Gestores ‘recalculam rota’ após eleição

Xavier, da SPX, destaca preço atrativo de ativo; Verde, de Stuhlberger, fala em risco fiscal

Passada a corrida eleitoral, pesos-pesados do mercado de capitais e de investimentos estão em modo “recalculando a rota”, com base nas sinalizações dadas pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, sobre o desenho que pode ter o seu governo a partir de 2023. Os holofotes estão voltados para a equipe de transição e os nomes que podem assumir a economia, bancos públicos e estatais.

Há quem esbanje otimismo, como Rogério Xavier, sócio-fundador e CIO da SPX Capital, que avalia que os ativos brasileiros “estão de graça”, enquanto a equipe da Verde Asset, de Luis Stuhlberger, aponta preocupações com a evolução dos gastos públicos. Já o CEO do BTG Pactual, Roberto Sallouti, diz ainda haver dúvidas sobre como será a condução da política fiscal no terceiro mandato de Lula.

O preço dos ativos brasileiros é atrativo para investidores e o cenário econômico tende a ser favorável para o país, na visão de Xavier. Mas para que esse ambiente considerado mais benigno se confirme, a equipe econômica de Lula precisa ser de qualidade, pondera. “Eu acho que o Brasil está de graça, o preço [dos ativos] está bom e o câmbio está no lugar. O Brasil não tem nenhum problema e está fazendo o papel dele”, afirmou, ao participar do Congresso da Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity (ABVCAP), no Rio.

Xavier afirmou que as eleições transcorreram democraticamente de maneira apropriada, e surpreendentemente calma, dada a expectativa que havia com a polarização política que foi criada. O gestor reiterou sua visão de “relativamente otimista” e acredita que Lula sabe que foi eleito pela corrente de forças que tende mais ao centro e não pela “bandeira do PT”. Se o presidente eleito quiser trabalhar somente com a esquerda, o governo estará em risco, afirmou.

Para o gestor, o ponto de partida da economia não é ruim, mas os compromissos assumidos pela frente são um problema. “O que nos ajudou nos últimos anos não nos ajudará nos seguintes, precisamos de pessoas e políticas que estejam em linha com a estratégia de tomar cuidado com a questão fiscal”, afirmou Xavier. E, segundo o gestor, o presidente eleito tem consciência disso. A sua expectativa é que Lula troque o “waiver” (perdão) que está pedindo ao Congresso Nacional para furar o teto de gastos por uma equipe econômica de qualidade.

Xavier afirmou que nos últimos anos o Brasil saiu do radar do investidor estrangeiro, por algumas afirmações infelizes do presidente Jair Bolsonaro. “Na questão da Amazônia, fundos retiraram seu apoio basicamente pela maneira como nos colocávamos. Houve retorno sob expectativa de diálogo e outra postura com relação ao meio ambiente [no novo governo]”, disse ele.

Xavier comentou ainda que o Brasil está “absolutamente sozinho” no universo de mercados emergentes, em posição privilegiada para atrair recursos. “É só não fazermos besteira, não precisa fazer espetacularmente bem”, afirmou, acrescentando que é necessário ainda mostrar uma trajetória sustentável para a relação dívida/PIB.

Para Sallouti, do BTG Pactual, a economia vive um momento de muita incerteza justamente porque não há clareza sobre qual será a política fiscal do governo eleito, e consequentemente a trajetória da dívida pública e o tamanho da carga tributária. Faltam também, segundo ele, definições sobre a agenda de reformas e de concessões públicas.

“Não sabemos qual vai ser a postura dos bancos públicos. Nos últimos seis anos, tivemos um clássico efeito de ‘crowd in’, com os bancos privados ganhando espaço”, afirmou ontem em teleconferência sobre os resultados do terceiro trimestre do banco. “Acho que, por mais que tenha mudança na agenda dos bancos públicos, não é nada que vá acabar com o crescimento que vimos nos últimos anos nos mercados de capitais. Qual vai ser a continuidade dessa curva de crescimento, depende dessas políticas”, disse.

Já a equipe do multimercado Verde, de Stuhlberger, escreveu na sua carta mensal que o resultado do segundo turno das eleições, com vitória bastante apertada de Lula, foi na direção, embora não na magnitude, que a maioria dos analistas esperava e que de algum modo os mercados já embutiam isso nos preços.

No entanto, a gestora vê com preocupação as primeiras sinalizações e discussões fiscais do novo governo. “A tal ‘PEC da Transição’ está se tornando (mais um) trem da alegria brasiliense de crescimento dos gastos descontrolado”. Para a Verde, o valor aventado, superior a R$ 200 bilhões, é “algo completamente descabido”.

A retórica do presidente eleito, que assegurou durante a campanha que teria responsabilidade fiscal como nos dois mandatos anteriores, e que não precisaria de teto dos gastos ou outro arcabouço, “essa espécie de ‘la garantia soy yo’, periga ter vida bastante curta se não for seguida de decisões e comportamentos que a corroborem”, escreve a equipe da Verde.

Nos dias subsequentes ao segundo turno, momento que coincidiu com um mercado global mais amigável, os ativos brasileiros apresentaram excelente performance, e o multimercado Verde se beneficiou desse rali.

O fundo fechou outubro com valorização de 3,51% e acumula no ano ganhos de 15,2%, ante 10% do CDI em dez meses. Posições em bolsa brasileira, petróleo, em moedas, juros globais e em crédito “offshore” foram responsáveis pelo desempenho, compensando assim as parcelas em ações globais, compra de inflação implícita no Brasil e ouro, que saíram perdedoras.

Já o Nimitz, da SPX, teve perda de 1,21% em outubro, mas no ano a valorização chega a 26,4%. No Brasil, o fundo tem estratégias aplicadas em juros, o que significa prever queda das taxas. Em ações, tem posições relativas.

Por Juliana Schincariol, Álvaro Campos e Adriana Cotias

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