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‘Faria Lima e Leblon não representam o que acontece no Brasil’, diz gestor da Brasil Capital
Dois jovens analistas de ações, fãs assumidos de Warren Buffett, resolveram abrir uma gestora com a responsabilidade de gerir o próprio dinheiro e parte da fortuna da família Ermírio de Moraes, uma das mais ricas e poderosas do Brasil.
Era 13 de outubro de 2008 quando o fundo de ações tomou corpo, pouco menos de um mês após a inesperada quebra do banco Lehman Brothers.
Enquanto o mundo desabava e mergulhava numa das maiores crises financeiras da história, nascia a Brasil Capital, fundada por Ary Zanetta e André Ribeiro, aos 25 e 30 anos, respectivamente.
Considerando o risco da empreitada e a confiança inabalável dos gestores, poderia até ser um capítulo à parte de “A Grande Aposta” ou mais um dos milhares de fundos que tentariam a sorte.
Mas depois de 15 anos, Ribeiro conta, em entrevista exclusiva à coluna Pano de Fundo, do íon, que o foco em fazer o simples, na época, deu a tranquilidade que ele e Ary precisavam para fazer do fundo de ações da Brasil Capital um sucesso no mercado brasileiro.
Desde o início, o retorno médio do fundo é de 20% ao ano, consagrando um estilo de gestão à moda antiga, indo “pra rua” e conhecendo as operações das empresas da Bolsa com uma proximidade que, hoje em dia, em um mundo altamente conectado, causa estranheza. Mas é exatamente nisso que Ribeiro e Zanetta acreditam ser o diferencial da gestora.
Nesta conversa, André Ribeiro chegou a elogiar e revelar sua idolatria a Charlie Munger, dias antes do megainvestidor e braço-direito de Warren Buffett falecer aos 99 anos. Veja o bate-papo completo abaixo:
A abertura oficial do nosso fundo foi no dia 13 de outubro de 2008. Foi logo depois da crise nos Estados Unidos e no mesmo ano em que o Brasil chegou no chamado investment grade (quando um país recebe a nota de grau de investimento pelas mais conhecidas agências de avaliação de risco). Eu tinha 30 anos na época e o Ary, que é um dos sócios-fundadores e um dos gestores, tinha 25 anos. Éramos super jovens e sem um planejamento de negócio montado, como outras assets já fazem hoje em dia. Quer dizer: enquanto há gestoras que já nascem com um time de 15 e 20 pessoas, cada uma com sua função, a gente, naquela época, queria gerir o nosso próprio dinheiro e de uma das partes da família Ermírio de Moraes (fundadora do Grupo Votorantim). Já tinha uma vontade muito grande de fazer uma empresa com a nossa cara, com o nosso jeito de investir e o nosso programa de sócios, contratando e retendo grandes talentos. Fomos nos estruturando mais ao longo do tempo conforme os resultados foram aparecendo. Nossos primeiros anos já foram muito bons e isso permitiu que fôssemos crescendo de forma natural.
Na verdade, isso foi um alívio pra gente. O nosso objetivo único com as condições que tínhamos, naquela época, era de gerir o capital próprio e entender se essa estrutura mais simples de gestão daria resultado. E, felizmente, tivemos resultados muito fortes em 2009 e 2010. Então, isso trouxe a tranquilidade de seguir em frente. Uma gestora de ações não é uma empresa complexa. É um tipo de negócio que ganha escala de forma muito rápida. Nós já éramos analistas de empresas, entendíamos do negócio e o fato de não ter uma grande estrutura trouxe tranquilidade de não ter a obrigação de performar para provar a nós mesmos e provar pros clientes que a tínhamos condições de gerir esse capital. Mesmo assim, os anos seguintes foram muito bons e aí conseguimos, de fato, institucionalizar a Brasil Capital e montar uma estrutura.
Eu acho que veio muito mais maturidade pra gerir a empresa, trazendo uma convicção ainda maior que, no Brasil, pra conseguir prosperar tem que investir nas melhores empresas, nas mais dominantes, nas mais estruturadas e com os melhores executivos. Por quê? Porque o país é extremamente volátil do ponto de vista macroeconômico. Por exemplo, entre 2014 e 2022, o PIB do Brasil cresceu praticamente 0% ao ano, com juros em torno de 10%. Quer dizer: temos que estar aliados aos melhores empreendedores, com capacidade de gerir as companhias, da melhor maneira possível, justamente nesses momentos difíceis. No fim das contas, a gente aprendeu que só os grandes e estruturados acabam sobrevivendo no Brasil e os setores acabam se concentrando cada vez mais porque essas empresas mais dominantes vão ganhando mercado da concorrência nos momentos ruins da economia. Da parte mais institucional da Brasil Capital, ficou mais claro durante esses 15 anos que temos que ter uma equipe enxuta, simples e ser capaz de contratar, treinar e reter bons talentos, e isso você faz via sociedade.
Existe, realmente, uma admiração muito grande pelo Warren Buffett e pelo Charlie Munger, que, apesar de aparecer menos, é extraordinário também. No fim das contas, eles são os papas do investimento em empresas listadas em Bolsa em diversos lugares, usando a análise fundamentalista de maneira claríssima, objetiva e de modo relativamente simples. É admirável e incrível o que eles fazem, com mais de 90 anos, e com a energia que fazem.
A nossa análise das empresas é bastante fundamentalista, olhando para os números, e muito clássica. Mas a parte de Governança, pelo nosso histórico, já vem inserida no processo desde o começo. A gente entende que os critérios ambientais e sociais estão bastante interligados com a governança da empresa e a forma como uma companhia toca seu negócio. E isso, consequentemente, já está inserido no nosso processo. Mas, na verdade, a gente só deixa de investir em companhias que tenham práticas de governança questionáveis. Se o que a gente espera não está alinhado com os planos dos sócios controladores e dos executivos de uma empresa, pode esquecer o investimento. Não tem ativismo no Brasil contra empresas listadas em Bolsa que gerou resultado. No fim das contas, quando você discorda das práticas do controlador, quem acaba ganhando e tendo mais força é o próprio controlador da companhia. Então, a gente tem uma característica muito mais de investir em uma empresa, entrando de forma amigável e, eventualmente, se identificarmos que algum ajuste precisa ser feito, a gente tenta indicar conselheiros que possam ajudar a empresa a melhorar, sempre conversando com os controladores de forma colaborativa. Se não tiver alinhamento, esquece. É melhor não investir ou sair do investimento e partir para outra.
Em primeiro lugar, a nossa análise mais old school significa, grosso modo, fazer diferente do que grande parte do mercado faz. A Faria Lima e o Leblon não representam o que acontece no Brasil e nas operações das empresas porque essas companhias estão espalhadas pelo país. A percepção ou a narrativa que o mercado adota não tem absolutamente nada a ver com o que acontece no dia a dia do ponto de vista econômico e de processos e desafios das empresas. Nosso estilo de investimento é focado na proximidade com as empresas e com as pessoas relacionadas às companhias que a gente investe pra entender, de fato, o que está acontecendo. Muitos leem apenas relatórios e análises de terceiros e de pessoas que estão sentadas na frente do computador escrevendo, lendo e pesquisando, mas não há essa proximidade para entender a realidade das empresas. É nesse estilo mais old school que acreditamos. Nossa equipe precisa estar na rua pesquisando profundamente as companhias. E, em paralelo a isso, para evoluir e contribuir com esse processo, implementamos uma equipe de dados que nos alimenta com informações complementares. Isso mostra que a gente tem que evoluir constantemente. Não dá para ficar parado no tempo.
Os eventos de curto prazo, como eleições e guerra, normalmente influenciam muito pouco no médio e longo prazo das empresas. A gente acredita muito que o valor das companhias vai aparecer conforme os números dos resultados operacionais são divulgados. Se os lucros forem crescentes ao longo dos anos, a valorização das companhias provavelmente vai acompanhar esses números. E o contrário também vale. Agora, ler o momento de curto prazo e pra onde o mercado vai tem gente que sabe fazer bem, só que é muito difícil acertar este curto prazo. Para nós, estruturalmente faz mais sentido investir a longo prazo pensando nos lucros futuros ou desinvestir em empresas considerando seus prejuízos futuros. Dificilmente, eleições aqui no Brasil vão mudar o rumo do país de forma estrutural. É uma democracia consolidada e a gente não vê de forma alguma contratos serem rasgados. Então, a gente acaba não levando em consideração esses eventos.
Existe um otimismo importante do nosso lado e uma expectativa de que haja valorização relevante da Bolsa ao longo dos próximos trimestres e semestres, diante de um cenário de resultados operacionais crescentes das empresas somado à queda de taxa de juros, que vai gerar despesas financeiras menores. Ou seja, a tendência é que tenha um aumento exponencial no lucro líquido das empresas em geral. O que faz as ações andarem para cima ou para baixo, na nossa visão, é a evolução do lucro. E isso deixa a gente bastante otimista, especialmente em relação às empresas relacionadas ao mercado interno do Brasil e do nosso portfólio. Para 2024, o cenário econômico é estável por causa desse equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário. O crescimento econômico está até acima do esperado, considerando o que era projetado um ano atrás, e a inflação está controlada, abaixo do esperado. Isso se soma à queda da taxa de juros e aos lucros crescentes das empresas. Ou seja, há um potencial muito grande de valorização das companhias, por causa desse cenário, mas também porque elas estão subavaliadas. Isso significa que o Brasil está muito barato e as empresas estão historicamente muito baratas. Mas não adianta investir em qualquer uma: é preciso estar nas empresas certas, e a gente acredita que o nosso portfólio está com as companhias certas para o cenário brasileiro.
*Texto de Leonardo Pinto, CEA, jornalista e editor do Feed de Notícias do íon, onde o artigo foi publicado originalmente. Para ler este e outros conteúdos, acesse ou baixe o app agora mesmo.
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