Grandes grupos de tecnologia perdem US$ 1,4 trilhão na bolsa
As ações das cinco principais empresas de tecnologia dos Estados Unidos, Alphabet, Amazon, Apple, Meta e Microsoft, as chamadas “Big Techs”, e a Netflix, perderam US$ 1,37 trilhão em valor de mercado em abril, um dos piores meses para essas companhias desde o início da pandemia. O montante, que equivale a cerca de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2021, reflete um ambiente macroeconômico desafiador e a repercussão dos resultados das empresas no primeiro trimestre do ano.
O setor de tecnologia vem perdendo valor, em bolsas ao redor do mundo, desde a virada de 2021 para 2022, por conta da perspectiva de alta de juros nos Estados Unidos e em outros países, como forma de conter a inflação que toma conta da economia global. As empresas são afetadas pela perspectiva de redução no fluxo de caixa futuro e de maior dificuldade em levantar recursos para financiar seu rápido crescimento.
“O que em um primeiro momento parecia ser uma inflação temporária, por descasamento de oferta e demanda, acabou se mostrando bem mais persistente, forçando ajustes maiores nas taxas de juros, o que traz um impacto negativo principalmente nas ações de tecnologia, mais dependentes de financiamentos e, em muitos casos, ainda com geração de caixa deficitária”, diz Alexandre Constantini, estrategista-chefe da Catarina Capital.
Ele lembra que as disrupção na cadeia de componentes eletrônicos, que já vinha há algum tempo afetando o setor, foi agravada pela guerra na Ucrânia, atacada pela Rússia desde 24 de fevereiro deste ano. “Setores como software, hardware, semicondutores, entre outros, foram afetados e sofreram com uma produção menor de seus produtos finais.”
As seis empresas que sofreram a enorme desvalorização nas suas ações divulgaram, umas mais ou outras menos, os efeitos dessas questões macroeconômicas nos resultados do primeiro trimestre ou nas perspectivas para os próximos períodos. O conjunto desses fatores acabou causando a desvalorização, mesmo que os números em si do trimestre não tenham sido tão ruins.
“De uma maneira geral, os resultados não estão tão ruins quanto parecem ser”, afirma William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities. Ele explica que as empresas de tecnologia já sinalizam uma desaceleração da economia americana, que para ele é saudável. A economia diz, vinha muito aquecida, financiada pelos recursos que o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos (EUA), injetou no mercado americano ao longo dos últimos anos para conter os efeitos da pandemia.
A opinião é compartilhada por André Kim, sócio da GeoCapital, que vê uma fuga dos investidores de empresas com múltiplos elevados, que é o caso das Big Techs, em meio à escalada da inflação e dos juros nos EUA. No caso da Netflix, o múltiplo “preço da ação em relação ao lucro” estava em torno de 30 vezes em março. Na Amazon, essa relação era de 80 vezes e continua elevada. “Neste primeiro trimestre nós temos que fazer uma divisão do que foi resultado ruim nessas empresas e o que é percepção de resultado”, pondera.
Os analistas ouvidos pelo Valor são unânimes ao dizer que das seis empresas, a que menos sentiu tais efeitos no primeiro trimestre foi a Apple. “Ela bateu o consenso do mercado em praticamente todas as linhas do balanço”, diz Kim. A receita da Apple no período de janeiro a março aumentou 9%, para US$ 97,3 bilhões, com lucro líquido de US$ 25 bilhões, alta de 5% na comapração anual.
O sócio da GeoCapital diz que o que acabou prejudicando a Apple foi a fala do CEO, Tim Cook, sobre os efeitos que os problemas na cadeia de suprimentos, incluindo o recrudescimento da pandemia na China, terão na produção de aparelhos da Apple nos próximos trimestres. “Isso criou um nervosismo, quase irracional no mercado, que [teme que] o lucro da companhia será afetado. Mas não dá para afirmar isso.”
A Microsoft também apresentou resultados considerados saudáveis no trimestre. O lucro líquido de US$ 16,73 bilhões representou alta de 8% na comparação anual, enquanto as receitas avançaram 18% no período, para US$ 49,4 bilhões. “Apresentou números satisfatórios e sem perspectiva horrorosa”, diz Alves.
A transição da companhia para um modelo de negócio baseado em nuvem, com a receita da unidade Azure subindo 26%, a US$ 19,1 bilhões, a protege de impactos mais drásticos das questões macroeconômicas, deixando o mercado mais calmo, comenta Alves. A diretora financeira da Microsoft, Amy Hood, afirmou que o crescimento da receita do Azure vai desacelerar apenas ligeiramente no próximo trimestre, mas ainda acima das projeções.
A Meta, controladora das redes sociais Facebook, WhatsApp e Instagram, se recuperou no primeiro trimestre, após um quarto trimestre muito ruim, quando a ação chegou a despencar 26,3%, perdendo US$ 225 bilhões em valor de mercado. As receitas subiram 7%, a US$ 27,9 bilhões, enquanto o lucro líquido caiu 21%, a US$ 7,46 bilhões. André Kim nota que a empresa acertou o tom da comunicação das perspectivas.
O comando da Meta conseguiu mostrar que “não vai demorar quatro a cinco anos de investimentos” para a receita dos negócios envolvendo a tecnologia do metaverso começar a aparecer, diz Kim.
As receitas atuais da Meta, mais baixas do que o esperado, mostram a maturidade de suas plataformas, diz o sócio da GeoCapital, que lembra dos esforços da companhia para avançar em novas ferramentas, como o Reels, que permite criar vídeos de até 60 segundos no Instagram.
Já a Alphabet, controladora do Google, viu queda de 8,3% no lucro líquido, a US$ 16,4 bilhões, com as receitas crescendo 23%, a US$ 68 bilhões. Alves diz que a desaceleração continuada nos negócios de publicidade e no YouTube acenderam um sinal de alerta nos investidores: “Há um acirramento de competição com outras plataformas e não temos muitos indicadores para onde isso vai.”
“Existe essa preocupação na desaceleração de receitas de publicidade em mídias digitais, afetadas pela retomada gradual da vida pós-pandemia, com menor engajamento de usuários em serviços de streaming e comércio eletrônico”, diz Constantini.
A Amazon foi, no grupo da “Big Techs”, a empresa que realmente apresentou um resultado ruim no primeiro trimestre, dizem os analistas. A companhia teve prejuízo de US$ 3,84 bilhões, primeira perda trimestral desde 2015, puxada pela desvalorização da participação que possui na montadora de veículos elétricos Rivian. As receitas cresceram cerca de 7% entre janeiro e março, a US$ 116,4 bilhões.
“A Amazon claramente sentiu o impacto das pressões inflacionárias na sua estrutura de custos, bem como da volta gradual do consumo aos pontos físicos”, diz Constantini. Alves observa que a sinalização do diretor-presidente da Amazon, Andy Jassy, de desaceleração operacional, preocupa, mesmo com os negócios de nuvem, tocados pela AWS, tendo desempenho positivo no trimestre.
Fora das “Big Techs”, mas com importância similar no setor de tecnologia, a Netflix foi a empresa que realmente assustou o mercado no início da temporada de balanços do primeiro trimestre deste ano. A plataforma de streaming apresentou uma perda líquida de 200 mil usuários – a expectativa era de adição de até 2,5 milhões de assinantes. O alerta da empresa de que ainda vai perder mais assinantes nos próximos trimestres contribuiu para a má recepção de seu balanço trimestral por parte dos investidores.
Kim, da GeoCapital, diz que a retração na base de clientes da Netflix aconteceu principalmente por conta da deterioração macroeconômica e os reajustes nas mensalidades, afugentando assinantes. No entanto, ele observa que as iniciativas que a companhia pensa em implementar, como restrição ao compartilhamento de contas e uma assinatura contendo anúncios, pode estabilizar a situação da companhia nos próximos anos.
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