entendimento coletivo sobre a importância da cultura de doar. E entende que o ESG veio para ficar: “As empresas não têm escolha. Não há mais como fugir do impacto das mudanças climáticas, por exemplo. Não tem mercado sem mundo, sabe?”. Segue no raciocínio: “Se olhar para isso é irreversível, agir também é. E eu acredito muito na força da iniciativa privada para transformar a realidade”.
Para responder aos novos tempos e fazer do Brasil uma nação doadora, o Grupo MOL planeja os próximos passos. Segundo Pipponzi, o grupo investe na presença digital, o que não significa abrir mão do físico: “Nossa fortaleza é o papel, e ele não vai morrer”, esclarece. Outras prioridades são expandir a plataforma Varejo com Causa e diversificar as parcerias, inclusive para a indústria.
O almoço chega ao fim com a pergunta fatídica: afinal, o Palmeiras tem Mundial? “Lógico que tem! Óbvio. O Palmeiras é o primeiro campeão mundial, em 1951, contra a Juventus”, crava. E, aos risos, finaliza: “Inclusive, essa pode ser a manchete da matéria: ‘Palmeiras tem Mundial e não há discussão, afirma Rodrigo Pipponzi’”.
Por Mariana Tavares — Para o Valor, de São Paulo
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