Exportadoras mantêm US$ 70 bi fora do Brasil

Diferença entre valor exportado e câmbio contratado mostra que empresas não internalizam recursos apesar de alta da taxa de juros

Empresas citadas na reportagem:

Companhias exportadoras têm optado por manter seus dólares fora do Brasil, apesar do aumento das taxas de juros no país. Mais de um ano após o início do ciclo de aperto monetário, a internalização de recursos ainda não se materializou. Levantamento do Valor Data com base nos dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e do Banco Central mostra, na verdade, que a diferença do acumulado em 12 meses entre as exportações físicas e o câmbio contratado continua nas máximas históricas.

A chamada “boca de jacaré” do dólar continuou a se abrir e alcançou US$ 70 bilhões até 18 de março – alta de 26% em relação ao fim de 2021. Em setembro, a diferença entre as exportações embarcadas e o câmbio comercial contratado era de US$ 46,6 bilhões. Já em dezembro, ficou em US$ 55,6 bilhões e, em fevereiro, em US$ 68,2 bilhões.

O gestor de moedas do ASA Hedge, Marcello Curvello, afirma que é natural que uma parte dos dólares se mantenha no exterior. “Não necessariamente todos os recursos usados pelos exportadores brasileiros vão ser internalizados. No longo prazo, tem que haver esse ‘gap’ [lacuna], já que parte desse dinheiro é vertido para inúmeros serviços de grandes exportadoras lá fora”, diz. “Mas hoje olhamos um câmbio contratado muito abaixo do embarcado, o que também não é natural. O normal seria rodar só um pouco abaixo.”

Curvello prefere observar o diferencial pela ótica do balanço de pagamentos do BC, mas diz que, sob qualquer análise, a diferença está muito alta. Segundo ele, há menos catalisadores para esse diferencial no momento, já que o grosso da desalavancagem de grandes exportadoras atingiu as metas estabelecidas e a taxa básica de juros se encontra no maior patamar desde abril de 2017, a 11,75% ao ano.

Em outubro, o diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra, afirmou num evento que uma “baixa contratação de câmbio comercial no período recente” havia levado a um intervalo “pouco usual” e “muito relevante” em relação ao saldo comercial. Segundo ele, isso se devia ao processo de pagamento de dívidas corporativas externas e não havia sobra relevante de caixa das empresas no exterior que tivesse impacto sobre a dinâmica do câmbio.

Na avaliação do diretor de investimentos (CIO) da Garde Asset Management, Carlos Calabresi, a lacuna, que passou a aumentar em 2019 e se intensificou em 2020 e 2021, era explicada inicialmente pela estratégia das empresas de manter caixa no exterior a fim de otimizar fluxos para honra de compromissos. “Mas o câmbio se comportou tão mal no período, a volatilidade ficou tão grande, que as empresas começaram a diversificar com investimentos lá fora”, pondera.

O chefe de estruturação e vendas de derivativos do Bank of America (BofA), Nuno Martins, diz que as empresas que concentram os maiores volumes de exportações mantêm balanços dolarizados e se financiam majoritariamente em moeda forte, o que implica menos incentivos para manterem grandes reservas em real. Ele aventa a hipótese de que a diferença pode ter aumentado nos últimos meses porque o volume exportado cresceu com os maiores preços de commodities, mas as obrigações das empresas em divisa brasileira não aumentaram na mesma magnitude.

“Não acho que seja uma questão relacionada a um risco estrutural do Brasil, mas o fato de que as companhias estejam montadas de uma maneira tal que a gestão de caixa é menos relacionada a aspectos macro e muito mais ligada à gestão de risco e equilíbrio do balanço”, diz Martins. “Uma companhia com moeda funcional em dólar gerencia o negócio dela nessa divisa. Portanto, não faz sentido acumular reserva em outra moeda que não o dólar apenas para se apropriar de juros maiores.”

Já Calabresi, da Garde, espera que haja uma reversão do fenômeno e observa que, na margem, os dados já têm melhorado com o regime de juros maiores. A diferença mensal entre as exportações físicas e o câmbio contratado caiu de US$ 5,5 bilhões em dezembro para US$ 3,8 bilhões em fevereiro e estava em US$ 4,7 bilhões em março até o dia 18.

“O juro aqui está muito alto, o diferencial com o exterior subiu demais e a volatilidade baixou bastante. Saímos da faixa dos 16% a 18% de volatilidade implícita e colamos mais nos pares rand sul-africano e peso mexicano, com uma volatilidade 12% a 14%. Você passa a ter um regime que vale a pena, enquanto o custo para ter dólar lá fora aumenta”, diz.

O diferencial de juros elevado tem atraído investidores estrangeiros e está por trás da apreciação do real nas últimas semanas.

Calabresi afirma que a internalização de recursos deveria contribuir com uma queda ainda maior do dólar comercial. A Garde, que mantém posições vendidas na moeda, projeta que o fluxo cambial fechará o ano positivo em US$ 20 bilhões, mas o gestor diz que o fluxo para bolsa está tão forte que provavelmente esse número será revisado. Dados mais recentes do BC indicam fluxo cambial favorável em US$ 9,5 bilhões no ano, dos quais US$ 7 bilhões são da conta financeira e US$ 2,5 bilhões, da comercial.

Curvello, da ASA, prevê um fluxo cambial positivo em US$ 25 bilhões e diz que, em tese, poderia ser ainda maior caso houvesse uma maior internalização de recursos de exportadores. Isso poderia, inclusive, contribuir com quedas mais expressivas do dólar. No entanto, o gestor avalia que a maior parte do movimento de baixa já ocorreu. Segundo ele, o fundo hoje não possui uma aposta direcional no real, mas opera com uma posição conjugada com venda em dólar e compra em bolsa.

“Saímos de R$ 5,70 no início do ano para R$ 4,75. Em R$ 5,25 achávamos que estava de bom tamanho o movimento. Creio que um ambiente de altas de juros pelo Fed [Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos] não casa bem com um cenário de céu de brigadeiro para emergentes, com tanto fluxo de entrada assim”, pondera.

Já a economista do BTG Pactual Iana Ferrão avalia que o fluxo comercial tende a aumentar neste ano pela alta expressiva do saldo das exportações embarcadas devido aos maiores preços de commodities. No entanto, pondera que a tendência é que a lacuna não se reduza significativamente. “Se mantivermos um gap similar ao de 2022, estamos falando de um fluxo comercial de US$ 30 bilhões, o que já é muito maior do que no ano passado”, aponta.

A projeção do banco é que a balança comercial fechará o ano com saldo positivo de US$ 75 bilhões. “A expectativa é que o fluxo para o Brasil siga forte, não só pelas commodities, que se manifestam no canal comercial, mas também pelo canal financeiro, que tem sido o destaque no início de ano”, diz.

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