Estrangeiro tira ruptura fiscal de cena e compra Brasil
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O grande fluxo de recursos para o Brasil que tem levado à valorização do real – o dólar chegou a ser cotado ontem abaixo de R$ 5,00, – e das ações decorre da percepção de menor risco de uma ruptura fiscal após as eleições e do aperto da política monetária, segundo gestores que participaram de evento do BTG Pactual.
Para Rogério Xavier, sócio-fundador da SPX, o BC foi corrigindo erros da política monetária excessivamente frouxa no biênio 2020/2021 e o real deixou de servir de “funding” para a compra de outros ativos. O movimento foi amparado pela alta das commodities e pela melhora dos termos de troca e das condições para o financiamento da conta corrente. Na cena política, a aproximação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do ex-governador Geraldo Alckmin parece ter afastado um risco previsto para as eleições.
“O [presidente Jair] Bolsonaro significa a continuidade da política atual do [Paulo] Guedes [ministro da Economia] e de outros ministros. E, com Lula mais ao centro – a grande notícia é o Alckmin como [candidato] a vice-presidente, e ninguém acredita que ele embarcaria num projeto senão pensando em coisas razoáveis, sem loucuras como se viu em alguns parceiros e vizinhos nos últimos anos -, esse risco de cauda foi se eliminando”, disse Xavier. A indicação, prosseguiu, é que pode haver mudanças na política econômica, mas sem perder de vista o fiscal. Assim, o prêmio embutido nos preços dos ativos passou a ser corrigido.
Luis Stuhlberger, CEO e CIO da Verde Asset, disse que os estrangeiros, de fato, não têm uma visão negativa de Lula e os empresários ficarão “felizes” se o governo gastar mais, já que a cada 1% de medidas fiscais representam R$ 90 bilhões a R$ 100 bilhões nas mãos do consumidor. “Mas tem o dilema da precificação dos ativos, com bolsa e câmbio num lugar e os juros e inflação em outro. Em governos populistas, o que paga a conta é a inflação. Não acho que é provável um governo populista, mas uma mudança de paradigma, um modelo diferente do que foi de 2016 a 2021.”
O gestor afirmou que não dá para negar que, na trajetória do PT, em que Lula entregou para a sucessora Dilma Rousseff uma relação dívida/PIB menos reservas de 40%, tendo recebido em 60% do PIB, em 2003, ele não tenha sido fiscalmente responsável. Mas ressaltou que o conceito geral dos governos de esquerda, não só no Brasil, é que o Estado é o motor de desenvolvimento do PIB, um indutor de crescimento.
Ao dobrar os benefícios do Bolsa Família, rebatizado como Auxílio Brasil, com adições na proposta de emenda constitucional (PEC) dos Precatórios, o gestor citou que o governo assumiu 1% do PIB de gastos a mais na perpetuidade. “O governo Lula entraria com a política de gastar mais, vai receber um déficit primário de 1% a 2% do PIB e a tendência é aumentar. Não acho que o mercado esteja recebendo muito mal se for feito responsavelmente, em 3%, e não a 6%.” Mudar a regra contábil que hoje considera investimentos como gastos seria uma forma de acomodar isso.
Segundo Stuhlberger, o capital externo que o Brasil recebeu nos dois primeiros meses do ano, contribuindo para a valorização da taxa de câmbio e das ações, não conversa com os preços a mercado de juros e inflação, com os prefixados longos quase no pico e os títulos atrelados ao IPCA em 5,6%. “O que o mercado está dizendo? Que o Brasil não necessariamente vai naufragar com políticas populistas, mas vai conviver com juros e inflação mais altos. Como isso se comunica com um BC independente? Não se comunica.”
O gestor acrescentou que essa situação leva a crer que o país será obrigado a mudar a sua meta de inflação, talvez para os 4,5% do passado, com margem de dois pontos para cima ou abaixo disso. “Trazer inflação de 10% para 6% é fácil, o difícil é trazer de 6% para 3%. O BC vai ter que lidar com isso.”
Xavier disse que o risco agora é o BC exagerar no aperto monetário. “Claramente há sinais de esgotamento da poupança das famílias, o comprometimento da renda disponível com serviço de dívida em incríveis 30% vai fazer com que o consumo caia de maneira importante e a inadimplência começa a subir.” O gestor vê como contraditório o aumento de juros pelo BC enquanto o Ministério da Economia estuda programa de crédito de R$ 100 bilhões e o uso do FGTS para pagamento de dívidas.
Se as expectativas estiverem corretas, acrescentou, com a Selic a 12,5% e a inflação esperada para 18 meses abaixo de 4%, a mensagem é que é o país precisa ter 8,5% de juro real para levar a inflação para baixo. “O mercado também tem essa percepção de que as taxas de juros estão elevadas e aproveita o momento para ganhar no ‘carry trade’, uma vez que as políticas dos bancos centrais desenvolvidos ainda não são restritivas.”
Xavier e Stuhlberger fizeram coro ao sócio sênior do BTG Pactual André Esteves de que os juros nos Estados Unidos e na Europa vão subir mais do que está embutido nos preços dos ativos até agora, que é uma elevação para 1,5% ao ano, e acomodarão nesses níveis ou pouco acima de 2% até mesmo para os prazos mais longos.
Os “traders brazucas”, como brincou Esteves, carregam a experiência de conhecer de longa data como funciona um processo inflacionário e consideram que, se os bancos centrais realmente quiserem conter a alta de preços, terão que jogar mais para cima tanto as taxas de curto prazo, que controlam via juro básico, como também deixando de atuar na compra de títulos de longo prazo, o chamado afrouxamento quantitativo.
Xavier afirmou que o Fed devia ter tomado cuidado com aquilo que desejava quando tornou público seu plano de jogar temporariamente a inflação anual para acima da meta de 2% ao ano. O resultado é que ele vê o desemprego extremamente baixo nos países desenvolvidos. A poupança disponível para consumo, também alta, favorece a demanda das famílias e uma inflação originalmente estimulada por choques de oferta se tornou mais duradoura.
O sócio da SPX se mostrou preocupado com a postura “complacente” com a inflação, porque vê os BCs dos países desenvolvidos praticando uma política que estimula a economia, com juros reais ainda negativos, o que ele considera que terá seu preço no futuro.
Stuhlberger comentou que os juros reais dos títulos públicos corrigidos pela inflação dos Estados Unidos e Europa eram de 2% e 1,5% logo antes da pandemia, respectivamente, e de 3% e 2% no período de 2012 a 2018. Atualmente, essas taxas reais estão próximas de 0,10%. Para ele, portanto, seria natural que as taxas voltassem para esses níveis com a normalização da atividade econômica, mas isso não aconteceu. “Se voltar só pra isso, o estrago que vai fazer no mercado é grande”, afirma o gestor.
O sócio da Verde disse que a política monetária expansionista dos últimos anos, com juro de curto prazo zero e excessivas compras de ativos, “feita para favorecer o pobre, para ele ter um custo de financiamento imobiliário mais barato, terá consequências”. Para ele, no futuro os dirigentes dos bancos centrais que adquiriram títulos públicos de 30 anos com taxas negativas de 1% a 2% serão questionados. Essa distorção, expressa nos contratos de juros, é que tem feito os investidores correrem para comprar ativos como ações, imóveis e bitcoin, é uma tentativa de se proteger contra a inflação.
Antes, Esteves havia dito que, depois de 15 anos de juro zero e ausência de inflação, os agentes econômicos americanos parecem ter desaprendido a interpretar esse fenômeno. Para ele, com inflação corrente de 7,5% ao ano e uma meta de 2%, não será um juro de 1,5% nos EUA “que vai arrumar essa bagunça”.
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